Até onde ou até quando resistirá Montenegro aos barões e baronesas do seu partido, incluindo antigos líderes que desfilaram ao seu lado na campanha eleitoral e que, pelo poder, defendem um acordo com o Chega, uma dissidência do próprio partido?

E que fará Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, visto por muitos políticos e comentadores como factor de instabilidade, por ter optado pela convocação de eleições antecipadas e pelo seu envolvimento na campanha eleitoral à favor da vencedora AD da sua família política?
Eleições que deram um empate técnico entre a AD (coligação de direita que inclui também o CDS e PPM) e o Partido Socialista, com uma vantagem inferior a um por cento para a primeira, que fica dependente da extrema-direita racista e xenófoba para formar uma maioria parlamentar que suporte o Governo.
Extrema-direita, o Chega, maior vencedor dessas eleições, que quadruplicou o seu resultado em relação a 2022, passando de 12 para pelo menos 48 deputados, quando ainda falta escrutinar os quatro deputados eleitos pelo Círculo da Emigração.

Se o Partido Socialista teve uma monumental queda, perdendo 13% dos votos ao descer da maioria absoluta de 41,5% para 28,7%, equivalente a 77 deputados, a AD com 29,5% (79 deputados) fica quase igual aos 27,7% do PSD sozinho em 2022, mostrando assim a dificuldade do principal partido da direita em crescer.
Com esses resultados, ainda sem os dados da votação da Diáspora, é provável que PS e PSD tenham o mesmo número de deputados (dois dos deputados eleitos pela AD formarão a bancada do CDS) ou mesmo que o PS tenha mais deputados que o PSD.

Outro dado relevante saído dessas eleições é que sem a sua extrema, a soma de toda a direita (34,6%), incluindo a Iniciativa Liberal (5,08%), é inferior à de toda a esquerda parlamentar (PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre) que obteve 39,8%.
Entre os derrotados, o destaque vai igualmente para o histórico Partido Comunista Português (PCP), que também perdeu votos e deputados, por causa do seu posicionamento em relação à guerra na Ucrânia sobre a qual se tem recusado a aderir à narrativa maioritária em Portugal de condenação da Rússia e apoio à Ucrânia.

O crescimento da extrema direita dá-se sobretudo a Sul, incluindo em antigos bastiões comunistas, como Setúbal e Alentejo, onde o PCP, partido que lutou contra o fascismo, ao perder o único deputado que tinha em Beja, ficou, pela primeira vez desde a Revolução de Abril, sem qualquer parlamentar na região, onde o Chega se estreia com três mandatos.

Muito distante dos 18,96% de 1979 (47 deputados) e com menos dois deputados que na eleição de 2022, em função dos resultados das eleições de 10 de Março, os comunistas, usando da sua forte influência no sindicalismo, sobretudo junto da principal central sindical portuguesa, CGTP, liderada por um membro do seu Comité Central, vão certamente intensificar os seus protestos de Rua para amplificar a voz dos seus (apenas) quatro deputados eleitos, o mesmo número conseguido pelo partido ecologista Livre.
Eleições que resultaram num Parlamento muito fragmentado, com nove formações políticas, e deram uma machadada ao habitual bipartidarismo português, que permitia aos dois maiores e alternantes partidos de poder, PS e PSD, representarem mais de 70 por cento, 2/3, do eleitorado, indispensáveis para qualquer alteração da Constituição.

Essa mudança do espectro político português, sem ser estrutural, terá alguma durabilidade e vem retirar ao PSD a condição de partido hegemónico à direita, enquanto à esquerda, o PS mantém-se como partido dominante e com capacidade de determinar o diálogo no seu bloco ideológico.

A intromissão da extrema direita, que com mais de um milhão de eleitores se transformou num terceiro bloco político, põe à prova a maturidade do regime democrático e seus alicerces, no ano em que se celebram os 50 anos do golpe de Estado e consequente Revolução de Abril.
Na noite eleitoral, Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, demarcou-se de qualquer apoio ao governo da direita, nomeadamente a futuros orçamentos, assumindo-se como líder da oposição, sem qualquer ambiguidade e sem esperar pelos quatro deputados da Emigração, empurrando, desta forma, a direita para entendimentos com a sua extrema.

Enquanto isso, a extrema-direita fez depender o seu apoio ao Governo da AD de negociações sobre o programa do Executivo, bem como da inclusão de membros do Chega na estrutura governativa a ser chefiada por Montenegro ou por outro social-democrata que substitua o actual líder da AD.
Extrema direita que sempre existiu em Portugal como ala do PSD, principalmente na liderança de Pedro Passos Coelho, mas que agora, com a sua autonomização por André Ventura, aproveitando a onda mundial de populismos, toma contornos que ameaçam a estabilidade democrática de Portugal.
Se se aliar ao Chega, um partido que tem defendido medidas anti-democráticas, sobretudo em relação a imigração, aos negros e comunidades ciganas, as quais, com base em dados falsos, acusa de serem subsídio-dependentes, o PSD, para além de criar uma cisão interna, hipoteca parte considerável do seu eleitorado anti-extrema-direita.

Num País em que o desempenho da economia depende do Estado, e em que os agentes económicos esperam sempre por medidas do Estado para fazer negócios, a instabilidade saída dessas eleições vai certamente retrair novos investimentos.

Isso mesmo avisou, menos de 24 após a divulgação dos resultados eleitorais, a agência de rating DBRS para a qual num quadro de incerteza e de instabilidade governativa o risco mais claro para Portugal a curto prazo "é um possível atraso na implementação de reformas e investimentos".
De realçar que esse berbicacho previsível resulta da dissolução do Parlamento e consequente convocação de eleições antecipadas pelo PR, depois da demissão do ainda primeiro-ministro socialista António Costa, na sequência do anúncio, em Novembro passado, pelo Ministério Público (MP) de uma investigação ao chefe do Governo por corrupção, mas que até agora não teve qualquer prova nem desenvolvimento.

O PR português, todos os políticos e analistas sabiam que a convocação de eleições nessas circunstâncias era o presente mais desejado pela extrema-direita que, com o seu populismo, transformou o anúncio do MP numa espécie de condenação efectiva do ainda PM.
Ignorando a estabilidade governativa como variável económica, Marcelo Rebelo de Sousa ficou refém das estratégias, cenários e factos que como analista político cria, bem como das ameaças constantes de dissolução do parlamento que verbalizou durante o período de menos de dois anos de duração da maioria absoluta de Costa.

Assim, a vitória da AD permite a Rebelo de Sousa realizar o sonho da direita portuguesa de assumir todos os principais cargos políticos do País: Presidente, maioria parlamentar, Governo, presidentes das duas principais autarquias do País, Lisboa e Porto, e das duas regiões autónomas, Madeira e Açores.
Apesar de vencedor dessas eleições, Rebelo de Sousa, político astuto e muito preocupado com a sua popularidade e imagem, tem agora em mãos uma situação de instabilidade governativa de que não há memória, e corre o risco de ficar na História como o Presidente da turbulência política e de três dissoluções do Parlamento.

Perante este cenário, a pergunta que se coloca é quando serão as próximas eleições legislativas que farão de Portugal um País de mini-ciclos eleitorais, economicamente instável e de recuos sociais que atingem particularmente as vítimas do discurso incendiário e de ódio da extrema-direita.
No entanto, apesar do crescimento da economia acima da média da Europa comunitária, saldo orçamental positivo, desemprego muito baixo, dívida externa controlada e com notas altas das agências de rating, aumento de rendimentos (salários e pensões), avanços no Estado social (salário mínimo, abono de família, creches gratuitas, apoio às rendas, os eleitores portugueses recusaram-se a renovar a confiança no PS.
As pessoas terão votado contra as dificuldades em matéria de habitação, saúde e educação, a que se junta o descontentamento das forças de segurança, expresso através de manifestações de ruas, sobretudo em período de pré e de campanha eleitorais.

Sem colocar o acento tónico nas pessoas e nos seus problemas, na dignidade humana, em vez do capital financeiro, a democracia dificilmente vencerá os populismos que assolam a Europa, e não só, e que em Portugal deu mostras de crescimento.