O jornalismo em Angola vive um "novo anormal", em que os constrangimentos económicos vão atormentando o pleno exercício da actividade. Há diminuição de meios, redução de equipas, limitação dos trabalhos, não há dinheiro, o pânico de perder o emprego está cada vez mais presente, há cada vez mais jornalistas precários e empresas com dificuldades de se manterem no mercado.

A tentativa de interferência, de instrumentalização e manipulação por parte dos agentes políticos é frequente. O papel democrático do jornalismo esbarra, muitas vezes, em interesses económicos e de grupos. Existem instituições que se revelam uma espécie de compressor para "espremer" dos jornalistas aquilo que deve ou não ser publicado, principalmente àqueles que pertencem às esferas dos poderes dominantes. O advento das novas tecnologias de informação veio multiplicar os meios de comunicação social, mas isso não teve reflexos na diversidade de conteúdos, nem grandes acréscimos da qualidade produzida.

A situação económica faz com que haja uma dependência cada vez maior dos anunciantes, surgindo as agências de comunicação que inundam as redacções com propostas de cobertura mediática, definindo agendas e conteúdos, com a agravante de condicionarem mesmo a linha editorial de certos órgãos. O "novo anormal" já nos deixa perceber que, depois de terminar o Estado de Emergência, será normal assistirmos a despedimentos em massa e ao encerramento de órgãos de comunicação social. As redacções vão "emagrecendo" cada vez mais, os jornalistas seniores vão sendo excluídos e as redacções vão perdendo memória.

As empresas optam pelos mais novos, que, sendo menos experientes, são mais baratos e, facilmente, aceitam o trabalho precário. É crescente e evidente a falta de poder económico dos grupos de media e dos meios de comunicação, o modelo de negócio está em decadência. Não existe um parque gráfico para a impressão de jornais e, neste momento, a nível da imprensa privada, só dois jornais (Expansão e Novo Jornal) vão tendo o "atrevimento e a ousadia" de circular em formato papel.

Pôr jornais nas ruas quando os cidadãos são aconselhados a ficar em casa pode até parecer surreal. Exige um esforço hercúleo a nível humano, logístico e financeiro. Exige também fé e crença no ofício. Exige responsabilidade e resiliência. Exige coragem para continuar e vencer. Para o nosso jornalismo, a luz no fundo do túnel pode ser um comboio a vir em sentido contrário. Começam a escassear as esperanças. A tal esperança de que se diz ser a última a morrer também pode ser a primeira a "matar".

A iniciativa do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), de solicitar um encontro com o Presidente da República, João Lourenço, para analisar o estado da comunicação social em Angola, foi bastante oportuna. João Lourenço orientou Manuel Homem, ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, para dirigir o encontro (que aconteceu dias depois) e para lhe fazer chegar as conclusões obtidas.

Aguarda-se por pronunciamentos, políticas e decisões, mas sempre com as devidas ressalvas, pois, como escreveu no Novo Jornal o jornalista Nuno Andrade Ferreira: "Ao aceitar-se a necessidade de o Estado e, por isso, o Governo intervirem no sector privado de comunicação social, entramos numa área cinzenta, principalmente em países com tradição de controlo político do espaço público e de condicionamento das opções editoriais dos órgãos de comunicação social", podendo, também, ser este um preço a pagar nesta aproximação/relação com um poder político que sempre temeu que o chamado quarto poder tivesse poder de facto. Um poder político que sempre viu este quarto poder como contrapoder e que se sente tentado a reduzi-lo a 1/4 do poder. É em tempo de crise que se revela o bom jornalismo e a união entre jornalistas. É neste momento que se deve estimular o debate público sobre o actual estado de crise do nosso jornalismo. O jornalismo angolano não precisa apenas de investimento e injecção de capitais, precisa também de ser discutido, estudado, analisado, restruturado e de reformas. É necessário uma urgente e profunda Presstroika.

Nota: O historiador, professor universitário e investigador angolano Filipe Zau será o director do Novo Jornal por uma semana, na edição alusiva ao 1 de Junho, Dia Internacional da Criança.