Por onde se deve começar, quando a figura de que pretendemos falar responde pelo nome de Luandino Vieira: língua, literatura, nacionalismo ou história?

Bem, comecemos pelo seu aniversário - assinalado na segunda-feira, 4 -, até porque não são todos os dias que se celebram 85 anos.

Nascido José Vieira Mateus da Graça, em 1935, numa vila portuguesa conhecida como Nova de Ourém, adoptou o nome de José Luandino Vieira após a independência de Angola, tornando oficial uma designação que já usava como pseudónimo e com a qual havia vivido na primeira pessoa momentos importantes da luta angolana contra o colonialismo português.

Por exemplo, na década de 1960, embora estivesse preso no Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde), Luandino continuava a afrontar o regime colonial português, pois o seu livro Luuanda (publicado em 1963) valoriza personagens dos pobres musseques luandenses, sendo premiado em Angola e em Portugal, o que contrariava as regras da época.

Por conseguinte, esta elevação de um estrato social que o regime de Salazar se esforçava em silenciar irritou profundamente a então Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), que não apenas proibiu a circulação/leitura de Luuanda como também vandalizou e mandou encerrar as sedes da Sociedade Cultural Angolana e da Sociedade Portuguesa de Autores, as duas instituições que haviam distinguido a obra, em anos diferentes.

Por isso, em breve entrevista ao Novo Jornal, o professor Manuel Muanza não hesita em afirmar que Luandino Vieira ocupa "um lugar excepcional" nas letras angolanas. Docente do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda, Muanza recorda que Luandino cultivou na narrativa de ficção um discurso que incorpora o "falar do musseque".

Doutorado em Literaturas Africanas em Língua Portuguesa, Manuel Muanza divide em várias perspectivas e contextos históricos a estratégia de construção do texto literário do autor de Luuanda. Uma delas, segundo o professor, tem a ver com a intenção de "codificar a mensagem" de protesto contra o regime colonial, que, na época, havia imposto um "modelo de fala considerado correcto" e que era igualmente uma "condição para ascensão do angolano ao estatuto de assimilado".

"Do ponto de vista cultural, as entidades fictícias que falam nos textos de Luandino Vieira içam a bandeira da afirmação", analisa Manuel Muanza, que considera que, ao aproveitar o «linguajar do musseque» para elaborar o discurso ficcional, Vieira "dá voz àqueles que, embora a tenham, continuam resignados, pois o modelo de uma fala correcta ainda ergue barreiras aos desejos de realização material dos direitos".

Um "eremita de trato fácil"

A figura de Luandino Vieira, entretanto, não é apenas elogiada por quem se dedica ao estudo da sua obra. Por exemplo, o adido cultural de Angola em Portugal, Luandino Carvalho, revela que o pai, Rui Carvalho, era muito chegado ao nacionalista e escritor e, como forma de homenagear o amigo, deu o nome daquele ao próprio filho.

Deste «apadrinhamento», nasceu entre os dois «Luandinos» uma amizade que dura até hoje. Desafiado a revelar como é o escritor fora das «luzes da ribalta», Luandino Carvalho descreve o «chará» como um "eremita" que "gosta muito da natureza e dos animais", além de ser "muito divertido e de fácil trato".

"Lembro- me que ele tinha um burro chamado Gaspar e um peixe chamado Lenine", revela Luandino Carvalho, sorridente.

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)