O que deveria constituir motivo de orgulho e honra para os angolanos está a gerar alguma polémica e a suscitar várias críticas no seio da opinião pública, sobretudo entre as organizações da sociedade civil vocacionadas para a defesa das liberdades individuais e colectivas.
A surpresa e a indignação resultam do facto de Angola não ser um espelho de virtudes ou um exemplo a seguir em matéria de defesa dos Direitos Humanos em África, sendo considerado um país com um "histórico" de violações sistemáticas desses direitos por parte das autoridades policiais e judiciais.
O nome do País não só tem estado nas bocas da imprensa internacional pelas piores razões, como também figura nos relatórios e estatísticas das organizações mundiais como sendo um dos países de África com elevados índices de repressão policial e intolerância às manifestações pacíficas de protesto.
Para alguns activistas, a eleição foi uma autêntica decepção, já que a inclusão de Angola no Conselho dos Direitos Humanos da ONU poderá encorajar o regime angolano a praticar mais actos de cariz autocrático, sob o olhar silencioso, senão mesmo cúmplice dessa organização internacional.
A ONG OMUNGA considera que a escolha é um "contra-senso sem medida" num país onde os direitos humanos "continuam a degradar-se".
Em entrevista à DW, o coordenador dessa organização sediada em Benguela, João Malavindele, não só manifestou a sua surpresa pela escolha, como também entende ser uma aberração, visto que Angola "não constitui em exemplo em matéria de Direitos Humanos".
Questionado sobre um eventual impulso de melhorias com a nova posição de responsabilidade, o activista, céptico, diz que "as esperanças são muito remotas" e vê a eleição como uma faca de dois gumes: "Uma forma de persuadir o Estado a assumir mais responsabilidades, mas também uma forma de esconder os prevaricadores".
Não deixou, igualmente, de manifestar a sua preocupação com o facto de esse período coincidir com a realização das eleições legislativas e presidenciais em 2027, deixando transparecer que isso poderá ser politicamente aproveitado pelo regime.
O activista, à semelhança de vários internautas nas redes sociais, questiona quais foram os critérios que usados nesse mecanismo da Organização das Nações Unidas que determinaram a escolha de Angola para ocupar o referido cargo.
"Eu acho que Angola, neste momento, não é um bom exemplo em matéria de direitos humanos, é só olharmos o que se passou há dois ou três meses: repressões extrajudiciais, prisões arbitrárias, ainda temos presos políticos", recorda João Malavindele.
Nas redes sociais, internautas, aparentemente indignados com a escolha de Angola, chegaram mesmo a admitir a possibilidade de que o Estado angolano terá despendido uma vultuosa soma em dinheiro para, segundo eles, "comprar" esse lugar honroso na ONU.
Em meio à polémica que se instalou, quatro dias depois da eleição de Angola ao referido cargo, as forças policiais impediram a realização de uma vigília pacífica, frente a uma igreja, em Luanda, para exigir a libertação de todos os detidos por motivos políticos.
Promovida por um grupo de cidadãos, sob o lema "Vozes Livres, Presos Políticos Livres", a vigília visava protestar contra a detenção, que eles consideram arbitrária, de mais de 10 cidadãos que permanecem detidos em diferentes cadeias do País, acusados de crimes como rebelião, terrorismo, instigação pública ao crime e associação criminosa.
Num dos vídeos postos a circular nas redes sociais, a conhecida activista Laura Macedo acusou as forças policiais de abuso do poder, tendo afirmado que os participantes foram impedidos de aceder ao local da concentração e que alguns deles sido detidos e levados para uma esquadra policial. Há informações de que eles foram libertados horas depois e abandonados à sua sorte a 30 Km do lugar das suas detenções.
Convém lembrar que os episódios de violação policial foram denunciados, em finais do ano passado, denunciados durante um encontro promovido pela Amnistia Internacional (AI), em parceria com o MUDEI, com relatos de algumas vítimas e seus familiares, que sofreram na carne e alma as acções directas dos excessos das autoridades policiais.
Num documento denominado "Promessas Quebradas- Manifestantes entre Gás Lacrimogéneo, Balas e Bastões em Angola", as forças de segurança foram acusadas de homicídios ilegais, detenções arbitrárias de manifestantes e outros excessos.
O Relatório da AI investigou as acções policiais em 11 manifestações e concluiu que os "agentes da Polícia atacaram os manifestantes com balas reais e gás lacrimogéneo, matando pelo menos 17 pessoas, espancando e detendo arbitrariamente outras, em violação da legislação angolana e do direito internacional".
Na óptica da Amnistia Internacional, as mortes de manifestantes teriam sido evitadas se houvesse uma proporcionalidade de meios por parte da Polícia, que não tem vacilado em usar meios letais, ou seja, recorrendo às balas reais para reprimir e calar as vozes descontentes durante as manifestações de protesto.
O documento não fazia, porém, referência aos métodos pouco ortodoxos usados pela Polícia angolana, consistindo na destruição dos meios de comunicação portáteis dos activistas durante as manifestações. Como também não fazia alusão a uma espécie de rapto levado a cabo pelas forças policiais que, após a detenção dos manifestantes, os desloca e os abandona em matas, a dezenas de quilómetros dos locais da manifestação, privados dos seus haveres.
O recrudescimento das acções de repressão às manifestações de protesto tem sido mais intensa em cenários de crise profunda, como a que o País registou nestes últimos meses.
À semelhança do que ocorreu em 2016, sob o consulado do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, o modus operandi das forças policiais continua o mesmo no sentido de criar o medo aos manifestantes e descontentes.
Convém recordar que, nesse relatório, a Amnistia Internacional (AI) havia acusado o Governo angolano de usar julgamentos com "motivações políticas" ou acusações de difamação e leis de segurança nacional para suprimir os direitos humanos.
"O descontentamento social e os protestos decorrentes do agravamento da crise económica no País, provocada pela quebra nas receitas do petróleo, foram silenciados pelo Governo e com violação de direitos", acusou, na altura, a AI.
O relatório em causa sublinha que a crise social "desencadeou aumentos de preços para alimentação, saúde, combustível, recreação e cultura", o que levou a manifestações contínuas de descontentamento e restrições aos direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica.
Apesar de a questão dos Direitos Humanos ser um assunto bastante sensível, o Presidente da República, no seu longo, prolixo e retórico discurso sobre o "Estado da Nação", passou ao lado desse importante tema. Não fez nenhuma referência, por mínima que fosse, à sistemática violação dos direitos consagrados na CRA.
Aliás, não se esperava outra coisa de João Lourenço que, verdade seja dita, nunca manifestou a sua condenação diante dos excessos cometidos sistematicamente pelas forças policiais contra manifestantes indefesos. Não se tem memória de alguma vez ter endereçado as suas condolências aos familiares das vítimas mortais que sucumbiram nas mãos da Polícia, sendo o caso mais recente das que ocorreram nos últimos dias de Julho, que causaram mais de três dezenas de mortes.

