Foi na abertura da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da denominada "dupla troika", que reúne hoje em Luanda os lideres da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e do Órgão para a Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS) da organização austral, que o Presidente angolano deixou palavras elogiosas para estes dois países, iniciando a sua análise pela situação actual na RDC.

Este encontro de Luanda está focado essencialmente nas duas questões que mais inquietam a SADC e o seu OCPDS, a situação na RDC e no Lesoto, bem como a consolidação dos processos democráticos no conjunto da SADC.

Sobre a RDC, o Chefe de Estado angolano, que lidera a OCPDS, sublinhou o esforço do Presidente Kabila na harmonização da situação ao aproximar a oposição e o Governo, atendendo aos interesses da sociedade civil, com o registo eleitoral em curso para a realização das eleições de Dezembro próximo, que vão ficar marcadas pela saída do poder do actual Presidente, no cargo desde 2001.

Mas não só a saída de Kabila marca este processo eleitoral na RDC, também os quase dois anos de episódios de extrema violência serão sublinhados pela história, tendo morrido centenas de pessoas nos confrontos entre manifestantes da oposição, que exigiam eleições, e as forças de segurança, incluindo protestos organizados pela igreja católica para obrigar Kabila a deixar o poder.

Apesar da acalmia dos últimos meses, a situação, embora tenda a estabilizar, conta ainda com o descontentamento da oposição, porque Kabila está há dois anos no poder para lá do fim do seu segundo e último mandato permitido, em Dezembro de 2016, pela Constituição.

Mas João Lourenço vê "motivos para acreditar" que a situação no país vizinho, com quem Angola partilha uma extensa fronteira de quase 2 000 kms, "caminha para um desfecho satisfatório", sublinhando a marcação das eleições para 23 de Dezembro deste ano.

"São sinais que podem contribuir significativamente para o necessário e urgente desanuviamento das tensões internas" em Kinshasa, notou Lourenço, acrescentando que "o reforço da confiança mútua entre o Governo, a oposição e a sociedade civil" são sinais encorajadores, embora tenha mantido o apelo aos protagonistas da política na RDC para provarem que são sábios na gestão das naturais tensões, e patriotas "na máxima contenção nos momentos mais críticos", olhando sempre em primeiro lugar para os interesses do país, ao qual o que mais serve é a convergência no sentido da "paz, da segurança, da estabilidade e da reconciliação nacional".

Mas há uma frente que preocupa João Lourenço, o Leste da RDC, especialmente as províncias do Kivu, Norte e Sul, onde vários grupos de guerrilha, internas, com destaque para a Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo (AFDL), e externas, algumas com origem nos vizinhos Uganda e Ruanda, continuam uma intensa actividade criminosa, matando centenas de pessoas , incluindo mulheres e crianças

RDC, o gigante das crises permanentes

Em Kinshasa, desde a independência do Congo, em 1961, só no período da ditadura feroz de Mobutu Sese Seko, entre 1965 e 1997, se viveram alguns anos de condicionada estabilidade política.

Deste a queda do tirano Sese Seko que a RDC não conhece a estabilidade políticas, apesar dos dois mandatos cumpridos, desde 2001, por Joseph Kabila, o actual Presidente que ocupa o cargo interinamente devido... à instabilidade.

Kabila terminou o seu segundo e último mandato permitido pela Constituição em Dezembro de 2016, mas, através de vários expedientes conseguiu manter-se no poder até às eleições previstas, mas não garantidas ainda, de 23 de Dezembro próximo.

Desde Janeiro de 2015 que, primeiro pela tentativa de alterar a Constituição para se poder recandidatar, e depois, especialmente entre Setembro e Dezembro de 2016, pelo adiamento do processo eleitoral, centenas de pessoas morreram nas ruas das principais cidades congolesas em confrontos entre as forças de segurança e manifestantes da oposição que exigiam eleições e a saída do Presidente.

Com a forte pressão internacional, desde os EUA à ONU, passando pelas exigências internas, os últimos dois anos, foram igualmente violentos, envolvendo mesmo a igreja católica, sempre pela exigência de eleições e a saída de Kabila do poder.

E é esta situação na RDC, sem esquecer o constante constrangimento provocado pelas guerrilhas internas e externas, que os Chefes de Estado e de Governo da SADC vão ter para analisar no encontro de amanhã, terça-feira, em Luanda.

E a tornar a situação quase insustentável está a contínua pilhagem das riquezas do país, que despertam séria cobiça dos vizinhos e de grupos poderosos internacionais.

Lesoto, o pequeno país das grandes confusões

Quanto ao Lesoto, o pequeno reino encravado no interior nordeste da África do Sul, o Presidente angolano mostrou-se confiante no sucesso da intervenção das forças militares da SADC, lideradas por Angola, para estabilizar e ajudar a consolidar as instituições depois das convulsões politico-militares despoletadas Setembro do passado com o assassinato do comandante do Exército, general Khoantle Motsomotso, por oficiais rivais.

"Temos que referir que apreciamos positivamente os esforços que as forças vivas da Nação vêm empreendendo para debelar a situação crítica", disse João Lourenço no seu discurso, sublinhando o caminho seguro que o pequeno país está a fazer "em benefício da estabilização política completa".

Desde o surgimento da crise, como o Novo Jornal Online tem acompanhado, a SADC e o OCPDS têm feito um esforço adicional para debelar este problema e concentrar as melhores energias para a adivinhável instabilidade do processo eleitoral na RDC.

A terrível herança da instabilidade permanente

Este pequeno reino, encravado entre montanhas no nordeste da África do Sul, vive desde Setembro do ano passado mais uma grave crise político-militar depois do assassinato do seu comandante militar, general Khoantle Matsomotso, por oficiais rivais, numa disputa pelo poder, que por lá, é tradição ser definido através da força pelas chefias militares.

Actualmente, Angola mantém cerca de duas centenas de elementos, militares e de segurança, no contingente da SADC no Lesoto, que inicialmente deveria chegar aos mil elementos, incluindo especialistas civis na resolução de conflitos, sendo, por isso, uma peça-chave para conduzir este processo a bom porto.

Num recente encontro em Luanda com o Presidente João Lourenço, o primeiro-ministro do Lesoto, Thomas Thabane, defendeu que "só a paz é a solução, a guerra e as matanças só deram e vão continuar a dar má fama ao continente africano".

Antes de deixar Angola, garantiu o empenho do seu Governo numa transição sólida, com a realização de eleições democráticas e com a consolidação das suas instituições, especialmente a militar, que tem sido o foco principal da instabilidade naquele país durante as últimas décadas.

Mas só a forte presença do contingente regional é possível impor essa solução, estando as FAA a liderar essa influência no terreno.

O Lesoto, independente do Reino Unido desde 1966, vive há décadas, praticamente desde que se libertou do comando de Londres, em crises sucessivas, quase todas de origem militar, numa perpétua luta pelo poder que, apesar de ser um reino e ter um governo formal, é literalmente comandado pelas chefias militares, condição que a SADC procura agora, de forma definitiva, transformar, retirando poder aos militares.

Para se perceber a grande complexidade deste pequeno país, basta ter em conta que, desde 1986 com maior amplitude, mas não menos instabilidade antes, Maseru assitiu a múltiplas crises, desde logo com o golpe do general Justin Lekhanya, em 1986, que assume o poder, destitui o rei Moshoeshoe II e coloca no trono o seu filho, Letsie.

Mas o velho rei volta ao poder em 1991 devido a novo golpe militar e o seu filho regressa ao trono com a morte do pai, em 1996, desta feita com o título de Letsie III.

Em 1998 realizam-se eleições e o Congresso para a Democracia de Lesoto (LCD) ganha e Bethuel Pakalitha Mosisili assume o cargo de primeiro-ministro, apesar da forte contestação da oposição que alega uma evidente fraude.

A crise assume proporções gigantescas e a África do Sul e o Botsuana enviam tropas para o país, a pedido do primeiro-ministro, conseguindo controlar a situação mas a custo de mais de uma centena de mortos.

E este é o contexto geral do Lesoto, acrescido da morte do comandante das forças militares em Setembro de 2017, que a SADC e o seu OCPDS querem acabar de uma vez por todas, estando Angola e a África do Sul, que lideram estas duas organizações, a gerir a situação e os planos em curso para isso, incluindo a presença militar no reino.