Apesar dos estragos causados pela Covid-19, o combate à corrupção, bandeira da governação de João Lourenço, ressentiu-se, mas marcou passos positivos. Julgamento, detenções de altas figuras do "consulado" de JES e recuperação de activos de grupos empresariais criados com verbas do erário marcaram o ano 2020 neste capítulo.

Dentre as figuras a contas com a justiça, destaca-se o antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, condenado pelo Tribunal Supremo a 14 anos de prisão, por crime de peculato e artifícios fraudulentos.

Já em meados de Agosto, foi a vez do antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, condenado a cinco anos, enquanto o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, envolvido no mesmo processo, denominado por "500 milhões", foi sentenciado com a pena de oito anos. Outros condenados no mesmo processo são o antigo director do Departamento de Gestão de Reservas do BNA, António Bule, e o empresário Jorge Gaudens Sebastião.

Zenu dos Santos foi sentenciado pelos crimes de fraude e de tráfico de influência, enquanto o antigo governador do BNA, Valter Filipe, pelos de peculato na forma continuada e de burla por defraudação.

Em meados de Setembro, a PGR ordenou a detenção do empresário Carlos São Vicente. O antigo patrão da AAA Seguros terá sido constituído arguido depois de as autoridades suíças terem congelado a sua conta com 900 milhões de dólares, por suspeita de lavagem de dinheiro. Vicente está em prisão preventiva desde 22 de Setembro, por suspeita de crimes de peculato e branqueamento de capitais.

Dois "temíveis" generais e colaboradores directos de JES também não passaram por despercebido pelo crivo da justiça. Hélder Vieira Dias "Kopelipa" e Leopoldino Fragoso do Nascimento "Dino" foram constituídos arguidos num processo relacionado com contratos entre o Estado e a empresa China International Found (CIF), no âmbito do extinto Gabinete de Reconstrução Nacional. Os mesmos já começaram por ser ouvidos pela PGR.

Outro facto insólito na história jurídica do País foi ver o Parlamento retirar as imunidades, pela primeira vez, a um deputado, no caso Manuel Rabelais, antigo director do extinto Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), acusado de cometimento de crime de peculato e recebimento indevido de vantagens. O julgamento iniciou-se no passado dia 9 de Dezembro.

Activos passados para esfera do Estado

Sobre a recuperação de activos, a PGR registou, em Outubro, a entrega de vários bens, incluindo edifícios e empresas detidos pelos generais Hélder Vieira Dias "Kopelipa" e Leopoldino Fragoso do Nascimento "Dino": as fábricas de cerveja (CIF Lowenda Cervejas), de logística (CIF Logística), de cimento (CIF Cement) e de montagem de automóveis (CIF SGS Automóveis).

Foi também entregue a totalidade das acções que esses generais detinham na empresa BIOCOM - Companhia de Bioergia de Angola (que tem participações da Sonangol e Odebrecht), através da Cochan, rede de supermercados Kero, da cedência de 90% das participações sociais do grupo Zahara Comércio, S.A., e da empresa Damer Gráficas - Sociedade Industrial de Artes Gráficas.

Os representantes da empresa CIF fizeram também a transferência de titularidade para a esfera patrimonial dos bens que já tinham sido apreendidos nos dias 11 e 17 de Fevereiro, designadamente: 24 edifícios residenciais e outros equipamentos da Centralidade do Zango 0, denominada "Vida Pacífica", da Centralidade do Kilamba, com 271 edifícios e 837 vivendas em diferentes níveis de construção, e os edifícios CIF Luanda One e CIF Luanda Tw.

Constam ainda desta lista fábricas de cerveja e cimento, uma rede de supermercados e edifícios de habitação que "passam a integrar, de forma definitiva, a esfera patrimonial do Estado".

Um despacho do Presidente da República determinou a nacionalização de 60% das participações sociais da sociedade comercial Miramar Empreendimentos, SA e a transferência da titularidade das acções para a Sonangol, E.P., por considerar que a unidade hoteleira detida pela sociedade - o Intercontinental Luanda Miramar Hotel - "foi financiada com recursos integralmente públicos, através da Sonangol".

Eram accionistas da Miramar Empreendimentos, S.A a Sonangol, E.P., com 40%, a Suninvest Investimentos, Participações e Empreendimentos, S.A. (43%), e a Sommis SGPS Limitada (17%), apesar de as duas últimas empresas não terem contribuído financeiramente para a edificação da referida unidade hoteleira.

Monopólio da comunicação: Classe jornalística «torce o nariz»

O arresto de dois gigantes órgãos de comunicação social privados, nomeadamente o grupo Media Nova, então detido pelo general Leopoldino do Nascimento "Dino", e a Interactive Empreendimentos Multimédia Lda, detida pelo ex-deputado Manuel Rabelais, marcaram, igualmente, os acontecimentos do ano 2020.

Criados com dinheiro público, os activos foram entregues ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MTTICS), que, por sua vez, passou para a alçada da RNA (fiel depositário da Rádio Mais e da Global FM), da TPA (fiel depositário da TV Zimbo e Palanca TV) e das Edições Novembro (Jornal O País). Apesar de o Executivo assegurar que manteria a linha editorial, no seio da classe jornalística prevalece a ideia de a "captura" ter como mote a censura de conteúdos em época pré-eleitoral.

Decretos presidenciais - Emergência e Calamidade impõem «novo normal»

Seis dias depois do dia 21 de Março, data em que foi tornado público o primeiro caso de Covid-19 no País, o Presidente da República decretou, pela primeira vez, Estado de Emergência, impondo aos angolanos o consentimento de enormes sacrifícios, bem como estar sujeitos a restrições nas suas vidas, efeitos que atingiram empresas, indústrias e comércio.

Passados 45 dias do anúncio, e com 43 casos positivos em Angola, número que, segundo João Lourenço, parecia reflectir sobre "uma tendência de contenção da progressão da pandemia", a doença continuava a preocupar.

Em contrapartida, o Estado de Emergência passou, posteriormente, para a Situação de Calamidade Pública, tendo sido registados, neste período, vários incidentes envolvendo as forças de segurança e os cidadãos.

Um dos casos, por exemplo, foi a morte do médico Sílvio Dala, pelo não-uso da máscara no interior da sua viatura.

O facto gerou protesto generalizado na classe médica e na sociedade civil, em geral. Outra polémica que marcou o ano foram, sem dúvidas, as manifestações que ocorreram, cuja legitimidade em situação de pandemia dividiu políticos, juristas e autoridades governamentais. Destes protestos, resultaram detenções de jovens, condenação e uma

morte: o jovem universitário Inocêncio de Matos, no dia 11 de Novembro.

Em suma, os angolanos, pouco a pouco, adaptaram-se ao "novo normal", e os números da Covid-19, se comparados com outras latitudes do continente, continuam a ser inferiores.