Em Moscovo, o Presidente russo parece ter na manga todos os ases de trunfo que precisa e basta-lhe esperar pelo momento certo para os meter em cima da mesa, porque foi precisamente isso que fez ao ligar a Donald Trump horas antes deste receber em Washington o Presidente ucraniano.

As malas de Volodymyr Zelensky já estavam feitas e prontas a levar para o aeroporto quando se soube, com enorme estrondo mediático, que Putin tinha ligado a Trump e que os dois "velhos amigos" resolveram baralhar tudo de novo e voltado a dar as cartas, deixando o ucraniano com os restos do baralho, dividindo entre si os ases...

Todos se lembram que, aquando do rugoso encontro de Zelensky e Trump na Casa Branca, a 28 de Fevereiro deste ano, Trump, de dedo em riste, disse a Zelensky, antes deste ser literalmente expulso da sala, que não tinha "as cartas" e que devia começar a recuar na postura mais exigente face a Moscovo no contexto da guerra.

Nesse momento, como se pode ler (aqui), a generalidade dos analistas convenceram-se que a guerra tinha um vencedor claro, que era a Rússia, porque os EUA estavam a sair de cena, embora, Zelensky tenha voltado, nas semanas seguintes, a ter novas e melhores cartas.

Que voltou a perder a 15 de Agosto, quando Trump recebeu Putin em Anchorage, no Alasca, onde, mais uma vez, Zelensky tenha, em Kiev, deitado as mãos à cabeça, em desespero, porque parecia mesmo que o russo e o americano tinham definido o derradeiro plano para acabar a guerra com a Ucrânia sem quaisquer cartas para jogar.

A Europa inútil e ignorada

Isto, porque os aliados europeus de Kiev, sem meios nem dinheiro para substituir o apoio norte-americano aos ucranianos, ficavam impotentes perante as constantes mudanças na bússola de Donald Trump onde este é dono e senhor do norte pelo qual Zelensky está obrigado a orientar-se.

Só que, entretanto, se há ponto cardeal mal definido na bússola da diplomacia global neste momento histórico em todo o mundo, é o "norte" de Donald Trump e, num piscar de olhos, aparentemente influenciado pelos líderes europeus, totalmente empenhados em boicotar os planos de Putin, o norte-americano atirou para a caótica situação em torno da Ucrânia, a possibilidade de enviar mísseis Tomahawk para Kiev atingir a Rússia em profundidade devido ao seu alcance de 2400 kms.

Mais que ameaçar entregar estes mísseis, com potencial nuclear, para a Ucrânia, logo depois de Zelensky ter dito que se lhe fossem entregues, iria "apagar" Moscovo, Trump publicou um pequeno texto na sua rede social, a Truth Social, onde diz quer Kiev pode e deve expulsar os russos dos seus territórios, como avançar para dentro da Federação Russa, tomando parte dos seus territórios...

Com a ameaça do envio destes mísseis, mesmo que se trate de um problema mais de simbolismo que de efectiva ameaça à Rússia, porque são não apenas antyigos, da década de 1970, mas lentos e facilmente destruídos pela moderna parafernália de sistemas anti-aéreos russos, Trump parecia estar a ceder à pressão dos falcões de guerra europeus e dentro da sua Administração.

Apesar de vários analistas, como o português major-general Agostinho Costa, ou o norte-americano, antigo analista da CIA, Ray McGovern, terem vindo de imediato alertar para a impossibilidade destas armas chegarem a Kiev, porque existem poucas nos EUA e são de uso, quase, exclusivo da marinha, a partir de navios de superfície e submarinos, em Moscovo começaram a surgir sinais de ruptura na moderação de Vladimir Putin, ameaçada pela linha dura do Kremlin (ver aqui).

Os Tomahawk como inesperada chave para a paz?

E é neste contexto de imprevisibilidade da resposta de Moscovo ao caso dos Tomahawk, porque Putin e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, vieram a público lembrar que estas armas só podem ser usadas com plena intervenção de pessoal operacional norte-americano, o que colocaria os EUA e a Rússia em situação de guerra.

E quando, pelo menos era isso que noticiavam a generalidade dos media ocidentais, Zelensky estava a chegar a Washington para receber das mãos de Trump entre 20 a 50 mísseis Tomahawk, Trump e Putin estavam a combinar um segundo tête-à-tête, desta feita em Budapeste, na Hungria, provavelmente no final deste mês de Outubro.

E antes de Volodymyr Zelensky deixar Washington, claramente frustrado pela recusa da oferta dos Tomahawk com que pretendia "apagar" Moscovo, já os media estavam a dar destaque ao novo encontro entre Trump e Putin na Hungria, no qual o norte-americano garante agora que tem de ficar claro que Kiev aceita a perda dos territórios já conquistados pelos russos.

"Eles têm de parar onde estão, deixarem de se matar uns aos outros, irem para casa, congelar o conflito onde está...", disse Trump aos media que o acompanham em permanência, defendendo que Kiev tem de aceitar as perdas territoriais e os russos devem ficar satisfeitos com o que já possuem.~

Segundo o Financial Times, o encontro Trump-Zelensky na Casa Branca, que desta feita não contou com a presença dos jornalistas, foi "muito tenso", havendo mesmo analistas que dizem ter sido "dramático", e que o ucraniano regressou a Kiev com a incumbência de escolher aceitar as perdas territoriais ou perder todo o apoio norte-americano, porque é isso mesmo que o tête-à-tête com Putin em Budapeste vai reconfirmar.

Zelensky, o "realista"

Parecendo estar consciente disso, o Presidente ucraniano, ainda em Washington, não admitiu baixar já os braços, mas, no que diz respeito às perdas do território para a Rússia, afirmou ser uma questão por fechar, admitindo, porém, que no que toca aos Tomahwak, é "realista", admitindo assim que esse assunto estará fechado a seu desfavor.

Sendo certo que a bússola de Trump tem um "norte" muito flexível, e pode mudar de um momento para o outro, nas capitais europeias, também começa a surgir uma mudança magnética de polos prioritários, como o demonstra uma recente intervenção de um influente antigo chefe militar do Reino Unido, que veio dizer que "a Ucrânia nunca conseguira derrotar a Rússia".

O marechal-de-campo David Richards, ex-CEMGFA britânico, numa inesperada vinda a público "marchar" em contra-mão com a posição oficial de Londres, mas que muitos analistas sublinham que não acontece sem o conhecimento do Governo de Keir Starmer, apontar para a inevitabilidade da derrota ucraniana.

Na entrevista a The Independent, com o peso extra de o Reino Unido ser unha com carne com os EUA no que toca à política externa, e nada disto poder sequer ter a possibilidade de surgir por um inédito descontrolo estratégico, David Richards, que foi igualmente um comandante destacado na NATO, justifica a inevitabilidade com a escassez de apoio ocidental a Kiev.

"A minha opinião é que os ucranianos não poderão ganhar e nem se obtiveram agora todo o apoio possível, porque lhes falta o essencial, que é soldados para manter os combates e operar os equipamentos", disparou David Richards.

O marechal-de-campo britânico que comandou as forças da NATO no Afeganistão e comandou as Forças Armadas do Reino Unido entre 2010 e 2013, disse que a única forma de reverter o quadro negativo para Kiev seria a NATO entrar na guerra.

Neste ponto acrescentou a NATO nunca entrará nesta guerra "porque a Ucrânia não é uma questão existencial" para os países que a integram mas, alertou, "é uma questão existencial para a Rússia", com tudo o que isso implica para a maior potência mundial nuclear.

Europa mostra estar a ceder à... realidade

Certo e seguro neste momento decisivo no que diz respeito ao conflito na Ucrânia é que o encontro de Putin e Trump em Budapeste, ao contrário do que sucedeu antes do "meeting" do Alasca, não está, pelo menos para já, a merecer o mesmo tipo de reacção furiosa nas capitais da Europa Ocidental e nem sequer os líderes da União Europeia, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, ou a sua chefe da diplomacia, Kaja Kallas, parecem estar ainda "dormentes" face à evolução dos acontecimentos.

Pelo contrário, as escassas reacções conhecidas, como a que se pode ler na EuroNews, um canal umbilicalmente ligado a Bruxelas, avança mesmo que a Europa recebeu com "ligeiro optimismo" este encontro de Budapeste e na Alemanha até se começou já a falar em abertura de excepções para que o avião de Putin possa sobrevoar o espaço aéreo europeu.

Isto, porque sobre Putin permanece activo o mandato de captura do Tribunal Penal Internacional, bem como a disponibilidade da Hungria para o acolher parece estar a ser melhor compreendida que o que sucedeu com os EUA quando Putin foi ao Alasca.

Para já, o encontro em Budapeste, possível porque o primeiro-ministro Viktor Orban é amigo de Putin e de Trump, e nunca deu muita importância às críticas de Bruxelas sobre a sua proximidade com Moscovo, está a ser preparado entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, liderado por Sergei Lavrov, e o Departamento de Estado norte-americano, com Marco Rubio à frente.

Paralelamente a estes avanços diplomáticos, no campo de batalha é, ainda, a Rússia que assume a iniciativa e vai conquistando algumas localidades relevantes em Donetsk e em Zaporizhia, com os combates sobre Pokrovsk a dominarem as atenções, porque se esta grande cidade cair, as formas de Moscovo terão caminho aberto para as margens do Rio Dniepre.