Em causa estão as declarações do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que garantiu ter deixado mais de 15 mil milhões de dólares como reservas internacionais liquidas nos cofres do Banco Nacional de Angola, contrariando assim a afirmação do actual Presidente da República (PR), João Lourenço, que afirmou, numa entrevista ao jornal português Expresso, que tinha encontrado os cofres do Estado vazios quando tomou posse.

"Vou começar por dizer que não deixei os cofres do Estado vazios, quando na segunda quinzena do mês de Setembro de 2017 fiz a entrega das minhas funções ao novo Presidente da república. Nessa altura, nas contas do Banco Nacional de Angola, estavam mais de 15 mil milhões de dólares como reservas internacionais liquidas. O gestor dessas contas era o senhor governador do BNA (Walter Filipe) ", disse José Eduardo dos Santos, numa breve declaração aos jornalistas, no passado dia 21.

As declarações do ex-Presidente dos Santos provocaram grande celeuma e muitas perguntas foram levantadas, mesmo durante a visita oficial do actual Chefe de Estado a Portugal, entre os dias 22 e 24. No entanto, João Lourenço, ao ser questionado pelos jornalistas angolanos que acompanhavam a comitiva presidencial, remeteu uma resposta para quando regressasse ao país.

Os deputados à Assembleia Nacional também questionaram, na terça-feira, durante as sessões de discussão na especialidade do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2019, a secretária de Estado do Orçamento, Aia Eza da Silva, que representou o ministro das Finanças, Archer Mangueira, sobre as declarações do ex-presidente da República, mas Aia Eza da Silva não entrou em detalhes e convidou os deputados a fazer consultas junto da instituição competente.

Ontem, o deputado da CASA-CE aproveitou a presença do ministro das Finanças, Archer Mangueira, para pedir esclarecimentos sobre a situação.

"Senhor ministro das Finanças, como angolano, e porque vem do Governo anterior, diga com honestidade, sinceridade, a esta casa, encontraram quanto na conta do tesouro, encontraram quanto em relação às reservas internacionais líquidas, isso tem que ficar claro", solicitou Lindo Bernardo Tito.

No período de respostas, Manuel Nunes Júnior remeteu para a próxima quinta-feira uma resposta.

"Hoje o objecto é tratar dos órgãos locais e aqui estamos a tratar de assuntos do desenvolvimento local e por isso todos aqueles assuntos que não se incluírem neste escopo, nós iremos tratá-los numa outra ocasião", disse o governante, sublinhando que se referia concretamente à pergunta colocada por Bernardo Tito.

"Nós registámos este pedido de informação, vamos prestar esta informação, mas não agora, tendo em conta que o objecto desta sessão não envolve este tipo de assuntos e vamos tratá-lo, julgamos, na altura própria, que será na próxima semana, na próxima quinta-feira, quando tratarmos de aspectos globais do Orçamento Geral do Estado para 2019".

Manuel Nunes Júnior disse que além desta informação, na sessão de quinta-feira, reservada ao encontro com os membros da equipa económica, o executivo vai abordar igualmente aspectos ligados ao preço do petróleo de referência para o orçamento, o peso e a sustentabilidade da dívida pública, bem como acções específicas para assegurar o desenvolvimento inclusivo do país.

Na edição da passada sexta-feira, o semanário económico Expansão publicou um "fact check" sobre as declarações do ex-Presidente José Eduardo dos Santos na curta declaração que proferiu na quarta-feira, dia 21, na sede da sua Fundação, em Luanda, em resposta à entrevista do seu sucessor, João Lourenço, a um semanário português.

"(...) Não deixei os cofres do Estado vazios quando, na segunda quinzena do mês de Setembro de 2017, fiz a entrega das minhas funções ao novo Presidente da República. Nessa altura, o Estado tinha mais de 15 mil milhões USD nas contas do Banco Nacional de Angola como reservas internacionais líquidas. O gestor dessas contas era o senhor governador do BNA sob orientação do Governo."

De acordo com o semanário, "estamos em presença de uma meia verdade. Se por um lado é verdade que quando José Eduardo dos Santos saiu "deixou" mais de 15 mil milhões USD em reservas internacionais líquidas - no final de Setembro as RIL ascendiam a 15.157 milhões USD - não é menos certo que esse dinheiro não faz parte dos cofres do Estado, porque não podia nem pode ser utilizado por João Lourenço para financiar despesas públicas".

O Expansão explica que "as reservas internacionais são constituídas por activos em moeda estrangeira convertível e ouro monetário cuja gestão é controlada pelo Banco Nacional de Angola (BNA). Adquiridos com recursos em moeda estrangeira à guarda do BNA, nomeadamente depósitos do Tesouro Nacional e dos bancos comerciais em moeda estrangeira, esses activos destinam-se a cobrir défices nas contas externas, suportar intervenções do BNA em defesa do kwanza e servir de referência para empréstimos externos. As reservas internacionais líquidas são a parte das reservas internacionais imediatamente utilizáveis para prevenir impactos de situações adversas sobre a balança de pagamentos e contribuir para a estabilidade da moeda nacional, precisa o quadro conceptual da reservas internacionais aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 253/11 de 26 de Setembro de 2011".

Ou seja, embora José Eduardo dos Santos tenha deixado 15.157 milhões USD em reservas internacionais líquidas isso não permite, segundo o Expansão, "concluir sobre se João Lourenço encontrou os cofres cheiros ou vazios. As reservas internacionais não servem para financiar despesas do Estado. Por isso, não fazem parte cofres do Estado, no sentido de que são recursos que não podem ser utilizados no âmbito da política orçamental".

"Os únicos recursos junto do BNA que podem ser utilizados pelo Governo são os depositados na conta única do tesouro. Não se sabe quanto é que JES deixou na conta única de tesouro, mas, de acordo com um memorando do Ministério das Finanças a que o Expansão teve acesso, em Março de 2018 o saldo dessa conta quedava-se pelos 118,9 milhões USD para necessidades imediatas de 826 milhões USD", escreve ainda o Expansão.