A posição foi transmitida à Lusa pelo presidente do grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto da Costa Júnior, revelando que a proposta sobre o Regime Extraordinário de Regularização Patrimonial (RERP) deu entrada oficialmente, na Assembleia Nacional, no início do mês de Dezembro.

"O único grupo parlamentar que teve uma iniciativa do género foi a UNITA e está mesmo lançado o desafio. O problema desta questão é que o partido maioritário tomou conhecimento desta iniciativa e está a correr atrás do prejuízo. Aquilo que se sabe é que estão a querer fazer uma proposta, pois a nossa já entrou há muito tempo", anunciou o deputado e líder parlamentar do maior partido da oposição angolana.

As receitas provenientes do RERT, a vigorar até 30 de Novembro de 2018, devem servir para financiar o Fundo de Erradicação da Pobreza, lê-se na proposta da UNITA a que a Lusa teve acesso.

Adalberto da Costa Júnior garante que a proposta tem condições para ir a discussão e votação no parlamento, onde o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) tem a maioria dos deputados, já na próxima reunião plenária, em Janeiro.

De acordo com a UNITA, o projecto de lei do RERP, que envolve a regularização de depósitos e património não declarado, foi entregue ao presidente do parlamento quase duas semanas antes de João Lourenço, chefe de Estado e vice-presidente do MPLA, ter anunciado que estava em preparação regulamentação para permitir o repatriamento de depósitos no exterior sem perguntas ou investigações.

"A nossa proposta, que deu entrada com carácter de urgência, tem moralidade e ética, não se dirige apenas ao desvio de dinheiro e também de património. Foi desenvolvida com contribuições de especialistas e com base nos modelos aplicados noutros países. No modelo anunciado pelo Presidente, quem roubou agora traz e fica com tudo. Não pode ser assim", afirma o deputado.

O que quer fazer o Executivo?

O Novo Jornal Online noticiou há dias que a Lei de Repatriamento de Capitais que o Presidente da República mandou elaborar, para permitir aos detentores de fortunas no estrangeiro fazerem regressar esse dinheiro e bens a Angola, vai garantir sigilo e perdão fiscal, desde que cumprido o limite temporal de seis meses após a sua promulgação.

O conteúdo legal deste "regime extraordinário" de repatriamento de capitais, preparado pelo Banco Nacional de Angola (BNA) por indicação do Presidente João Lourenço, e que deverá ser por este promulgado após votação na Assembleia Nacional, foi revelado pelo semanário "Expansão", na sua edição de sexta-feira sublinhando a notícia em título que os "depósitos superiores a 100 mil USD no estrangeiro têm seis meses para voltar".

Esse regresso do dinheiro ilegalmente colocado no estrangeiro, se voltar a Angola no quadro desta lei criada para o efeito, não terá a sua proveniência questionada e tem garantida uma amnistia fiscal aos detentores destas fortunas como forma de lhes facilitar temporariamente a vida.

O prazo para que essas verbas possam voltar a Angola com aproveitamento total desta amnistia fiscal é de seis meses, mas, como adianta ainda o "Expansão", este período poderá ser alargado deste de devidamente justificado o atraso.

No entanto, uma das mais polémicos conteúdos desta lei é que os abrangidos não o vão ver feitas quaisquer perguntas à forma como reuniram essas mesas fortunas nem a sua origem, seja ela legal ou ilegal.

A tarefa estará mesmo facilitada assim que o PR assinar a lei promulgando-a, porque aos interessados bastará dirigirem-se a umas instituição bancária domiciliada em território nacional ou a uma das suas sucursais no estrangeiro e abrir uma conta em seu nome através da qual serão canalizados os montantes para Angola.

Após essa tramitação, os donos do dinheiro possuem seis meses para emitir ao BNA ao aos bancos comerciais intervenientes onde atesta a regularização tributária em modelo a criar pelo Ministério das Finanças.

O perdão fiscal compreende as dívidas efectuadas nos exercícios económicos entre 2012 e 2017. Verbas levadas para fora do país antes de 2012 não são abrangidas, embora não esteja claro se a "mão da lei" vai a elas dirigir-se, porque o prazo para liquidação de impostos é de apenas cinco anos.

Para além de dinheiro vivo, a lei abrange ainda valores mobiliários, certificados de depósito, e, entre outros instrumentos financeiros, apólices de seguro do ramo "Vida".

De quanto estamos a falar globalmente?

Não existe um número concreto ou aproximado oficial sobre os valor que pode ser recuperado pelo Estado co esta medida, mas especialistas do gabinete de estudos económicos do Standard Bank acreditam que Angola pode recuperar "vários milhares de milhões de dólares" com a moratória sobre o repatriamento de capitais.

Recorde-se que a ideia para uma moratória que permita o repatriamento de capitais com perdão fiscal e sem molestamento judicial foi inicialmente lançada por João Lourenço, ainda durante a campanha presidencial, no Lobito, em Agosto de 2017, tendo anunciado que as grandes fortunas angolanas no estrangeiro iriam ter uma oportunidade para limpar o registo e ajudar ao desenvolvimento do país.

Na ocasião, afirmou ainda que esses detentores de fortunas, quer sejam pessoas com ligações ao MPLA e ao Governo, ou a outros partidos, incluindo fortunas conseguidas com a venda de diamantes de sangue, numa referência à UNITA, podem agora, sem pressões fiscais e legais, ajudar o país, fazendo os seus investimentos e ganhando o seu dinheiro como o fazem no estrangeiro.

Esta facilidade não é uma originalidade angolana. Vários países já optaram por criar mecanismos legais para repatriamento voluntário de capitais com múltiplos benefícios fiscais, parcial ou na totalidade, sendo disso exemplo mais recente o que sucedeu no Zimbabué.

O novo Presidente Emmerson Mnagagwwa, após ter tomado posse, substituindo Robert Mugabe, afastado através de um golpe militar, deu três meses de moratória a quem deslocou dinheiro de forma ilegal para o estrangeiro para o fazer regressar.

Findo este prazo ficou a garantia de que o "longo braço da lei" vai entrar porta adentro dos que recusarem fazê-lo, passando a estar obrigados a provar tostão a tostão a origem do dinheiro e dos bens.

Recorde-se que existem mecanismos e convenções internacionais que permitem aos Estados confiscar dinheiro e bens provadamente conseguidos através de actividades criminosas como a corrupção.