Para os leitores menos atentos aos avanços e recuos na linha de combate, nomes de localidades como Selidovo, Pokrovsk, Dainhya, Kruhliakivka, ou outras dezenas de localidades relativamente pequenas difíceis de pronunciar, pouco dizem, mas, no terreno, são etapas importantes na evolução da guerra.

E esta está a evoluir claramente a favor dos russos, tendo-se consolidado nessa direcção depois de as forças do Kremlin terem conquistado alguns bastiões e posições importantes, como Avdiivka, por exemplo, nas frentes de Donetsk e Zaporizhia, onde estão a investir muita da sua capacidade.

Face a esta realidade, que, sem nenhum entusiasmo, os media ocidentais mais próximos dos ucranianos, como The New York Times, Financial Times, London Times ou o alemão Die Welt, já não escondem, em Kiev procura-se agora retirar o foco mediático dos avanços russos na frente.

Para isso, como notam alguns analistas, a máquina de comunicação ocidental ao serviço de Kiev procura empastelar a informação com "factos" novos todos os dias, desde o meteórico "plano de vitória" de Zelensky, ao mais recente caso dos misseis Tomahawk, depois do das das tropas da Coreia do Norte a combater ao lado dos russos.

Sobre o "Plano de Vitória" do Presidente Volodymyr Zelensky, como pode ser revisitado nos links em baixo nesta página, os media rapidamente esqueceram depois de os seus aliados europeus e norte-americanos terem reagido negativamente.

Só que este plano de Zelensky tinha, assumidamente, um anexo secreto, que não foi divulgado à imprensa, tendo este sido, nas últimas horas, atirado para a pantalha mediática claramente como "cenoura" para fazer correr os media em sentido contrário à realidade no campo de batalha.

A memória pesada dos Tomahawk

E esse anexo continha, como The New York Times avançou, um pedido expresso do Presidente Zelensky ao Presidente Joe Biden para que os EUA fornecessem misseis Tomahawk a Kiev para os usar no ataque a alvos militares na profundidade do território russo...

Estes misseis de cruzeiro, que são estratégicos para os próprios Estados Unidos, com alcance de mais de 2.400 kms e com potencial de transporte de ogivas nucleares, ficaram conhecidos, nas duas invasões norte-americanas do Iraque, em 1991 e 2003.

De acordo com The New York Times, o pedido de Zelensky foi totalmente recusado, mas serviu na perfeição para, agora, desviar o foco das sucessivas perdas de território no leste ucraniano para os avanços russos.

Avanços esses que, nalguns casos, chegam a atingir dezenas de kms por dia, havendo mesmo alguns bloggers de guerra, tendencialmente pró-russos, que admitem poder ocorrer uma situação extraordinária de avanço sem oposição até ao Rio Dniepre, que, praticamente, divide a Ucrânia a meio.

A par das notícias sobre os misseis Tomahawk, cujas características, alcance e potencial nuclear, levariam o Kremlin a accionar de imediato contramedidas, que é impossível antecipar mas que poderiam abranger ataques preventivos de enormes proporções e consequências, Kiev lançou ainda como distracção a questão das forças militares da Coreia do Norte a caminho da guerra para ajudar a Rússia.

Esta possibilidade foi, primeiramente, divulgada pela Coreia do Sul, num momento em que as duas Coreias, Norte e Sul, estão, de novo, muito próximo de reatar as hostilidades congeladas em 1953, depois de anos de guerra sem quartel.

Não se sabe se Seul estava em sintonia com Kiev no que diz respeito à divulgação de um vídeo que, alegadamente, mostra soldados norte-coreanos a caminho da Rússia, entre 3 mil a 12 mil, segundo diversas fontes, mas a verdade é que Volodymyr Zelensky rapidamente aproveitou para cavalgar essa informação.

Karpe Diem

E, entre as várias, abordagens, o Presidente ucraniano, voltou a insistir na ideia de que a chegada de forças de Pyongyang à guerra na Ucrânia abre as portas para que também os países da NATO entrem na guerra directamente ao lado de Kiev.

O que era, como se sabe, uma das premissas do "Plano de Vitória" de Zelensky, contra com forças militares norte-americanas e europeias lado a lado com as unidades ucranianas a combater russos e, agora, norte-coreanos.

Há apenas um problema: é que não há nenhuma prova de que as forças norte-coreanas estejam na Rússia, se estiverem, para combater na guerra da Ucrânia, e se estiverem e forem empregues na frente de Kursk, região russa invadida pela Ucrânia, então o empego das forças de Kim Jong-un podem combater ao abrigo do abrangente acordo de defesa e segurança assinado entre Pyongyang e Moscovo, sem ferir a lei e as convenções internacionais.

Para já, a Coreia do Norte não confirma o envio de tropas para a Rússia, e em Moscovo, o Presidente Putin já veio lembrar que o que os dois países fazem com a sua parceria estratégica na área da defesa só a russos e norte-coreanos diz respeito.

As dúvidas iniciais do Pentágono e da NATO sobre a presença de forças norte-coreanas na Rússia parecem mostrar que as certezas não abundam no ocidente a este propósito, mas, depois, bem depois de Zelensky e a Coreia do Sul o terem denunciado, tanto o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, como o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, anuíram e confirmaram a presença das forças de Kim Jong-un na Federação Russa.

Enquanto a verdade sobre os norte-coreanos não emerge deste empastelamento mediático, a verdade é que os media ocidentais ignoram por completo, com as já referidas escassas excepções, as fragilidades ucranianas na frente de guerra.

Mas é igualmente verdade, como confere o analista militar major general Agostinho Costa, se se confirmar que os norte-coreanos estão a combater em território ucraniano, pode-se estar à beira de uma escalada de dimensão impossível de definir nesta guerra entre russos e ucranianos.

Porque isso daria legitimidade aos norte-americanos para uma entrada em profundidade na guerra, desde logo a autorização de emprego dos seus misseis, como os ATACMS, nos ataques ucranianos no interior profundo da Rússia.

E, eventualmente, no envio de forças dos países da NATO aliados de Kiev, para a Ucrânia, primeiro, como chegou a avançar o Presidente francês, Emmanuel Macron, em áreas da retaguarda para permitir mais unidades ucranianas na linha da frente, e, posteriormente, nas trincheiras...

A lei internacional

A grande questão que aqui chegados se coloca é de natureza legal e de interpretação da Lei Internacional e das Convenções Internacionais, porque, de acordo com as novas disposições legais na Federação Russa, reconhecidas pela Coreia do Norte, as regiões anexadas na Ucrânia, são território russo de pleno direito.

Ou seja, a Crimeia, anexada em 2014, e Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson (2022), são, para Moscovo, parte inteira e constitucional da Federação Russa, mas, em Kiev, e para os seus aliados ocidentais, são parte integral da Ucrânia, como o definem as fronteiras reconhecidas em 1991, aquando da independência do país da então URSS.

O que permite um cenário extremamente perigoso onde as unidades norte-coreanas podem chegar para apoiar os aliados russos no "território" da Federação Russa, cumprindo a Lei de acordo com a sua abordagem à realidade no terreno, enquanto em Washington, Londres e Paris, o que se passaria era a Coreia do Norte estar a combater em território ucraniano, internacionalizando de facto este conflito.

Para já, não há provas documentais fornecidas por Kiev de que os norte-coreanos já chegaram ao campo de batalha, como, por exemplo, vídeos que o demonstrem, ou prisioneiros, o que, mesmo assim, seria possível de desmentir em Moscovo e Pyongyang, porque não seria totalmente inexequível a Coreia do Sul enviar agentes para Kiev de forma a fazê-los passar or prisioneiros norte-coreanos, visto que são o mesmo povo e falam a mesma língua.

Além disso, as populações russas junto à fronteira com a Coreia do Norte pouco diferem etnicamente dos norte-coreanos, e há soldados destas regiões a combater na Ucrânia.

Por exemplo, a cidade de Vladivostok, a mais conhecida do extremo-Oriente russos, está apenas a cerca de 100 kms da fronteira da Coreia do Norte, e a cidade de Khasan, na região de Primorsky Krai, está literalmente em cima da linha divisória dos dois países.

Apesar de em Washington e Londres se saber claramente que Volodymyr Zelensky tem em cima da mesa, permanentemente, a ideia de envolver as forças da NATO na guerra como via única para evitar a derrota total frente aos russos, e que negociações estão, como o afirma repetidamente, fora de questão, também norte-americanos, britânicos e franceses, podem ver esse caminho o único que impede a humilhação de uma derrota frente a Moscovo.

Isso, porque, apesar de não haver tropas da NATO a combater oficialmente, apenas milhares de mercenários, que Moscovo acusa de serem meras tropas especiais ocidentais disfarçadas, a Ucrânia é um proxy de Washington e Londres no seu esforço histórico de desvitalizar a Rússia, como, por exemplo, o Presidente Joe Biden afirma deste o início, que os norte-americanos vão "apoiar os ucranianos até onde for preciso" para "derrotar os russos no campo de batalha".

E se a Ucrânia sucumbir, em Kiev será fácil dizer, por ser verdade, que tal se deve ao recuo ocidental na promessa de apoiar de forma ilimitada as forças ucranianas, mas em Washington, Londres, Paris ou Berlin, a sensação será de humilhante derrota perante Vladimir Putin.

É proibido "retirar"

Embora este cenário de desfecho catastrófico seja apenas isso, um cenário hipotético, com raízes na realidade do terreno, em Kiev, como sucede deste o início deste conflito aberto, a preocupação é desviar dos olhos do ocidente a realidade no terreno, quando esta não é satisfatória.

Isso mesmo está agora a suceder, como relatam alguns media, especialmente os russos, que também aproveitam estas situações sempre que podem, no caso a RT, com Kiev a proibir os seus militares de usarem o verbo "retirar" nas suas várias modelações, em conversas com jornalistas.

De acordo com uma conversa de um repórter da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, financiada pelo Congresso dos Estados Unidos, citado pelo site da Radio New Voice, de Kiev, os soldados, sargentos e oficiais das forças ucranianas no leste do país, onde ocorrem as grandes batalhas desta guerra, estão impedidos de usar o termo "retirada".

Segundo o jornalista da Rádio Liberdade-Rádio Europa Livre, citado pela Rádio New Voice, ouvida pela russa RT, que a cita, os militares ucranianos são instruídos para usarem apenas as expressões "ofensiva", Vitória", "avançar" e "afastar o inimigo", sempre que contactados pelos jornalistas.

Alguns analistas admitem que o esforço de Kiev para alimentar uma realidade paralela nos media se deve à esperança de que os países ocidentais, quando perceberem que a Ucrânia vai mesmo colapsar na sua capacidade de resistência, decidirão, finalmente, que essa derrota será mais a sua derrota, pelas promessas que fizerem, que uma derrota dos ucranianos.

Isto, porque, foi devido a essas promessas que em Março de 2022, dias após o início da invasão russa, Kiev abandonou a mesa das negociações em Istambul, já com um draft assinado para a paz.

Tal sucedeu depois do então primeiro-ministro britânico, o histriónico Boris Johnson (os dois na foto), com o apoio de Washington e da União Europeia, ter ido a Kiev prometer tudo a Zelensky desde que este fizesse implodir o acordo com os russos.

O que este fez de imediato... porque, além de armas e dinheiro sem limites e durante o empo que fosse necessário, a Ucrânia teria ainda uma entrada directa e facilitada na NATO e na União Europeia.

Nenhuma destas promessas está a ser cumprida, sendo esse o grande trunfo do Presidente ucraniano para, se for necessário, explicar as razões da derrota aos seus compatriotas,