O senhor foi militante da FNLA, é professor catedrático, bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola e também dirigente do Sindicato dos Professores do Ensino Superior. Ao entrevistá-lo, por que área se deve iniciar a conversa?
Gosto sempre de fazer saber como vim parar neste mundo e depois falar da fase em que tinha 15 anos, quando começou a Luta de Libertação Nacional, em 1961. Num diálogo comigo, tem de se mencionar necessariamente a minha condição de antigo combatente e passar por outros temas que me apaixonam, como o problema do ensino - do primário ao superior - e do País, de forma geral, porque eu sou um grande defensor de que a cidadania deve ser colocada acima de tudo, se queremos consolidar a Nação angolana que está em construção.
Já agora, como é que se adaptou ao «novo normal» imposto pela Covid-19?
Em primeiro lugar, devo dizer que, quando surgiu esta doença, o Presidente da República criou uma comissão multissectorial e nós, Ordem dos Psicólogos de Angola, ao notarmos que não tínhamos sido convidados a integrar aquele órgão, escrevemos para o coordenador da comissão [general Pedro Sebastião], explicando que estávamos diante de um problema que tem impacto mental e psicológico. Foi assim que a Ordem passou a integrar a comissão e traçou uma estratégia que consistia, em primeiro lugar, em conhecer a divisão administrativa do País e ficou decidido que deveríamos realizar seminários para as equipas que iriam lutar contra a Covid-19. Também ficou claro que a arma mais poderosa para a prevenção era e é a informação. E, então, foi dada aos psicólogos a tarefa de preparar que tipo de informação se deveria passar, como ela deveria ser estruturada, qual deveria ser a fonte e como é que a referida informação deveria ser transmitida, para que fosse compreendida pelas populações.
Como é que se articulou este trabalho?
Foram constituídas equipas e ficou decidido que, a nível de Luanda, cada grupo de trabalho responsável por cada um dos 39 distritos deveria integrar dois psicólogos, além de outros especialistas. Foi assim que, na qualidade de bastonário, cheguei a mobilizar mais de 250 psicólogos para poderem actuar em Luanda e também orientei como nas outras províncias se devia trabalhar com as comissões locais.
E como correram as coisas?
Tudo foi bem preparado. Em Luanda, por exemplo, chegámos a utilizar uma técnica que, em português, é denominada «Tempestade do cérebro», para sabermos quais eram as crenças, as informações ou conhecimento que as populações tinham sobre a Covid-19. Depois de prepararmos toda a estratégia, ficámos à espera da logística, ou seja, dos materiais que viriam da China, para começarmos a actuar. No entanto, quando o material começou a chegar, aí começaram os problemas.
O que houve?
Não conseguiram reunir a logística. Precisávamos [a equipa mobilizada pela Ordem dos Psicólogos] de transportes, de megafones e de alguma coisa para o lanche, porque tinha ficado decidido que deveríamos mobilizar psicólogos para acompanhar quem estava a cumprir quarentena domiciliar e/ou institucional, assim como os seus familiares. Tudo foi bem preparado, mas a falha, como acabei de dizer, surgiu quando começaram a chegar os dinheiros, a logística.
Em que período ocorreu esta exclusão de que se queixa?
Se não me engano, foi lá para Setembro ou Outubro [de 2020]. Foi isso que desmobilizou muitos psicólogos que tinham sido mobilizados para integrar as equipas. Em todo o caso, neste momento, a Ordem tem psicólogos [a trabalhar na luta contra Covid-19] em todos os 39 distritos de Luanda, auxiliando o Ministério da Saúde.
No quadro da Psicologia, durante o confinamento, quais foram os principais registos?
Houve muitos conflitos nos lares que deram lugar à frustração e agressividade porque, enquanto no tempo normal, os cônjuges passavam grande parte do dia nos respectivos locais de trabalho, no confinamento, tinham de estar sempre juntos e aí ocorriam atritos. Também para os filhos era quase uma frustração, porque os jovens gostam de actividades.
E como se «muniram» os vossos técnicos para fazer face a estes casos?
A melhor arma para se combater a pandemia é a informação. E ela, ao ser transmitida, deve ser elaborada por elementos especializados, que normalmente são os psicólogos. Pois, quando se está a elaborar uma informação, tem de se saber que conteúdo ela deve ter para não provocar distorções, que nível de dificuldades ela dever ter, para que seja compreendida até por quem é analfabeto.
Já que fala em informação, que análise faz à actuação da imprensa no quadro da pandemia?
Não todos, mas a maioria dos órgãos de comunicação serviram apenas como caixa de ressonância. Quer dizer, recebiam apenas a informação dos membros do Governo e transmitiam-na, sem fazer o feedback de juntos da populações, para saberem como é que as informações sobre a Covid-19 estava a ser digerida e que reacção as informações difundidas estavam a provocar. Por isso, o País precisa de jornalistas investigadores, que saibam ir ao terreno aferir por que razão, por exemplo, as ordens dadas pelo Governo não estavam a ser cumpridas.
Sendo professor, se tivesse de dar uma nota à actuação da imprensa, de 0 a 10, quanto é que daria?
Primeiro, devo dizer-lhe que, em Angola, a escala de valores vai de 0 a 20 (risos). Portanto, de 0 a 20, daria, com toda a ponderação, a nota 12.
É uma nota positiva....
Sim, é positiva, na medida em que transmitiam diariamente as informações, apesar da falha que já citei: não investigavam no terreno porque é que houve desobediência às regras de prevenção à Covid-19.
Que transgressões registou a Ordem dos Psicólogos?
Recebemos informação sobre o não-cumprimento das medidas de prevenção até em instituições religiosas: pastor e fiéis que não usam máscaras.
Que tratamento a Ordem dava a estas informações?
Encaminhávamo-las logo ao Doutor Franco Mufinda que, por sua vez, as encaminhava para o Gabinete Provincial da Saúde, mas, infelizmente, não houve actuação. Verificámos que há igrejas cujos pastores são intocáveis. Há muitas confissões religiosas - na sua maioria seitas - que convidavam os seus membros para irem receber bênçãos e diziam-lhes que, pagando 20 ou 30 mil kwanzas, não seriam atingidos pela Covid-19.
Está sempre a «bater» nas igrejas...
Sou muito crítico porque, em primeiro lugar, costumo orientar muitas dissertações, monografias e até algumas teses feitas no seio das igrejas. E, neste sentido, verifico que Angola é muito favorável a práticas negativas. Ou seja, o grande erro que se cometeu em Angola é chamar toda a confissão religiosa de igreja. Hoje, temos mágicos que são pastores, feiticeiros que são pastores, ocultistas que são pastores... enfim, ignorantes que não tiveram nenhuma formação, mas que, de um dia para o outro, acordam dizendo que se encontraram com Deus e, como tal, já são profetas.
A seu ver, que requisitos devia reunir um indivíduo para ser pastor?
A Lei 12/19, que é a chamada Lei sobre a Liberdade Religiosa e de Culto, definiu muito bem os requisitos. Primeiramente, tem de se analisar a doutrina, para sabermos que tipo de ensinamentos se costuma aplicar na dita igreja. Em segundo lugar, os ministros de culto - os pastores, os ditos profetas - deveriam ter uma formação teológica.
Nem todo o teólogo é bispo. Há que ter em conta a vocação ou o dom...
Sim, é verdade, mas a formação é imprescindível para não se deturpar a Bíblia. Há em Angola confissões religiosas que são fundamentalistas e que fazem tudo com base num ou dois versículos, esquecendo-se de que a Bíblia não é uma árvore, mas, sim, uma floresta. Por isso, muitas confissões religiosas não passam de empresas de fé, porque o que lá predomina é o dinheiro e chegam a arrecadar mais valores do que o Estado em impostos.
(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, que disponibilizamos gratuitamente devido ao feriado do 04 de Fevereiro, Dia do Início da Luta de Libertação Nacional. Siga o link https://leitor.novavaga.co.ao)