O segundo ponto prévio tem a ver com - pela importância que tem merece este destaque - a linguagem e comedimento a que os deputados e governantes são obrigados por força do seu juramento à Pátria. Por maior que seja o calor da emoção, são absolutamente inaceitáveis as expressões usadas e as acusações feitas pelo meu velho amigo, o deputado Liberty Chiyaka. Tanto na forma como no conteúdo. Pessoalmente gosto, admiro e respeito mais o secretário provincial da UNITA no Huambo, que, graças a uma postura irrepreensivelmente estadista, contracenou com o então governador João Baptista Kussumua, ao ponto de o Huambo ter sido, nas eleições de 2017, das pouquíssimas províncias a não registar casos de intolerância política, do que o truculento, emotivo, virulento e irresponsável líder do Grupo Parlamentar do MPLA. Acusar um partido seja ele qual for em Angola de possuir "milícias" já é extremamente grave; anunciar mortes onde não há é o cúmulo da irresponsabilidade e incapacidade de fazer o trabalho de casa. Alguém da área de Comunicação da UNITA deve dizer ao meu amigo de peito Liberty que, enquanto não se confirma inequivocamente uma morte, o termo correcto para designar o facto é "desaparecido". Foi militar, tem a obrigação de saber isso. E o impacto negativo dessa comunicação, o seu potencial de geração de acção anti-social é por de mais evidente para que o deputado, toda a sua bancada e a legião de assessores que os apoiam não se apercebam dessa gravidade.
Último ponto prévio: a minha solidariedade ao meu amigo e "contendor" Dr. Maurílio Luiele, que esteve na caravana atacada. Já disse que isso não tem de acontecer. Digo mais: ninguém, mas ninguém mesmo merece ser molestado e ter a sua vida em risco por causa das suas convicções políticas ou por pertencer ao partido A ou B. Estendo, por isso, o meu abraço amigo e solidário ao Dr. Maurílio e aos demais integrantes da caravana, especialmente aos feridos, endereçando votos de rápida e completa recuperação. Da mesma forma, junto a minha voz àqueles que exigem que os autores desta barbaridade - pois que é disso que se trata - sejam rapidamente localizados e trazidos à Justiça.
Dito isso, há análises a fazer, ilações e lições a retirar deste triste episódio. Para que não se repita caso seja fortuito, ou para que se mate a tentação, caso se trate de uma encenação para se vitimizar e atrair simpatias. Ou para que se façam as competentes responsabilizações caso se trate de incompetência ou má-fé de seja quem for. Pois há indícios bastantes para um ou outro cenário.
Comecemos pela preparação e planeamento de uma missão de entidades ao interior por via terrestre: Os deputados, governantes e magistrados têm escolta pessoal da PSEP (Polícia de Segurança de Entidades Protocolares que garante a sua segurança e da família 24 horas por dia e 7 dias por semana. Caso necessite de segurança adicional, deve requisitá-la expressamente através do seu chefe de escolta. Em caso de viagem terrestre para outra província, a sua instituição deve notificar o governador provincial, solicitando toda a segurança necessária e fornecendo o itinerário e as datas para o devido asseguramento. Se o não fizer, significa que a segurança que já possui é suficiente. Ora foi o que aconteceu. Embora o Grupo Parlamentar da UNITA tenha oficiado o governador provincial a comunicar a chegada, não forneceram os itinerários. E quando o secretário provincial da UNITA no Kuando-Kubango comunicou ao comandante provincial da Polícia por via do Ofício n.º 043/GB/SPCC/024, de 10 de Abril, também não solicitou escolta. Apenas informou, como diz o assunto "Informação". Isso apesar de a UNITA saber que, fruto das acções protagonizadas durante a guerra civil contra essas mesmas populações naquela área, existe um ressentimento grande passível de conduzir a acções do género. Então porque agiu de forma tão negligente, é a pergunta que não se cala e só a UNITA pode responder.
Sectores da sociedade questionaram-se no sentido se, essa escolta da Polícia Nacional não devia ser automática; se mesmo sem solicitada, a Polícia não deveria ter aparecido no local e hora da partida com a competente escolta. A resposta é não. Por várias razões das quais elencaremos apenas três: a primeira é a que já foi apontada aqui; a não solicitação de escolta adicional significa que os protegidos acham que a que possuem é suficiente. A segunda é que a UNITA já deu bastantes provas de desconfiar e não acreditar nas instituições em geral e a PNA em particular; não se poria de parte a escolta enviada ser humilhada, quiçá expulsa a pretexto que estaria lá para espiar e reportar os seus actos, tal como faz, aliás, com os jornalistas dos órgãos de comunicação social públicos. A terceira é que a deslocação de uma unidade policial em serviço de escolta implica uma preparação logística, operativa e de inteligência policial sob pena de ela mesma falhar e, aí sim, assumir o ónus dessa falha. Deve por isso ser requisitada com tempo útil. Será por essa razão que o Comando Provincial da Polícia no Kuando-Kubango no comunicado a propósito que emitiu no ponto 4 "... apela aos partidos políticos, no sentido de colaborarem com as autoridades sempre que realizarem actos de massa, para que os órgãos afectos à Polícia Nacional procedam ao devido asseguramento...".
Esperamos todos - digo assim para não seguir o (mau) exemplo do meu amigo Deputado Liberty - que a UNITA tenha cometido estas falhas clamorosas de gestão da deslocação dos seus deputados por outros motivos que não colocar deliberadamente em risco a vida dos intebgrantes da delegação, entre os quais se encontrava o meu dilecto amigo Dr. Maurílio Luiele. Porque se assim for, ela terá que ser responsabilizada disciplinarmente na Assembleia Nacional e politicamente pelos seus militantes e cidadãos em geral.
Finalmente, uma última lição: Muitas vozes têm vindo a alertar que a postura de ridicularização, achincalhamento e apoucamento das instituições do Estado em que a UNITA embarcou é, em última análise, uma estratégia de efeito boomerangue que acaba a atingindo ela mesma. Disse-o quando desvalorizou a CNE e o Tribunal Constitucional, repeti-o quando achincalham o Presidente da República, as FAA e Polícia Nacional e reitero agora perante este triste episódio em análise. É que, tal como Adalberto da Costa Júnior quer quase à força que o PR o receba apesar de sequer ter reconhecido a sua vitória, as entidades protocolares da UNITA querem merecer o asseguramento a que têm direito apesar de dizerem aos quatros ventos que "a Polícia não presta", "é do MPLA", etc. Como resultado, na hora H apenas e só recebem aquilo que lhes é devido por lei. Sem mais nenhum acréscimo, aquele gesto adicional que nasce da boa vontade e da empatia. E essas coisas acabam por acontecer.
No caso do Kuando-Kubango, o Secretário Provincial da UNITA e o governador não se cruzam. Com o Comandante da Polícia idem aspas. E porquê? Porque os líderes passam a vida a insultar-se uns aos outros (na sua ignorância acham que isso é fazer política de oposição). Nada mais errado. Não há condições para o diálogo político-institucional. O resultado são essas cartas insonsas que não comunicam e quando comunicam só causam mais ruído. Ao invés do diálogo olhos nos olhos do tipo com que o Liberty Chyiaka e o João Baptista Kussumua resolviam no Huambo - na altura o principal foco desse tipo de incidentes - os problemas mais bicudos de intolerância política.
Voltando à pergunta de partida deste "frente a frente": que existe Impopularidade da UNITA na área em que o incidente ocorreu, é um facto. Se houve ou há encenação da UNITA isso só as autoridades competentes o podem dizer depois das investigações em curso. Que houve falha de segurança, isso houve da parte dos organizadores da deslocação. Clamorosa! Agora, que houve acção de milícias do MPLA é um total e autêntico absurdo pelo qual Liberty Chyiaka devia pedir desculpas à Nação.n

*Comunicólogo e membro do Comité Central do MPLA