Face a estas declarações enviadas por carta ao Tribunal Supremo, que podem alterar de forma radical o decurso deste julgamento, o Ministério Público (MP) avançou com a possibilidade de a carta assinada por José Eduardo dos Santos ser falsa e os juízes decidiram interromper a sessão de hoje para analisar o documento face às dúvidas levantadas pelo MP.

Na carta lida hoje em sessão no TS, José Eduardo dos Santos confirma em toda a linha as declarações iniciais de Valter Filipe, incluindo a decisão de manter a operação secreta.

"Confirmo sim, ter autorizado o governador valter Filipe a tratar das formalizações desse fundo de investimento. E também pedi que o mesmo fosse utra-secreto porque só depois é que séria formalizado publicamente", aponta a carta de José Eduardo dos Santos hoje lida em tribunal.

"Também pedi ao governador Valter Filipe para entregar todo o processo ao actual Presidente da República e ao novo Executivo", acrescenta a missiva onde JES garante que tudo foi feito em benefício do país, do interesse público.

Ainda segundo a carta lida esta manhã no tribunal, o ex-Chefe do Estado disse que nada foi feito de forma oculta ou às escondidas como agora se pretende fazer crer, acrescentando que estavam em preparação os Decretos Presidenciais para a autorização e formalização desse processo.

Recorde-se que o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, nas suas declarações iniciais em tribunal, defendeu que a operação da transferência dos 500 milhões de dólares para uma conta do Credit Suisse de Londres, com o objectivo de financiar um plano de financiamento internacional de 30 mil milhões em infra-estruturas em Angola, tinha sido legal.

Essa legalidade resultava, segundo Valter Filipe da sua competência para a sue efectivação bem como contava com a autorização superior do Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Valter Filipe afirmou, em Dezembro, ter recebido orientações do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, para transferir os 500 milhões USD do BNA para o Crédit Suisse de Londres (Reino Unido).

"Antes de sair do BNA informei o actual governador sobre a operação e deixei claro que estava disponível para esclarecer qualquer dúvida sobre o andamento do processo", disse o antigo gestor do banco central.

Valter Filipe disse ainda que todo este processo "foi conduzido" pelo antigo Presidente, que o Banco Nacional apenas coordenou a equipa de negociações e "não camuflou nada sobre a transferência, como diz acusação".

O antigo governador do BNA afirmou, em tribunal, durante o seu interrogatório, que o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, lhe ordenou que passasse toda a informação sobre o processo da transferência dos 500 milhões USD e sobre a criação do fundo de investimento em Londres ao seu sucessor, para que João Lourenço e o seu Governo continuassem com a operação.

Valter Filipe reafirmou que tinha competência para ordenar a transferência dos 500 milhões de dólares e que toda a operação fora "ultra secreta" mas lícita.

Recorde-se que o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, e o antigo presidente do Fundo Soberano, José Filomeno dos Santos, estão acusados de branqueamento de capitais e peculato, no âmbito do conhecido caso dos 500 milhões USD transferidos ilegalmente do BNA para o estrangeiro.

A José Filomeno dos Santos e a Valter Filipe juntam-se ainda, na condição de arguidos, Jorge Gaudens e António Samalia Bule.

A carta que já ninguém esperava

Esta aparição de uma carta emitida por José Eduardo dos Santos em tribunal surge depois de o próprio Tribunal Supremo, no passado dia 12, ter anunciado que tinham sido esgotados todos os esforços no sentido de "ouvir" o Ex-Presidente da República na qualidade de declarante.

Este julgamento ficou conhecido como "caso 500 milhões de dólares" transferidos ilegalmente do Banco Nacional de Angola para o banco Crédit Suisse de Londres, Inglaterra, em 2017, e em que o filho de JES, José Filomeno dos Santos, é um dos réus.

O juiz João Pitra, informou, nesse dia, em resposta aos requerimentos solicitados pelos defensores dos réus, durante as sessões de discussão e julgamento, que o tribunal enviou o questionário com as perguntas pretendidas ao ex-Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, mas que o mesmo, até ao momento, não respondera nem mostrara interesse de prestar quaisquer declarações.

"Relativamente às declarações que a defesa do réu Valter Filipe solicitou a este tribunal em querer ouvir o então Presidente da República, já este tribunal diligenciou, no sentido de obtê-las, conforme o solicitado pelo réu Valter Filipe. Apesar destas diligências, não tivemos nenhuma resposta e nem sequer a manifestação da vontade de prestar declarações", disse o juiz, que afirmou que esse é um direito que assiste ao ex-PR.

De acordo com o juiz João Pitra, para não cortar o direito da defesa, pois a condição de declarante não é um dever cívico como acontece com as testemunhas, devia a defesa diligenciar no sentido de obter as respostas requeridas ao ex-PR.

No primeiro dia do julgamento, a 9 de Dezembro, o advogado Sérgio Raimundo, que defende o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, pediu ao TS que fosse ouvido o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, porque era seu entendimento que isso era fundamental para a descoberta da verdade, ao que o Ministério Público se opôs mas o juiz acabou por concordar com o pedido da defesa.

De lá para cá, explicou nessa quarta-feira, 12 de Fevereiro, o tribunal, não foi, até aí, obtida qualquer manifestação do antigo Presidente da República de querer prestar declarações sobre o processo.

Nessa quarta-feira, 12, foi ouvido o actual ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social de Angola, Manuel Nunes Júnior.

Perguntado se esteve presente na audiência que o ex-Presidente da República concedeu, a 17 de Setembro de 2017, aos supostos promotores do financiamento de 30 mil milhões de dólares, respondeu que sim e que não sabe dizer porque é que esteve presente.

"Até agora não sei porque participei na audiência, pois não tinha qualquer cargo no Governo visto que o anterior Executivo estava a cessar funções e já havia um novo Presidente eleito. O único cargo que estava a ocupar era o de coordenador da comissão económica da Assembleia Nacional, e nem sei por que razão fui convidado a participar da audiência", explicou o ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social.

Questionado se chegou a ser apresentado aos promotores como a pessoa que no futuro Governo iria continuar a tratar do processo, respondeu que não e disse que essa referência nunca foi feita.

Interrogado se tomou conhecimento de uma orientação dada pelo então PR a solicitar ao réu Valter Filipe que lhe fizesse chegar o dossier do processo, respondeu que não.

Perguntado se esteve presente num segundo encontro, com o ex-Governador do BNA, Valter Filipe e os seus adjuntos na sede do partido MPLA e se recebeu o dossier, Manuel Nunes Júnior disse que não e que não lembra desse encontro na sede do partido.

De seguida, o advogado do réu Valter Filipe, Sérgio Raimundo, pediu ao tribunal que fossem lidas as declarações do ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, em que o mesmo confirma ter participado desse encontro na sede do MPLA.

Após terem sido lidas as declarações do ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, Manuel Nunes Júnior voltou a afirmar que não se recorda desse encontro e da tal solicitação.

Seguidamente, o advogado Sérgio Raimundo pediu ao tribunal que fosse feita uma acareação entre Manuel Nunes Júnior, o ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, e o ex-Governador do BNA, Valter Filipe, o que o tribunal rejeitou por entender que se trata de uma manobra delatória da defesa, pois entende que tal acareação não vai influenciar no processo.