Em entrevista à rádio portuguesa TSF, Ana Gomes lamentou que o processo judicial instaurado em Portugal contra o ex-vice-Presidente da República de Angola, Manuel Vicente, tenha sido transferido para Luanda, decisão que atribui a pressões do poder político.

"O poder judicial moldou-se ao que convinha à política", considerou a eurodeputada, lembrando que o antigo número dois do Estado angolano também tem nacionalidade portuguesa, aspecto que no seu entender deveria ter pesado a favor da não transferência do caso.

Segundo Ana Gomes, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa foi "fabricada" com a intenção de eliminar o "irritante" nas relações luso-angolanas - conforme descreveu no ano passado o ministro dos Negócios Estrangeiros português -, meta que considera ilusória.

"Há gente da sociedade civil angolana que está a fazer o seu trabalho", apontou a socialista, confiante na divulgação de novos casos de corrupção em Angola, com ramificações fora do país.

"Portugal continua a ser uma lavandaria de Angola, num esquema de branqueamento de capitais", sublinhou a socialista, na entrevista à TSF.

Para Ana Gomes, é "desastroso para Portugal que se preste a ser instrumento de interesses corruptos" que representam "uma roubalheira organizada ao povo angolano".

As declarações da eurodeputada foram entretanto rebatidas pelo chefe da Diplomacia lusa, Augusto Santos Silva.

"No que me diz respeito, se a alegação de que houve pressão política quisesse dizer pressão das autoridades políticas portuguesas, eu desminto em absoluto", disse hoje o ministro aos jornalistas, à margem da abertura da conferência Europe as a Global Actor", no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.

O aviso de João Lourenço

Recorde-se que, em Janeiro, durante uma conferência de imprensa, o Presidente da República, João Lourenço deixou um recado directo a Portugal, afirmando que as tensas relações entre Angola e Portugal estavam condicionadas pelo processo judicial contra Manuel Vicente.

Na ocasião, o Chefe de Estado lembrou que existe um acordo judiciário no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que permite a transferência de processos de uma jurisdição para outra, dentro da comunidade.

"Portugal não aceitou que assim fosse feito, alegando que não confiava na Justiça angolana. Vamos aguardar, temos a paciência suficiente para aguardar", afirmou, acrescentando de forma clara que as relações entre os dois países iriam "depender muito do desfecho deste caso".