Este encontro, o segundo presencial entre russos e ucranianos desde Abril de 2022, quando as negociações entre Kiev e Moscovo foram interrompidas, levando a guerra para uma caminhada de mais de três anos, estava, porém, condenado pelos acontecimentos recentes.
E só não foi anulado porque nem ucranianos nem russos quiseram dar espaço de manobra ao Presidente dos EUA, Donald Trump, o seu principal impulsionador, para os acusar de estarem a destruir o seu trabalho de mediador e pacificador.
Os russos não devem ter sequer aceitado prolongar a conversa além do mínimo para não enfurecer Trump, porque se o fizessem seria uma manifestação de debilidade face aos ataques recentes dos ucranianos na Rússia, os mais sérios e graves desde a II Guerra Mundial.
Como pode ser revisitado aqui, uma acção planeada ao longo de 18 meses, como avançou o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que a considerou "brilhante", levou a destruição a cinco bases aéreas russas, algumas delas a mais de 4 mil kms da fronteira ucraniana.
Nesta operação foram destruídos vários aviões de guerra estratégicos russos, os bombardeiros TU-95 e TU-22, e pelo menos um A-50 Beriev, de vigilância electrónica, naquilo que é o mais severo e humilhante ataque na Rússia desde a II Guerra Mundial, quando Moscovo ainda era a capital da União Soviética.
Além destes aviões destruídos, 40, garante Kiev, entre seis e 10, apontam fontes próximas da Rússia, os ucranianos realizaram ainda duas operações de destruição de pontes sobre ou sob linhas de comboios, quando estavam a ser usadas, matado pelo menos 7 pessoas e ferindo dezenas.
Perante este cenário, que tem ainda por pano de fundo cerca de uma semana de intensa troca de ataques com drones e misseis, como é que, questionam analistas próximos de Moscovo, poderia a Rússia levar a reunião de Istambul a sério e manter uma postura "diplomática" com quem acabou de desferir a maior humilhação à Rússia em quase um século?
No entanto, para manter as aparências, russos e ucranianos admitiram deixar saber que acordaram em negociar novas trocas de prisioneiros de guerra, como o Presidente Zelensky avançou logo após o fim da reunião-relâmpago de Istambul, e a devolução mútua de 6 mil corpos de militares tombados no campo de batalha.
E a TASS, a agência oficial russa, avançou que as partes concordaram em definir um novo calendário para uma terceira reunião, embora ainda sem data ou geografias definidas.
Mesmo que nalguns media este tema esteja a ser abordado como mais uma etapa normal no processo negocial encetado pelo Presidente norte-americano, o facto mais relevante é que o mundo está agora a aguardar pela dimensão da resposta russa à humilhação que lhe foi infligida pelos ucranianos.
Até porque Kiev, com esta "brilhante" operação, como a definiu Zelensky, demonstrou que tem cartas na manga que Moscovo não consegue antecipar e que no futuro estas serão a sua forma de manter a guerra em território russo face às debilidades evidentes na frente de batalha, onde os russos acrescentam diariamente novas localidades ao "mapa" russo.
Apesar deste desfecho inesperado, e já horas depois da reunião ter terminado de forma abrupta, foi divulgado pela Turquia que as duas partes conseguiram chegar a acordo para a troca de todos os prisioneiros feridos e com menos de 25 anos.
Mas não se soube ainda nada da proposta russa para servir de "road map" para futuras negociações, tendo Kiev feito saber que não se pronunciou ainda sobre esta por a ter recebido apenas hoje.
Para os próximos dias, ou horas, ficam as atenções focadas na reacção russa, porque além da resposta à Kiev, o Kremlin poderá ter de lidar com "o" mais sério problema norte-americano.
Os operacionais ucranianos conseguiram introduzir camiões com contentores disfarçados onde movimentaram os drones usados nos ataques, usando, crê-se, porque a informação sobre esse pormenor é escassa, comandos por satélite para o dirigir aos alvos.
E é aqui que outro problema poderá surgir, porque a Ucrânia não possui satélites e a rede Starlink, de Elon Musk, que serve Kiev na guerra, não está acessível na Rússia, o que implica a possibilidade de os ataques terem sido desferidos com apoio ocidental, através dos satélites militares norte-americanos, o mais provável, mas eventualmente franceses ou britânicos.
Se tal vier a ser demonstrado, Washington perde mais um degrau na sua condição de mediador do conflito entre KIev e Moscovo porque foi e é um co-beligerante ao permitir, e ajudar a organizar, um dos mais devastadores ataques em solo russo desde a II Guerra Mundial.
Nas regiões atingidas, Murmansk, no Árctico, Ivanovo e Ryazan, no centro da Rússia, Irkutsk, na Sibéria, e Amur, já próximo da costa com o Oceano Pacífico, seria absolutamente impossível o comando dos drones FPV, com câmara que permite ao controlador ver o alvo guiando o drone para ele, via rádio a partir da Ucrânia.
Esse comando foi, como se vê nalguns vídeos divulgados nas redes sociais ucranianas, efectivo com drones de vigilância a sobrevoar as bases aéreas e os kamikazes a despenharem-se sobre os alvos estacionados nas pistas, sem qualquer protecção, o que também expos a falha de segurança nestas infra-estruturas estratégicas russas.
É que, além da sua importância para o lançamento das vagas de misseis sobre a Ucrânia, estes aparelhos, tanto os TU-95, aviões de grande porte quadriturbo a hélice, e os TU-22, supersónicos, integram a "tríade nuclear" da Federação Russa, que é composta pelos navios da Marinha Russa, os silos de lançamento terrestre e os aviões-bombardeiros estratégicos.
O que significa que com, a confirmar-se, 35% dessa capacidade destruída num dos pilares fundamentais da "tríade nuclear" russa, que é a componente aérea, a Federação Russa não sofre apenas um revês gigantesco na capacidade de infligir ataques na Ucrânia, fica igualmente desguarnecida no quadro global do equilíbrio estratégico com os Estados Unidos e os restantes países da NATO.