Não é para já que o sangue vai deixar de correr pelas trincheiras que dividem a Ucrânia "livre" e os territórios ocupados pelas forças russas desde Fevereiro de 2022, apesar de tanto ucranianos como russos afirmarem hora a hora que quererem a paz, ou norte-americanos e europeus repetirem que também a desejam... o problema é que a "paz" tem exigências muito diferentes para todos eles.
Depois do encontro no Alasca (ver aqui) ficou claro que, apesar das ardentes expectativas, o bom ambiente entre Trump e Putin não seria suficiente para fechar a comporta da violência que flui pelo leste da Ucrânia, até porque em Kiev, o Presidente Zelensky já estava a ser convencido pelos seus aliados europeus para não ceder à primeira.
E isso foi claro quando, nas horas seguintes, se soube que os líderes europeus acompanhariam Volodymyr Zelensky a Washington para um encontro com a Trump na Casa Branca, passando a expectativa global para essa reunião, que, como se pôde verificar (ver aqui) apenas confirmou que a palavra paz não é traduzida da mesma forma por alemães, franceses, italianos, britânicos ou ucranianos, russos e americanos...
Um exemplo dessa difícil hermenêutica é verificar que, mesmo depois de Trump e Putin, no Alasca, terem definido que não haveria cessar-fogo prévio a um acordo de paz e que a entrada na NATO era carta fora do baralho para Kiev, o chanceler alemão, Friedrich Merz, foi à Casa Branca exigir um cessar-fogo imediato e sem condições a Moscovo e o Presidente francês, Emmanuel Macron, na mesma ocasião, defendeu que deve ser enviado para a Ucrânia um forte continente militar ocidental, quer o Kremlin aceite, quer não...
Alguns analistas, como o major-general Agostinho Costa, não têm dúvidas de que os europeus não estão contentes com o fluir das negociações russo-americanas e procuram fazer descarrilar o processo negocial, levando Trump de novo para a sua linha dura anti-russa, que é fundamental para que a ideia de "paz pela força" prevaleça, porque Paris, Londres e Berlim, claramente secundarizadas por Moscovo e Washington, não têm capacidade nem política nem militar para impor a sua vontade...
Apesar deste contexto de expectativas e factos promissores saídos da reunião do Alasca, o encontro de Washington entre Donald Trump e os lideres europeus voltou a reduzir a velocidade para um acordo de paz, embora o anfitrião tenha feito um claro finca-pé quanto à impossibilidade da entrada da Ucrânia na NATO, impondo a ideia de que não vai ser possível obrigar Moscovo a ceder todos os territórios conquistados pelas armas e que os EUA não vão enviar forças militares como garantia de segurança para Kiev no pós-guerra.
Alias, a questão de os líderes europeus, todos, terem feito um forte sublinhado na questão das garantias de segurança para Kiev quando cessarem as hostilidades presentes, mostra que as capitais europeias começam a admitir outra flexibilidade, indo de encontro às posições norte-americanas no que toca à cedência de territórios aos russos...
Naturalmente que este processo, com a "sabotagem" parcialmente bem-sucedida dos europeus junto de Washington, que resulta de os norte-americanos precisarem deles para lhes comprarem armas e para pagar, mais tarde, a reconstrução da Ucrãnia, pode não impedir que a paz chegue, mas garante que essa vai levar muito mais tempo e vai precisar de um calendário flexível para constantes extensões de prazos.
Isso mesmo já percebeu a Casa Branca que, segundo a sua chefe de protocolo, Monica Crowley, citada pela TASS, disse que existe essa consciência de que não vai ser de um dia para o outro que o conflito chegará ao fim.
Em declarações à Fox News, Crowley elogiou as negociações em curso mas colocou claramente água na fervura, provavelmente por orientação de Donald Trump, visto que, normalmente não é à responsável pelo protocolo a quem compete este tipo de papel, sublinhando que tanto o encontro no Alasca como com os europeus na Casa Branca foram positivos e mudaram as perpectivas de negativas para positivas.
Já em Paris, depois de chegar dos EUA, Emmanuele Macron mostrou que a possibilidade de a sabotagem do processo de paz não é uma ideia descabida ao dizer, numa entrevista à TF1, que Vladimir Putin é um "ogre (monstro das fábulas) às portas da EUropa" e que é "alguém em quem não se pode confiar" sendo "uma ameça permanente".
Enquanto isso, no Kremlin pouco tem sido dito de novo depois do Alasca, ficando suspenso sobre todos aqueles que estão envolvidos neste processo, a advertência de Vladimir Putin, ainda em Anchorage, para os europeus não tentarem (parece que estava a adivinhar) sabotar nos bastidores os resultados positivos conseguidos no seu encontro com Donald Trump.
Uma coisa é certam, se, como afirmou o chefe do Kremlin, os líderes europeus se organizaram como grupo de sabotagem na ida a Washington, foi o próprio Donald Trump que lhes abriu a porta... mesmo que o mesmo Trump, a meio da reunião, como o próprio anunciou, os tenha abandonado circunstancialmente para ligar a Putin de modo a informá-lo sobre o andamento da reunião com os "sabotadores".