Esta decisão, que não é uma total surpresa, porque desde pelo menos 2016 que Pretória tem repetido a ameaça de deixar este tribunal internacional, que não está integrado na estrutura das Nações Unidas, é, no entanto, anunciada depois de o TPI ter divulgado um mandato internacional de captura contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Com relações de cooperação muito próximas com Moscovo, criadas em grande medida durante a luta do ANC contra o regime fascista do apartheid, e com muitos países da região que lutavam contra o domínio colonial, existia ainda a União Soviética, Pretória parece não ter dúvidas na escolha e opta agora por desvincular-se do TPI.

Isto, sublinhe-se, quando se está a pouco mais de dois meses de um importante encontro dos BRICS, organização que integra o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, e ao qual estão à beira de aderir outros, como a Indonésia, a Argélia, a Argentina... em Durban, estando, enquanto membro activo daquela tribunal, os sul-africanos obrigados a deter Vladimir Putin.

Cyril Ramaphosa já tinha dito que Putin não seria detido em nenhuma circunstância, no que contou com o apoio do activo grupo de Julius Malema, que lidera os Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), mas agora o problema fica resolvido na raiz, evitando assim Pretória a pressão dos países ocidentais durante a visita de Putin a Durban.

Todavia, o Kremlin, que já confirmou a presença de uma delegação russa em Agosto, em Durban, durante a Cimeira dos BRICS, ainda não anunciou oficial que esta será liderada pelo Presidente Putin, prometendo Dmitri Peskov, o porta-voz do Governo russo, que essa decisão será anunciada em breve. Provavelmente, agora, essa decisão será mais fácil de tomar.

O anúncio desta saída foi feito durante uma visita do Presidente da Finlândia à África do Sul, sendo este país europeu um dos mais férreos aliados da Ucrânia na guerra contra a Rússia, tendo mesmo aderido à NATO no início de Abril.

Recorde-se que a África do Sul é o mais importante aliado de Moscovo na África Austral, e na campanha internacional que os países da NATO, liderados pelos EUA, para isolar a Rússia, os sul-africanos têm-se colocado claramente fora desse círculo, apostando, pelo contrário, no estreitamento das relações com Moscovo, como o demonstram os recentes exercícios navais realizados em conjunto pelos dois países mais a China.

Ramaphosa considerou que a decisão do ANC de deixar o TPI é "prudente" e informou que foi tomada por larga maioria, muito por causa de ser considerado que o tratamento dado pelo TPI a Putin é "injusto" e infundamentado.

O mandato de detenção do TPI está fundamentado na alegada deslocação forçada de crianças ucranianas para a Rússia, especialmente das regiões mais expostas ao conflito, tendo Moscovo reagido afirmando que se tratou apenas de colocar milhares de crianças a salvo dos horrores da guerra, podendo estas voltar se for essa a vontade dos seus familiares directos, como, de resto, tem estado a acontecer.

Recorde-se ainda que os BRICS são uma das organizações globais com mais rápido crescimento das suas economias, perfazendo já a soma destas um PIB superior ao G7, que agrega os sete países ocidentais mais industrializados, os EUA, França, Alemanha, Canadá, Reino Unido, Japão e Itália.

A procura de aderir a esta organização tem crescido de ano para ano mas isso foi ainda mais notório em 2002, com o desenrolar da guerra na Ucrânia e a construção de uma plataforma fundeada no eixo Moscovo-Pequim para o surgimento de uma nova ordem mundial, contrariando a actua, baseada em regras, criadas pelos EUA no pós II GM, com uma baseada na cooperação e no multilateralismo, sem hegemonia de nenhuma potência.