A criação da ANPG é uma opção legislativa que tenho vindo a defender desde 2015 na esfera pública (no meu livro mencionei o modelo como o mais adequado em termos de Direito Comparado), contudo restam muitas dúvidas, principalmente por causa da "atribuição" da função concessionária para a agência que, ao mesmo tempo, é órgão regulador e foge da experiência de outras jurisdições.

A criação de uma Autoridade Administrativa Independente (AAI) é apenas um dos passos necessários para uma reforma bem-sucedida no sector e resta saber se a implementação do modelo AAI vai conseguir ser funcional e não meramente uma mudança formal. Noutro texto académico publicado em Inglês, em 2018, para além de ter comparado o quadro jurídico de várias jurisdições que implementaram o modelo de "Independent Regulatory Agencies", fiz menção das dificuldades de implementação destas num contexto institucional e constitucional como o angolano, onde tipicamente há uma concentração de poderes.

Outro grande desafio para Angola é o facto de ter uma produção petrolífera em declínio. A produção petrolífera angolana vai chegar a 900 mil barris por dia em 2025 , podendo cair para 600 mil barris por dia em 2032, de acordo com a Consultora Norueguesa Rystad Energy.

Um dos aspectos essenciais que devem ser considerados na reforma é a participação de todos os stakeholders (intervenientes) na definição e formulação de políticas públicas relativas ao sector, incluindo a indústria, o Estado, em geral (incluindo Governos Provinciais, Ministérios relevantes) e futuras autarquias (que não meros órgão desconcentrados) afectadas pelo sector petrolífero, organizações de defesa do ambiente, associações empresariais, Parlamento, etc. O que significa que é necessário um diálogo mais abrangente com os vários stakeholders, até porque nem sempre estes têm interesses coincidentes e os interesses do Estado são muito variados, não se reduzem à maximização de receitas, mas devem considerar considerações ambientais, protecção laboral, conteúdo local, participação da nossa estatal na cadeia de valor, entre outros, sempre na perspectiva de exploração sustentável dos recursos.

Importa também referir que o modelo angolano não é o único modelo possível. Há vários modelos regulatórios possíveis (a nível global) e que garantem uma melhor governação e maior eficiência no sector.

Para além disso, a ideia comum de que Angola possui um bom quadro regulatório no sector é profundamente incorrecta. Angola adoptou algumas das melhores práticas, no entanto ainda estamos longe de ter um modelo regulatório adequado e de ser benchmarking para os outros países. Existem dados que demonstram isso. O Índice de Governação do "Natural Resource Governance Institute" avalia a boa governação no sector petrolífero (incluindo o gás natural) de 89 países e, na sua metodologia, inclui três critérios principais (Realização de Valor, Gestão de

Receitas e Ambiente de Contexto - Value Realization, Revenue Management, Enabling Environment) e outros subcritérios, incluindo o quadro legal, a fiscalidade, o controlo da corrupção, a prestação de contas, etc.

O Natural Resource Governance Institute classifica Angola com 35 pontos numa escala de 100 pontos no que se refere à boa governação no sector petrolífero (com uma classificação de pobre). Angola precisaria de pelo menos uma classificação de 60 para ser considerado satisfatório nos termos da metodologia utilizada pelo Instituto. E Angola aparece no lugar n.º 70, num total de 89 países avaliados.

Isso revela que não basta fazer meras reformas legislativas para atingir um bom quadro regulatório e o que foi feito, apesar de muito positivo, e de estar no bom caminho, está muito longe do que é possível ou desejável. Por isso, é imperativo que se continue com as reformas regulatórias e que o País consiga atrair mais investimentos no sector e maximizar o seu potencial geológico, ainda por descobrir e explorar.

Aqui vão algumas singelas recomendações que podem melhorar a boa governação para o sector:

1. A transformação da Sonangol numa empresa "energética" e não numa empresa de petróleo e gás strictu sensu e o abandono de actividades não-nucleares (tal como investimentos em bancos no exterior, por exemplo), já que não conseguiu ainda ter o sucesso de uma estatal petrolífera como a Petronas ou a Petrobrás (tecnicamente uma empresa de capital misto, mas com maioria de capital público) e só produz cerca de 5% da produção petrolífera angolana (em especial a P&P). O maior desafio para empresas petrolíferas (a nível global) vai ser o declínio da procura por petróleo global nas próximas duas décadas e o declínio da produção petrolífera angolana para 600 mil Bpd, em 2032. A Sonangol deve, por isso, apostar numa integração das suas actividades (em especial no sector petroquímico e refinação, onde o futuro do crude está) e apostas noutras fontes de energia e a adopção de métricas de sustentabilidade (incluindo ao que chamamos "Environmental Social and Governance" , ESG) até para uma preparação para entrada no mercado de capitais, como ocorreu com a Petrobrás e a Equinor, ambas estatais .

2. A revisão da Lei das Actividades Petrolíferas e demais legislação para incorporar as melhores práticas da indústria e de outros países, incluindo normas mais estritas em protecção ambiental (incluindo normais mais claras e rigorosas sobre poluição, o impacto das emissões de CO2 nas alterações climáticas, etc.), respeito pelos direitos humanos (seguindo as directrizes das Nações Unidas para o sector empresarial), participação de stakeholders e normas de ética e anticorrupção.

3. Uma lei sobre conteúdo local (não uma mera cópia de leis de outros países) que verdadeiramente incorpore as melhores práticas, promova a inserção de angolanos e garanta, efectivamente, a criação de competências locais de uma forma sistémica e a participação de PMEs.

4. Uma lei anticorrupção e de compliance para o sector da energia que garanta maior transparência, imparcialidade, ética, etc. A participação de empresas nacionais na cadeia de valor em todos os segmentos da indústria para evitar que pessoas politicamente expostas (Political Exposed Persons ) sejam os beneficiários efectivos do "local content". No caso do Brasil, muita da corrupção que deu origem ao escândalo do "Petrolão" que envolveu a Petrobrás estava relacionada com as regras muito restritivas sobre o conteúdo local e os incentivos perversos ligados à política. Por isso, é necessário muito cuidado na forma como se implementa o conteúdo local, já que os riscos de corrupção podem aumentar.

5. Um novo quadro normativo para a exploração e uso do gás natural, que não deve ser todo o exportado, mas deve ser parcialmente aproveitado para a produção eléctrica, num contexto em que apenas 30% da população tem acesso à electricidade.

6. A necessidade de discussão e adopção de políticas energéticas num Conselho sobre Energia (à semelhança do Brasil, que criou um Conselho Nacional de Políticas Energéticas na reforma de 1997), um dos erros da estratégia do sector petrolífero é tentar formular políticas relativas ao sector do petróleo e gás sem considerar a energia como um todo e outras fontes energéticas. Políticas energéticas devem ser consideradas como um todo, porque competem entre si.

7. A necessidade maior transparência na publicação de informação sobre as receitas do sector petrolífero para o público e, por isso, defendo a entrada de Angola na Iniciativa para Transparência das Indústrias Extractivas (EITI). Esse passo iria aumentar a reputação de Angola e permitir uma governação.

O artigo não pretende ser exaustivo e nem oferecer soluções milagrosas para o sector, mas chamar atenção para alguns dos problemas que persistem desde que se iniciou o processo de reforma em 2015 e para algumas das inovações que podem melhorar a atractividade de Angola em comparação com outros países hoje mais atraentes tanto em potencial geológico e com melhores termos financeiros e fiscais como a Guiana e Moçambique, que têm atraído investimentos bilionários.

Convém também referir que o artigo não pretende desvalorizar o que foi feito e as reformas em curso, mas visa apenas contribuir para o debate e fazendo jus à máxima "melhorar o que está bem e corrigir o que está mal".