Geraldo César, Agostinho Domingos e Moisés Ariclene são os mentores do projecto que há cinco anos foi criado mas apenas há um mês se efectivou, graças ao apadrinhamento do Caminho de Ferro de Luanda (CFL).

"Tivemos esta ideia de ajudar as empresas de recolha de lixo, mostrámos o projecto comunitário ao CFL, endereçando uma carta, em Março último, ao PCA, Júlio Bango, que abraçou a ideia, visto que os caminhos-de-ferro têm tido muitas dificuldades por causa do acumulado de lixo que se encontra ao longo da linha", contaram os mentores ao NJOnline.

Segundo os responsáveis, o projecto juntou jovens que se solidarizaram com a falta de limpeza ao longo da linha férrea, sobretudo nas zonas da Boavista, Dimuca, Cipal, e Tunga-Ngo, onde o amontoado de lixo é assustador.

Geraldo Baptista César, de 33 anos, é o coordenador geral e conta que, a princípio, começaram com 20 pessoas, a nível dos três distritos.

"Em menos de um mês já somos mais de 70 membros, divididos em três grupos compostos por 25 elementos alistados nas zonas de jurisdição.

"Escolhemos apenas pessoas destas comunidades para facilitar o acesso ao trabalho nos períodos das 08:00 às 13 horas. Felizmente, as pessoas abraçaram voluntariamente o projecto", disse.

Sem meios apropriados como capacetes, luvas, botas e uniforme, os 75 membros do Projecto Vias Limpas, entre homens e mulheres, na sua maioria sem qualificação profissional, trabalham com afinco. Retiram o lixo com enxadas, catanas, pás e picaretas, queimam os velhos capins que ladeiam o caminho-de-ferro, sobretudo nas zonas do Bungo e Tunga-Ngo.

"Começámos por limpar os sítios críticos, como Bungo e Tunga-Ngo, mas estendemos a nossas actividades aos musseques, no Tunga-Ngo e até à Boavista, na Ingombota", explicou o coordenador, que acrescentou que não contam com o apoio das administrações dos distritos acima referenciados.

Geraldo Baptista César disse ao NJOnline que têm verificado inúmeras dificuldades no trabalho que realizam devido à ausência de meios para a retirada do lixo, visto que cada jovem que abraça o projecto traz de casa o seu material para trabalhar.

"Os munícipes realmente não ajudam porque deitam aqui tudo e mais alguma coisa, reconhecemos que somos novos e por isso temos dificuldades de material e gostaríamos que as administrações nos apoiassem nisso", realçou.

Sem patrocínio nem apoio das administrações distritais da Ingombota, Sambizanga e Rangel, o projecto solidário Vias Limpas conta somente com a CFL que, aos domingos, com uma locomotiva, recolhe as grandes quantidades de lixo que o grupo junta.

"O caminho-de-ferro está a trabalhar para nos apoiar com vários materiais, mas queremos que as administrações também nos ajudem com meios para que possamos limpar de facto a linha férrea.

Assim, apenas recolhemos o lixo que depois juntamos. Os capins secos queimamos na hora".

Geraldo César garante que o projecto pretende realizar, em breve, uma companha de sensibilização porta-a-porta, junto dos moradores da zona, para que não depositem o lixo na linha dos comboios.

Agostinho Domingos, coordenador para área técnica do "Vias Limpas", disse ao NJOnline que na estação dos musseques já limparam cerca de três quilómetros, só num mês, razão pela qual estão muito satisfeitos.

O responsável contou ainda que cada brigada tem encontrado dificuldades devido à quantidade de lixo que diariamente os moradores depositam.

"Temos vindo a encontrar cobras com muita regularidade e muito lixo no meio da linha do comboio, parece que fazem de propósito", disse, acrescentando: "A zona do Bungo, na Boavista, infelizmente é a mais crítica, porque os moradores junto à linha férrea têm canalizado as suas fossas para dentro da vala de drenagem e isso dificulta muito o nosso trabalho, visto que não temos como retirar aquele lixo fedorento".

Estudantes ajudam a manter a linha férrea limpa depois das aulas

Bebeto Domingos Gamba é estudante da 12ª classe do curso de Ciências-Física e Biológica. Abraçou o projecto porque estava a desviar-se para a delinquência, juntamente com os seus amigos, mas quer mostrar à sociedade que agora já não é a mesma pessoa que cometia pequenos crimes.

"Quero mostrar que não sou o mesmo de ontem, por isso vim aqui trabalhar e ajudar a nossa comunidade para que outros jovens que estavam no mesmo caminho que eu mudem também", disse.

José Manuel também era marginal. Cumpriu um ano e meio de prisão. Contou que não quer ficar em casa pois as pessoas do seu bairro não ajudam em nada, por isso passa o dia a trabalhar no projecto para não ser visto como um delinquente.

"Venho aqui e trabalho. Às 13:00, quando largo, vou para o curso de informática, e à noite, na escola, não quero ser confundido, por isso venho aqui e participo voluntariamente na limpeza da linha férrea".

"Juntei -me a este projecto porque é bonito, sou mãe de três filhos e religiosa também, para não aturar a barulho das crianças, vim prestar a minha contribuição à sociedade e o que me dão de gratificação recebo sem rodeios, porque mais vale eu vir aqui, do que fazer coisas desagradáveis à sociedade", contou ao NJOnline Isabel Contreiras, de 35 anos.

A iniciativa de Geraldo César, Agostinho Domingos e Moisés Ariclene é aplaudida por vários moradores da zona, que se juntaram a esta causa, abrindo as portas de casa aos membros dos projecto sempre que estes necessitarem de água para beber, num gesto de gratidão.

Um superintende-chefe da polícia nacional, que não quis ser identificado, mostrou-se muito congratulado com a atitude dos jovens, mas lamentou a falta de apoio das administrações a esta iniciativa."Devido às dificuldades que as empresas de limpeza têm, nestas zonas, acho por bem as administrações apoiarem esta ideia, cujo trabalho é voluntário", disse o oficial superior da Polícia Nacional.

Entretanto, soube o NjOnline, que desde o arranque do "Projecto Vias Limpas", a direcção dos Caminhos de Ferro tem gratificado o grupo mensalmente com um valor simbólico que, segundo os mentores, é distribuídos pelos 75 elementos.

Como o NJOnline noticiou no dia 21 de Junho, o depósito de lixo ao longo da linha férrea está a pôr em risco a circulação dos comboios do Caminho-de-Ferro de Luanda (CFL), no troço Bungo/Baia, segundo o presidente da empresa, Júlio Bango. Os moradores da zona justificam-se com a falta de contentores e a deficiente recolha de lixo.