Os dois casos, interpretados de diferentes formas pela sociedade angolana, revelam um lado sombrio das doenças mentais em Moçambique e o impacto das condições sociais e culturais na vida de homens e mulheres que procuram, numa sociedade muito tradicional, por respostas aos seus problemas.

O auge deste despertar sobre suicídios e sobre as doenças mentais foi, entretanto, a tentativa de suicídio de um jovem que deixou as três províncias moçambicanas da zona sul às escuras, ao escalar uma torre de alta tensão que exigiu um esforço de cerca três horas para resgatá-lo e a interrupção total do fornecimento de energia eléctrica para salvaguardar a sua vida.

O suicídio é, segundo Bertolote[1], um fenómeno complexo que sempre atraiu, ao longo dos séculos, a atenção de vários profissionais de diversas áreas, nomeadamente médicos, filósofos, artistas, teólogos, sociólogos, entre outros, que tentam, com o seu saber, dar significado a uma decisão séria, senão a mais séria da vida humana: tirar a própria vida.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos e, ao final de cada ano, pelo menos 800 mil perdem a vida, superando, nalgumas partes do mundo, o número de mortes por outras doenças.

Entretanto, essa continua a ser uma causa de morte ignorada e silenciada pelos governos e pela sociedade, em geral, por carregar em si estigma, conotações sociais e culturais que não permitem que este possa ser discutido amplamente nas sociedades.

Apesar do número significativo de vítimas, apenas 38 países definiram estratégias de prevenção do suicídio num contexto em que a maioria dos suicídios ocorre em países de baixa e média rendas, e as maiores taxas em países de alta renda (11,5 por 100.000 habitantes), se considerarmos os números absolutos.

África, Europa e Sudoeste da Ásia têm taxas de suicídio acima da média mundial de 10,5 por 100 mil habitantes, e os homens são os que mais o cometem em relação às mulheres.

Moçambique é o país africano com maior taxa de suicídios, cuja principal causa é a depressão. Cerca de 173 suicídios ocorrem em cada 100 mil habitantes, e são maioritariamente mortes silenciosas ou silenciadas pela vergonha e pelo medo de reconhecer um problema tão grave de saúde pública que começa a ser recorrente no país.

A OMS define a depressão como "um transtorno mental que pode afectar pessoas em qualquer idade, caracterizado por uma tristeza persistente, pela perda de interesse por muitas actividades, incapacidade de realização dum trabalho diário, associada ao sentimento de culpa ou perda de auto-estima". Ela é, geralmente, acompanhada por perturbações do sono ou do apetite, cansaço e falta de concentração, durante pelo menos duas semanas e insta os países a começarem a dar maior atenção aos cada vez crescentes números de suicídios nos países africanos, onde as acções de cooperação e desenvolvimento estão concentradas, obviamente, nas doenças transmissíveis, pobreza, violação de direitos humanos e fome e ignoram, totalmente, a componente de saúde mental que começa a ganhar maior expressão, à medida que os estados também começam a evoluir economicamente e a pressionar adolescentes e jovens a adaptarem-se a novos padrões e exigências que muitas vezes, quando frustradas, criam dilemas que propiciam o desenvolvimento de doenças mentais.

Como problema de saúde pública, os suicídios requerem e começam a exigir a nossa atenção, principalmente porque a sua prevenção e controlo não são tarefas simples, pois exigem que seja desencadeada uma série de actividades que envolvem a criação de condições favoráveis, para, por exemplo, criar crianças e adolescentes em ambientes saudáveis e o reconhecimento tratamento eficaz de perturbações mentais que são, igualmente, causadas pelo consumo excessivo de álcool e outras substâncias estupefacientes que têm sido normalizadas nos nossos países.

O controlo de factores de risco numa sociedade que continua a teimar e a resistir em disseminar informações apropriadas sobre os suicídios deve ser um imperativo urgente, para que se possa ainda de pequeno torcer este pepino que cresce aos olhos de todos nós.

As mais sentidas condolências às famílias dos três suicidas desta semana, que se juntam aos milhares de homens e mulheres que, em Moçambique e também em Angola, encontraram no suicídio a única resposta aos milhares de problemas que os afectavam.