O Presidente francês, Emmanuel Macron, mandou chamar os seus embaixadores nos EUA e na Austrália despois de Washington ter boicotado o negócio multimilionário dos submarinos que os australianos tinham encomendado ao Naval Group, construtor gaulês, através de uma estratégia que usou a ameaça chinesa sobre a Austrália, criando para isso uma aliança regional abrangendo o sudoeste asiático, o que levou Camberra a redireccionar o reforço da sua resposta naval para os "aliados" norte-americanos.

A chamada dos embaixadores a casa para consultas é um sinal de claro de desconforto diplomático que só ocorre em situações de excepcional gravidade e foi essa a justificação do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, ao considerar que o volte-face dos australianos, que tinham encomendado os 12 submarinos em 2016, ao francês Naval Group, por quase 35 mil milhões de euros.

Ao mandar regressar a Paris os seus diplomatas, a França mostra claramente que não gostou do gesto, e foi isso que o ministro dos Negócios Estrangeiros gaulês, Jean-Yves Le Drian, explicou ao divulgar a atitude face a um acontecimento de "excepcional gravidade".

Alguns analistas enquadram este episódio num contexto de fragilização das relações euro norte-americanas no âmbito do Tratado do Atlântico Norte (OTAN - NATO), com um forte potencial de aprofundar o processo de desagregação deste eixo que data do final da II Guerra Mundial, criada para defender a Europa da ameaça soviética.

Mas existe ainda a possibilidade de ser uma reacção de Washington ao desafio europeu de avançar com a construção do Nord Stream II, um gasoduto que vai ligar a Rússia à Alemanha, acrescentando volume de trasporte ao já existente Nord Stream I.

Isto, porque os norte-americanos queriam que a Europa abdicasse do gás natural Made in Russia, mesmo sendo mais barato, devido à mecânica gravitacional do seu transporte terrestre, por gás natural Made in EUA, transportado via marítima, com custos substancialmente mais elevados mas que levaria a que o dinheiro europeu fosse para Washington e não para Moscovo.

Com este negócio "roubado" a Paris, a Administração de Joe Biden dá uma machadada nas relações com a Europa, visto que a França é um dos países mais influentes da União Europeia, e o Nord Stream II é uma facilidade que serve mais a Alemanha, o outro país com quem a França decide o rumo do conjunto europeu.

A par desta nova frente de batalha geoestratégica, está a evoluir ainda o megaprojecto Nova Rita da Seda, que ligará a China à Europa, com ramais para outros cantos do mundo, nomeadamente África, numa gigantesca infra-estrutura de transportes que juntam a ferrovia, as estradas e o mar, e que poderá, como os analistas admitem, criar sinergias euro-asiáticas incómodas para os interesses da economia dos EUA.

Este "golpe" de Washington no negócio dos submarinos, apesar de 35 mil milhões de euros ser uma gota no oceano destes megaprojectos - Nord Stream II e Nova Rota da Seda -, poderá ter consequências difíceis de antecipar, mas no horizonte, desde que o Reino Unido deixou a União Europeia, há dois anos, desenha-se uma intensificação do eixo económico Washington-Londres-Camberra, que absorve ainda a Nova Zelândia, o que alguns analistas admitem poder estar a empurrar as restantes economias europeias para um estreitamento das relações, pelo menos no universo económico, com a China.

O que deixa para África, enquanto agregado político organizado, um papel com grande potencial de ganhos face a esta disputa planetária por espaço de influência geográfica, tendo em conta que os dois lados - eixo euro-asiático e eixo América do Norte-Oceânia - apesar de conterem uma tracção económico-financeira inigualável, carecem de matérias-primas fundamentais para as suas indústrias exportadores que só existem em África, ou que não podem abdicar de África nesse capítulo.

E Angola pode ser um dos campeões no aproveitamento deste possível realinhamento geoestratégico mundial.

Apesar de ainda não ser do domínio público total o contido no Plano Nacional de Geologia (Planegeo), documento que está a ser elaborado há vários anos com o apoio dos laboratórios de engenharia e geologia português e espanhol, já se sabe, até porque já foi dado a conhecer parcialmente em encontros internacionais, como na África do Sul, que Angola tem reservas estratégicas importantes de cobre, cobalto ou ainda os condimentos que geram o coltão, entre outros, como as denominadas terras raras, que são essenciais para as novas tecnologias, aviação e, não menos importante, para a fase que o mundo se prepara para enfrentar, de transição energética, que levará ao fim do negócio vital do petróleo e o triunfo das energias renováveis.

Por estes dias, o Presidente João Lourenço está nos EUA, num périplo que junta diplomacia e negócios, e onde estas questões estarão sempre em pano de fundo.

E com este momento, África depara-se com uma oportunidade que não teve nas últimas décadas, para queimar etapas no seu desenvolvimento, aproximando-se dos países mais desenvolvidos.

Mas, para isso, muito terá de mudar... internamente. Porque externamente, finalmente, parece que a sorte está a mudar para o mais subdesenvolvido dos cinco continentes, embora seja um dos mais ricos em recursos naturais. E pode ter chegado o momento de tapar este buraco.