Viveu de 1926 a 1967. Conduziu várias revoluções musicais em pouco tempo. Algumas delas contra a sua própria autoridade!

Saxofonista tenor e - do difícil- sax soprano.

O tom, o som, volume, acento, a obsessão do pleno, a superfície sonora, o fluxo, a bátega, a enxurrada, o dilúvio de notas, fizeram dele um músico amado e maldito.

Coltrane utilizou o saxofone como uma arma. É só isso que é preciso entender.

Há exactamente 60 anos ( 9 de Dezembro de 1964), o saxofonista de Hamlet, no Carolina do Norte, John William Coltrane, gravou no estúdio do chamado "músico invisível", o técnico de som Rudy Van Gelder, que criou o som "Blue Note", em Nova Jersey, rodeado dos seus companheiros de criação- os membros do seu revolucionário quarteto, o disco "A Love Supreme" para a editora Impulse.

O quarteto do lendário saxofonista, que morreria aos 40 anos, em Julho de 1967, incluía: McCoy Tyner ( piano), Elvin Jones (bateria) e Jimmy Garrison ( contrabaixo).

Independentemente do ponto de vista estético e da postura de cada um, os críticos e os jazzófilos costumam admirar algumas obras-primas, seminais, na História do Jazz do século XX, destacando quase sempre: Black and Tan Fantasy ( 1927), de Duke Ellington; Kind of Blue (1959), de Miles Davis[onde John Coltrane participa], e também Free Jazz (1960), de Ornette Coleman. Mas, "A Love Supreme", que iluminou o céu do Jazz nos anos 60, dividida em quatro partes- "Aknowledgement", "Resolution", Pursuance" e "Psalm", é sempre recordada, admirada, amada.

A sessão de gravação desta obra genial e inovadora, é recordada assim pelo pianista McCoy Tyner:

"Lembro-me de que Rudy Van Gelder diminuiu as luzes para criar a atmosfera de um clube. Acho que nem tínhamos ensaiado aquela música. Geralmente, John [Coltrane] costumava tocar a música, e só depois gravava, e via no que dava".

"Uma vez que começávamos a tocar uma peça, novas ideias iam surgindo, além de interpretações diversas de um determinado tema ou de um grupo de temas. A love supreme foi uma espécie de suite. Muitos dos arranjos eram head arrangements ( arranjos não escritos, surgidos na hora). Como só havia um instrumento de sopro ( o sax tenor de Trane, como era chamado pelos seus pares), éramos capazes de fazer isso com facilidade, na base de simples sketches, nada detalhado. E lá fomos nós! Tínhamos chegado a um ponto em que havia um alto nível de comunicação entre nós".

A obra que hoje abordamos, "A Love Supreme" tornou-se, por mérito próprio dos seus autores, um disco-marco do Jazz moderno.

Num trabalho de excelente criatividade, "Magnum opus de Trane", inserido no livro "Obras- primas do Jazz ( Jorge Zahar Editor, 1986), Luiz Orlando Carneiro, que nos habituou a textos notáveis e de grande qualidade, sublinhou:

"A obra [A Love Supreme]tem uma concepção temática simétrica, construída a partir de quatro notas, confrontada com o expressionismo assimétrico dos solos do sax tenor, com as colorações explosivas da bateria polirrítmica de Elvin Jones, com a obstinação do baixo de Jimmy Garrison , e com os interlúdios do piano climático de McCoy Tyner".

"A Love Supreme" de John Coltrane significa para mim algo muito especial: a nostalgia ancestral expressa numa lingugem inovadora e revolucionária, criada por um músico genial, rodeado por cúmplices criativos excepcionais.

Nos "States", quando a obra chegou às lojas e às rádios, em Fevereiro de 1965, menos de dois meses após a sua gravação, "A Love Supreme" tornou-se um enorme sucesso de vendas e era ouvido um pouco por toda a parte, nos alojamentos de estudantes universitários e nos apartamentos dos chamados guetos de Harlem, Nova Iorque. Recordemos o que disse Miles Davis a propósito do disco: "A Love Supreme alcançou e influenciou as pessoas que eram a favor da paz, os hippies, e gente idêntica".

Por outro lado, o activista social, militante dos direitos cívicos, companheiro de Malcom X, o saxofonista Archie Sheep, ainda vivo, recorda: " Nos anos 60, estávamos na era das religiões orientais, da nova espiritualidade e do hare Krishna, e esse foi o manancial de Trane- ele encaixou-se perfeitamente", afirmou o velho gigante.

É urgente sublinhar que esta obra estimulante e inspiradora nunca se tornou "datada" e, ao longo do tempo, do optimismo à mais crua amargura, a relevância da sua música e a sua mensagem mantiveram-se inabaláveis.

"Sei que muita gente nem quer ouvir música de cinco ou dez anos atrás", comentou Alice Coltrane, a companheira de Coltrane nessa altura, mas, sublinha: "A Love Supreme tem o o seu espírito regenerador...é eterno, sem idade".

John William Coltrane criou "A Love Supreme" como um presente ao Divino.

Coltrane foi, com o saxofonista Ornette Coleman, o último revolucionário do Jazz.

É muito difícil, diria mesmo, impossível, de forma breve, abarcar todos os aspectos da obra e do homem que foi John Coltrane, sobretudo num período em que os seus ensinamentos se tornaram fundamentais num período extremamente movimentado da História do Jazz ( década de 60).

Coltrane foi um inovador extraordinário. E a sua influência ultrapassou largamente as fronteiras do saxofone, lançou os alicerces da evolução do Jazz moderno, independentemente dos instrumentos que tenhamos por referência.

John Coltrane é "um homem cuja integridade músical se reflecte na insustentável beleza de um verso de Sophia de Mello Breyner - " não sei se tudo errei ou descobri", como escreveu exemplarmente o crítico e amigo António Curvelo, no diário Público.

Nasceu num dia 23 de Setembro do longínquo 1926. E deixou-nos a 17 de Julho de 1967. Mas as voltas que a vida dá e o conhecido corporativismo divino queria que Trane, um dos maiores indiscutíveis do Jazz, chegasse somente aos 40 anos de idade. De qualquer forma, nessa curta vida, ele conseguiu tornar-se um dos músicos mais relevantes e influente na História do Jazz.

P.S. Dia Internacional do Jazz

UMA EFEMÉRIDE QUE CONTA

"Abril é Jazz; é juventude, é ritmo, é improvisação, é criatividade e é paixão a celebrar; Jazz é Mundo, é África, é Angola, é elo histórico universal, é cultura, é unidade e é a tal flor que desabrocha no pantanal" - ouve-se no spot radiofónico que anuncia a celebração do Dia Internacional do Jazz em Luanda, na data da efeméride, 30 deste Mês do Jazz.

Esse anúncio, com essa lapidar citação de Archie Shepp, saxofonista americano, compositor e activista, precede a apoteose de uma promissora parceria nascida entre a Fundação Bornito de Sousa e a produtora j.j.jazz, nos papéis respectivos de organizadora e produtora.

Em resumo, o Dia Internacional do Jazz em Angola pode ser uma ocasião para celebrar a música, a diversidade cultural e a capacidade da arte de unir pessoas.

No dia 30 de Abril, a Festa do Jazz será no Epic Sana, às 19H00.