Manuel Homem respondia hoje aos jornalistas à margem de uma cerimónia pública em que participava, sublinhando que não sabe do que se fala quando é referida a questão da censura nos órgãos de comunicação social que estão sob tutela do seu ministério, notando que essas acusações visam "prejudicar as reformas" em curso no sector da comunicação social.

"Ainda não assisti a nenhuna censura nos órgãos públicos", sublinhou o responsável no Executivo de João Lourenço pela tutela da comunicação social, contra-atacando com a ideia de que em questão está um tema que é usado para prejudicar o trabalho que está a ser desenvolvido sob sua responsabilidade.

Manuel Homem não foi ao pormenor de indicar nomes, mas as suas declarações surgem um dia depois de o jornalista, economista e professor universitário Carlos Rosado de Carvalho ter divulgado que foi proibido de entrar no estúdio da Palanca TV, um dos media que passou para a tutela do Estado, para debater com outros convidados um tema económico.

E ainda quatro dias depois de o mesmo ter sucedido na TV Zimbo, mas desta feita, depois de se recusar a alterar o tema quente do momento para abordar na sua rúbrica semanal, que era o caso Edeltrudes Costa, antigo secretário-geral de José Eduardo dos Santos com função de ministro de Estado e chefe da Casa Civil, e actual chefe de Gabinete do Presidente João Lourenço.suspeito de enriquecimento ilícito segundo uma reportagem da portuguesa TVI.

Esta reacção do ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social surge ainda no momento em que a Ordem dos Advogados (AO) optou por vir a público mostrar-se solidária com as "denúncias e condenações do acto de censura da Comissão de Gestão da TV Zimbo" por ter "impedido a difusão de uma matéria do jornalista" Carlos Rosado de Carvalho na sua rúbrica "Directo ao Ponto".

Posicionando-se claramente ao lado dos que entendem ter-se tratado de censura, a AO vem dizer em comunicado que "as liberdades de imprensa e de informação são formas de manifestação da liberdade de expressão e, por via disso, constituem garantias do Estado Democrático de Direito".

Caso Palanca TV

O jornalista Carlos Rosado de Carvalho viu, de novo, fechar-se uma porta de acesso a um estúdio de televisão, deste feita na Palanca TV, para comentar a actualidade política e económica nacional, escassos dias depois de o mesmo ter sucedido na TV Zimbo onde deveria comentar o caso Edeltrudes Costa.

O jornalista angolano, economista e professor universitário, foi às redes sociais para denunciar esta situação que ocorreu na quarta-feira, quando estava convidado para debater, com outros dois convidados, o ambiente de negócios no País.

O programa de debate na Palanca TV, uma das estações que passou recentemente para a esfera estatal no âmbito da legislação de recuperação de activos adquiridos por particulares com verbas públicas, estava agendado para as 21:00, onde o jornalista estaria comJorge Batista e Bartolomeu Dias, ambos empresários.

Com o título "CARLOS ROSADO DE CARVALHO NOT", o jornalista foi ao Facebook dizer: "Por ordem da direcção da PALANCA TV acabo de ser proibido de participar no debate sobre `O Ambiente de Negócios em Angola", esta quarta feira 7 Outubro 2020, às 21h, com os empresários Jorge Baptista e Bartolomeu Dias e a moderação do jornalista João Pinto para o qual havia sido convidado. Fazer o quê?"

Esta acusação surge numa publicação onde Rosado de Carvalho coloca as fotografias dos dois outros convidados, do jornalistas e a sua, mas com um "X" em cima, criando o efeito semiótico de proscrito.

A generalidade dos comentários nas redes sociais, sobre este assunto, bem como o que sucedeu na TV Zimbo, são de uma forma generalizada contra o cercear da opinião do jornalista, um dos mais conhecidos no País, e igualmente um dos mais influentes.

Esta situação ocorreu cerca de 72 horas depois de a 04 deste mês ter visto um dos temas por si escolhido ser censurado na TV ZImbo no seu programa semanal.

Caso TV Zimbo

Carlos Rosado, que foi recentemente convidado pelo Presidente da República para integrar o seu grupo de conselheiros, anunciou no Facebook, no sábado, 03, à noite, que estava previsto abordar o "caso Edeltrudes Costa, chefe do gabinete de João Lourenço, que, alegadamente, fez fortuna à custa do Estado, mas foi informado que "o tema não era oportuno".

"PONTO FINAL no DIRECTO AO PONTO......"O caso Edeltrudes Costa" seria o tema do DIRECTO AO PONTO deste sábado 3 de Outubro 2020. Sexta feira, a comissão de gestão da TV Zimbo informou-me que o tema "não era oportuno" e pediu para "agendar outro". Obviamente recusei. A todos muito obrigado pela audiência. Continuamos juntos", escreveu o também economista no seu Facebook".

O SJA reagiu num comunicado em que afirma que as suspeitas que recaem sobre o director do gabinete do Presidente da República tornam o caso num "assunto de interesse público", considerando por isso, "deplorável o argumento utilizado pela Comissão de Gestão para impedir a abordagem da matéria na rubrica "Directo ao Ponto"".

Segundo o SJA, "o acto da Comissão de Gestão da TV Zimbo contraria manifestamente a promessa do ministro das Telecomunicações e Comunicação Social de manter inalterável a linha editorial da TV ZIMBO, e outros órgãos transferidos para esfera do Estado".

"O SJA espera que o acto do Carlos Rosado de Carvalho seja capaz de mobilizar os jornalistas da TV ZIMBO a denunciarem qualquer outro acto interferência na gestão editorial, e solicita à Entidade Reguladora da Comunicação Social a desempenhar o seu papel", lê-se por último no comunicado.

De lembrar que a TV Zimbo passou recentemente para as mãos do Estado, tendo sido exonerado o seu conselho de administração e nomeada uma comissão de gestão, coordenada por Paulo Julião.

O caso de Edeltrudes Costa tem suscitado polémica depois de uma reportagem da portuguesa TVI 24 ter denunciado que o Governo angolano estaria a favorecer o chefe de Gabinete do Presidente da República através de contratos públicos com a empresa EMFC para a prestação de diversos serviços.

A contestação já tomou as ruas, com manifestantes a exigirem a demissão do chefe do gabinete do Chefe de Estado. Este sábado, cerca de 100 pessoas, na sua maioria jovens, juntaram-se em Luanda para, com apitos e palavras de ordem, pressionarem o Presidente da República a demitir Edeltrudes Costa.

O chefe de gabinete do Presidente da República, segundo noticiou a estação de televisão portuguesa TVI, recebeu milhões de dólares de origem desconhecida, mas com ligações alegadamente ilícitas à empresa EMFC.

Segundo a TVI 24, entre outras situações denunciadas está um contrato que foi celebrado no início de 2019 para modernizar os aeroportos angolanos. Na documentação apresentada pela reportagem, o Presidente João Lourenço autorizaria a contratação da empresa portuguesa Roland Berger e a imediata subcontratação da EMFC.

O recurso adquirido pelo contrato celebrado em Fevereiro de 2019 foi parar em Portugal e teria sido utilizado para compras de imóveis de luxo em várias localidades portuguesas, como Sintra e Cascais.

Cargos não condizem com fortuna

Edeltrudes Costa foi secretário-geral de José Eduardo dos Santos com função de ministro de Estado e chefe da Casa Civil. A TVI24 relata que teve acesso a extractos bancários que mostram que este teria, em bancos portugueses, o equivalente a 20 milhões de euros, apesar de nunca ter ocupado oficialmente cargos que lhe rendessem grandes fortunas.

A fortuna teria sido usada para comprar a casa em Cascais no valor de 2,5 milhões de euros - que está no nome da ex-mulher de Costa e presidente do Conselho de Administração da EMFC.

O chefe de Gabinente de João Lourenço também comprou um barco de passeio em Portugal no valor de 130 mil euros e um apartamento de luxo numa propriedade do presidente norte-americano Donald Trump, no Panamá.

Segundo a reportagem, o recurso utilizado para a esta última aquisição teria passado pelo Banco Espírito Santo, na Zona franca da Madeira, que é o elemento que Isabel dos Santos optou por destacar no seu tweet.

O banco central português teria investigado as transferências envolvendo a empresa de Costa, tendo por base "falhas graves na prevenção de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo", segundo a TVI 24.

A TVI 24 também refere uma prestação de serviço para a Comissão Nacional Eleitoral no último pleito realizado em Angola. O negócio rendeu a Costa um milhão de euros para fornecer material para o escrutínio vencido por João Lourenço.

Resposta da TV Zimbo

A TV Zimbo emitiu um comunicado em que toma posição sobre o fim da colaboração de Carlos Rosado de Carvalho na rubrica "Directo ao Ponto" depois de o jornalista ter batido com a porta por ter sido impedido de falar sobre o caso Edeltrudes Costa.

Disparando em várias direcções, a Comissão de Gestão (CG) da estação de televisão acusa o "colaborador eventual" de pôr fim, "de forma unilateral e sem aviso prévio", à relação contratual com a emissora, através das redes sociais. Respondendo às acusações de censura do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), que diz não ter cumprido "com o preceito do contraditório que tanto defende, baseando-se apenas em julgamentos das redes sociais", a Zimbo garante que vai manter a sua linha editorial, "mas sem ceder às vozes radicais, às ameaças e à gritaria de quem quer que seja".

A TV Zimbo avança que "no dia 1 de Outubro, quinta feira, quis o colaborador Carlos Rosado de Carvalho, com bastante insistência abordar o chamado caso "Edeltrudes Costa", que não constava da pauta editorial da rubrica "Directo ao Ponto", aprazado para a semana em vigor", acrescentando, neste comunicado, que surge dois dias depois de o coordenador da Comissão de Gestão, Paulo Julião, ter dito ao Novo Jornal que não queria comentar o assunto, que, "como é óbvio, não foi possível acatar tal solicitação"

"Os temas, objectos de análise, na rubrica em questão, são responsabilidade da emissora que os comunica ao colaborador para efeitos de pesquisa e produção. No entanto, esse princípio não impede o colaborador de propor matérias que considera de interesse público e relevantes para a sua abordagem, cabendo em primeira instância à direcção de conteúdos informativos da TV Zimbo decidir pela sua aprovação ou não", escreve a Comissão de Gestão, sublinhando que este "é um procedimento normal em todas as redacções de órgãos de comunicação social do mundo".

A CE da TV Zimbo diz que Carlos Rosado se recusou a abordar um outro tema e "acto contínuo, recorreu às suas páginas nas redes sociais para escrever um texto, fazendo crer que na TV Zimbo se tinha instalado um clima de censura generalizada".

O comunicado continua, apontando baterias ao SJA - uma instituição que diz ser "parceira da TV Zimbo na resolução dos problemas que afligem os jornalistas" -, acusando a instituição de "lamentavelmente e de forma precipitada, não cumprir com o preceito do contraditório que tanto defende, baseando-se apenas em julgamentos das redes sociais".

A TV Zimbo diz ainda que o SJA enviou aos órgãos de comunicação social, esta segunda-feira, um comunicado de imprensa "a condenar 'pseudo' actos de censura na estação".