O Orçamento Geral do Estado (OGE) vai a votação na especialidade no próximo dia 14, depois de ter sido aprovado na generalidade pela Assembleia Nacional no passado mês de Janeiro. Depois das muitas críticas da oposição e dos vários alertas de organizações da sociedade civil sobre a verba destinada à Educação, no dia da abertura do ano escolar, o Presidente da República, João Lourenço, comunicou ao País que "o Executivo está orientado para ser flexível, no sentido de redistribuir as verbas, até onde for possível e recomendável, a favor de um aumento nos sectores da Educação e da Saúde". O MPLA, após as declarações do PR, juntou-se ao coro da UNITA, CASA-CE e sociedade civil, exigindo mais verbas para a Educação e Saúde.

Mas, para já, o certo é que os números se situam nos 5,41% para a Educação, correspondentes a 517,78 mil milhões de Kwanzas. Para o ensino primário estarão disponíveis pouco mais de 195 mil milhões, ou seja, 2,02% do OGE. E é com estes números sobre a mesa que partimos para a conversa com Hermínia do Nascimento (HN) e Filipe Faustino (FF).

NJOnline - Todos os anos, e há longos anos, que acontece o que está a acontecer mais uma vez: Faltam professores, faltam escolas, faltam carteiras, faltam livros. O que é que justifica que isto continue a acontecer? Este OGE permite alguma alteração no actual cenário?

HN/FF - Não há justificação, mas aquela que é dada pelo Governo é a falta de recursos financeiros. Este ano, por exemplo, a percentagem para a Educação também sofreu um decréscimo. Nós estávamos em 6, depois atingimos os 8, pensámos inicialmente que este ano, pela primeira vez teríamos uma fasquia com dois dígitos, mas afinal desceu. O que é que se faz com 5,4%? E o problema maior não são os números em si. Eles até poderiam dizer no papel "vocês, este ano, têm 15%", para nós o mais importante é o que se recebe efectivamente.

NJOnline - Ou seja, a dotação orçamental não corresponde ao que depois é distribuído...

HN/FF - Exactamente. Aí é que reside o grande problema. O executivo remete para aprovação a proposta do orçamento sem que nos mostre o que foi executado e quanto é que foi gasto efectivamente no ano anterior, porque, a partir daí, podemos fazer contas. E porque é que há essa omissão? É porque alguma coisa não está a funcionar bem, é porque nos querem ocultar alguma coisa? É necessária transparência. Isso ajudaria a fazer as propostas para o orçamento de cada ano. Porque se no ano anterior só gastei 5, não adianta eu propor 10 ou 20. Normalmente, o que se executa está muito aquém do aprovado.

NJOnline - E para onde vai o restante?

HN/FF - Ninguém sabe, porque quem gere é o Ministro das Finanças.

Este ano nós temos 5,4% do Orçamento, mas quando começar a execução os 5,4% não estão disponíveis, de modo que vão dando de acordo com o plano de necessidades que o Ministério da Educação for apresentando. E é possível que, se a certa altura eu precisar de 3%, digam que só podem dar o equivalente a 1%. Na maior parte dos casos, termina o ano económico sem que um determinado sector receba tudo o que estava previsto no OGE.

NJOnline - Então, na Educação, que já tem uma muito baixa percentagem do OGE, esse valor depois nem se reflecte naquilo que é atribuído...

HN/FF - Esperamos que este ano, e porque sopram outros ventos, seja diferente, mas a prática dos anos anteriores foi esta. Diz-se muito que a maior prioridade é o pagamento de salários aos professores, e é verdade: por isso é que nós temos escolas já construídas e não funcionais.

NJOnline - Há um exemplo, em Viana: um enorme complexo escolar que está há seis anos vazio, sem qualquer utilidade. Nunca funcionou.

HN/FF - Temos vários, por exemplo, no município de Belas. Não há uma planificação coerente. Porque, se tenho uma escola, naturalmente que preciso de apetrechamento e de professores para trabalhar nessa escola. Não adianta construir por construir e depois dizer que a escola não pode arrancar porque falta apetrechá-la ou porque faltam professores.

NJOnline - Ou seja, há uma série de escolas construídas, inauguradas, e onde foi gasto muito dinheiro do Orçamento Geral do Estado, e que em termos práticos não beneficiam em nada as populações, visto que nunca funcionaram.

HN/FF - Aliás, degradam-se, e há algumas que até já estão a ruir. Isto sem nunca cumprirem o objectivo para que foram criadas. E por isso é que nós defendemos a necessidade de fiscalização.

NJOnline - Na Educação?

HN/FF - Não só! Mas peguemos no OGE. Praticamente temos um Orçamento Geral do Estado que é apenas administrativo. É simplesmente para dizer que foi planificado alguma coisa. Porque temos notado que os OGE em termos estruturais são sempre os mesmos, ano após ano. São cópias. Às vezes nem mudam os valores, porque quando se chega ao fim do ano económico não se faz uma avaliação do que foi feito e do que não foi feito. São imaginações das direcções ministeriais.

E surge ainda mais a desvantagem de na hora da elaboração central tudo já ser apenas decidido no Ministério das Finanças. Eles é que decidem. E deviam reunir com os elementos de cada ministério, porque são eles quem conhece o que é prioritário. Não há diálogo.

NJOnline - ???????E os parceiros sociais?

HN/FF - Os parceiros sociais também deviam ser ouvidos aquando da elaboração do OGE. Por exemplo, no ano passado já se apresentou como proposta a construção ou reparação desta escola, nós sabemos que a escola já foi construída ou reparada, porque é que consta aqui novamente? Porque há obras que aparecem repetidas e em alguns casos o dinheiro até já foi gasto, já foi utilizado para outros fins. É o caso, por exemplo, da merenda escolar. Há questões em que há imposição por parte do Ministério das Finanças, e está mal. O Ministério das Finanças tem de ser mais sensível em relação aos problemas do sector, porque não é possível, por exemplo, na Educação estabelecerem quotas mínimas de admissão. Há quantos anos os trabalhadores do Ministério da Educação estão na mesma carreira sem fazer progressão? São esses os estrangulamentos. Como é que o Estado gasta dinheiro para construir, reconstruir, erguer algo para depois deixar ao abandono?

E há quantos anos se mandam bolseiros para o exterior que depois regressam e ficam em casa? Não têm colocação.

NJOnline - Estamos a falar de que número de bolseiros?

HN/FF - Nem podemos imaginar. Mas são muitos! E não adianta estarmos a formar sem termos ideia de porque é que estamos a formar. Temos de ter visão. É como agora estarmos a falar da diversificação da economia, sem dizer o que é que se vai diversificar e o que é necessário para que tal aconteça. Se não, queremos dar 20 passos e afinal estamos a regredir 30.

NJOnline - Quando os parceiros sociais são finalmente chamados para discutir o Orçamento, na especialidade, ele já está decidido, é isso?

HN/FF - Sim, já foi aprovado na plenária. Nem é para discutir. É para dizer que há democracia porque até os parceiros sociais estiveram presentes. Já nada é alterado. É uma homologação do que eles fizeram. Na plenária nós só somos convidados a assistir. É um show para a televisão: é o Governo que prepara e quem vota contra é apenas a oposição. Os deputados do partido do Governo, mesmo os que fazem parte das comissões, e mesmo que não concordem com o que é proposto para o seu sector, votam a favor.

NJOnline - Ou seja, funciona a disciplina partidária?

HN/FF - Sim, sim. E neste momento nós já não contamos com mais nada. Hão-de ser mesmo aqueles 5,4 por cento. A única coisa que queremos agora é que sejam, na realidade os 5,4 por cento, e não chegarmos ao final do ano e serem só dois ou três por cento.

Desde 2014 a situação tem vindo a piorar por causa da crise. Em 2014 foi feito um concurso público para ingresso de professores: Luanda, por exemplo, precisava de cerca de 4000 professores, e entraram pouco mais de 1000. De então para cá, todos os anos a necessidade de professores foi aumentando.

Mesmo as nossas instituições, em vez de serem instituições técnicas, são instituições políticas. E politicamente não interessa falar da realidade.

NJOnline - Como é que se justifica que em Luanda haja mais colégios privados do que escolas públicas?

HN/FF - É um problema que existe não só na Educação mas a nível de outros sectores. Os gestores públicos são detentores de instituições do mesmo ramo. O ministro da Indústria concorre também para uma fábrica. Na Educação o problema é o mesmo: os gestores públicos são proprietários de colégios privados. É uma concorrência desleal.

E a educação tornou-se um grande negócio de quem tem todo o interesse em que as coisas continuem assim. É rentável, sobretudo porque muitos privados sobrevivem com dinheiros públicos.

NJOnline - Quantos professores existem no país?

HN/FF - O Ministério da Educação, na divulgação do número real de professores difere um pouco, mas segundo as últimas informações, serão acima dos 200 mil a nível nacional.

NJOnline - E quantos, destes 200 mil, não estão qualificados para exercer a profissão?

HN/FF - Cerca de 45% dos professores começaram a exercer no tempo da guerra. A questão do ingresso no sector da Educação também é um pouco polémica. Ultimamente já se faz um esforço de recrutar pessoal da carreira, mas ainda há muito nepotismo e tráfico de influência, o que permite que haja pessoal que entra e não é de carreira. As habilitações conseguem-se falsificando documentos, e também temos no nosso sector pessoas a dar aulas sem ter as habilitações que constam nos documentos que lhes permitiram a entrada na carreira docente. Estamos a trabalhar para que haja mais rigor e empenho, quer por parte da inspecção, quer por parte das direcções das escolas.

NJOnline - As inspecções funcionam?

HN/FF - Não como tal. É como tudo no país: mesmo a nível do poder central nós notamos que faltou fiscalização, maior acompanhamento, etc. Então, é transversal.

Se formos a ver o número de inspectores que existem para o número de escolas que eles têm de inspeccionar, os meios de que dispõem para esse trabalho... Essas questões fundamentais fazem com que a actividade de inspecção seja muito dificultada e não se realize com eficácia e eficiência. Nós sabemos que para andar de uma escola para a outra, a pé, é muito difícil, e temos pessoal com alguma idade. Não é a mesma coisa um jovem fazer esse percurso ou uma pessoa de mais idade.

NJOnline - O quadro de professores tem de ser rejuvenescido?

HN/FF - Sem dúvida. Esta é uma das reclamações que nós apresentámos. Ainda temos muitos professores que aguardam pela sua reforma. Já cumpriram todos os requisitos legais, mas como a admissão de novos professores é feita por quotas distribuídas por províncias, isso está a dificultar.

NJOnline - A admissão de professores é, então, feita província a província?

HN/FF - É isso mesmo, mas através da estrutura central. Um exemplo: a província do Bengo, este ano, só pode admitir 50 professores. Mas sem contabilizar os professores que entretanto morreram, os que já atingiram a idade da reforma, os que adoecem - e não vão sendo substituídos. Então, um professor continua a trabalhar, às vezes mais de 35/40 anos de serviço. Claro que o rendimento não pode ser o mesmo.

NJOnline - Ordenados dos professores do Ensino Primário - de que valores falamos, qual é o mínimo e qual é o máximo?

HN/FF - O sexto escalão começa com 49 mil Kwanzas e os que estão no último escalão ganham 127 mil kwanzas.

* Já depois desta conversa com o SINPROF, foi aprovado, na especialidade, nesta quinta-feira, 8, o relatório parecer conjunto final da proposta do OGE, pelas comissões especializadas do Parlamento.

Ao sector da educação deverá ser atribuído um aumento de cerca de 46.4 mil milhões, o que totaliza 6,0% do total das verbas do OGE, muito abaixo do reivindicado pelos parceiros sociais.