E quase conseguiu graças à firme oposição de Madiba - nome tradicional de Nelson Mandela - contra quaisquer formas de ajuste de contas com a minoria branca, determinando com a sua acção, mesmo contra muitos dos seus companheiros de infortúnio durante os 27 anos que esteve preso na ilha-prisão de Robben Island, que estes também eram sul-africanos e, como tal, com um lugar na nova sociedade em construção no país.

Se o racismo branco sobre os negros terminou, e os casos de racismo negro sobre a comunidade branca foi-se esbatendo, apesar de nos últimos anos terem surgido políticos como Julius Malema, líder dos extremistas de esquerda do Economic Freedom Fighters (Combatentes pela Liberdade Económica, em português) a defenderem claramente políticas apologistas de tirar aos brancos o que estes acumularam durante o regime segregacionista do apartheid para dar hoje às comunidade negras empobrecidas , o fenómeno da xenofobia, ou afrofobia, como muitos lhe chamam, recrudesceu de forma substancial e com episódios cíclicos.

O racismo distingue-se da xenofobia mesmo que tenham bases comuns. O primeiro opõe os indivíduos pela questão biológica, com a tonalidade da pele como ponto emblemático, enquanto a a xenofobia é o medo do outro, do estrangeiro, com a cor da pele a assumir um papel menos preponderante que no racismo.

E é a xenofobia que vem num perigoso crescendo na África do Sul desde que o país realizou as suas primeiras eleições democráticas, em 1994, com a mira apontada às comunidades estrangeiras, com destaque para moçambicanos e zimbabueanos, que ocupam a base da pirâmide social procurando trabalho desqualificado socialmente como no sector mineiro ou na agricultura, especialmente nas províncias do Cabo, Gauteng, Limpopo ou Kwazulo Natal.

Por detrás destes episódios de violência está, segundo vários analistas, a forma como as comunidades estrangeiras, imigrantes, são encaradas, como estando a "roubar" o emprego aos sul-africanos, num contexto social de crescente desemprego, de crise económica profunda, e como alguns políticos apontam o dedo aos estrangeiros como meio de sacudir a água (responsabilidade) do capote (da sua incapacidade para resolver os problemas).

Exemplo disso mesmo foi o discurso televisionado do Presidente sul-africano, Cyriil Ramaphosa, pouco antes deste novo episódio de violência xenófoba.

Em período eleitoral para as eleições de 08 de Maio, quando a África do Sul vai conhecer a nova composição do seu Parlamento, que vai determinar, segundo o sistema eleitoral local, o Presidente do país, e ainda os eleitos das assembleias regionais, Cyril Ramaphosa, num discurso proferido na passada semana, deitou achas para a fogueira do ódio xenófobo no país, despoletando mais uma vaga contra estrangeiros, especialmente dos países vizinhos.

Desta feita, Ramaphosa, que é tido como um político moderado e pouco dado a radicalismos de natureza racial ou xenófoba, atiçou os ânimos contra os pequenos comerciantes que se instalam nas townships - musseques sul-africanos -, na sua grande maioria estrangeiros oriundos dos países limítrofes ou ainda do Paquistão, Índia ou Bangladesh.

As palavras que levaram a chama ao rastilho social na África do Sul, transmitidas num canal de TV, a 20 de Março, e nas redes sociais, foram estas: "Todos chegam às nossas townships e montam negócios sem ter licenças e autorizações, mas vamos acabar com isso e quem estiver ilegal, tenha a origem que tiver fica a saber que isso vai acabar".

Daqui à violência contra estrangeiros em cidades como Durban, espalhando-se depois para o resto das províncias do Limpopo e do Kwazulo Natal, foi um piscar de olho, resultando em mortos, pelo menos cinco, e dezenas de feridos, lojas pilhadas e incendiadas, fábricas destruídas por empregarem estrangeiros, camiões queimados, viaturas incineradas...

O Governo de Ramaphosa veio de imediato negar que se trate de violência xenófoba apelidando-a de criminalidade vulgar, mas o mal estava feito e os países da SADC rapidamente vieram a público dizer que começavam a estar fartos da irresponsabilidade dos lideres sul-africanos, exigindo mais cuidado na linguagem escolhida em tempos de campanha eleitoral.

Um dos problemas que a sociedade sul-africana vive resulta do elevado número de refugiados que procuram o país desde os anos de 1980, onde mais de 300 mil moçambicanos assentaram as suas vidas, até à segunda metade da década de 1990, quando a democracia abriu as portas a pelo menos mais 150 mil de países como o Zimbabué.

Não é bem assim, dizem ONG"s

Mas este problema não parece colher junto dos organismos de defesa dos Direitos Humanos porque, comparado com o número total de habitantes da África do Sul, cerca de 57 milhões, o número de estrangeiros neste estatuto é irrisório, embora seja verdade que, enquanto país mais industrializado da África Austral e mesmo do continente africano, atrai anualmente dezenas de milhares de migrantes de países pobres, incluindo Paquistão ou o Bangladesh, que procuram fugir à miséria, às guerras ou mesmo à seca e às doenças.

Para as ONG"s sul-africanas que lidam diariamente com este problema, incluindo a Comissão dos Direitos Humanos da África do Sul (SAHRC), a mais importante organização com activismo nesta área, está por provar que os ataques xenófobos resultem directamente de problemas sociais, como o desemprego ou a pobreza das comunidades das maiorias étnicas, como a Zulu ou a Xhosa.

Estes são fruto de um passado efectivamente violento, onde matar emerge como algo banal ou ainda devido à influência de lideres comunitários, nomeadamente nas townships - musseques -, que galvanizam as suas comunidades contra os estrangeiros como método de controlo político e social ou ainda devido às palavras irresponsáveis de lideres nacionais que vêem na culpabilização dos estrangeiros uma explicação para o seu insucesso ou incompetência na criação de postos de trabalho e no desenvolvimento da economia nacional, actualmente a passar por um período de forte perda de vigor.

A acusação de dispersão de doenças como o HIV-Sida, de terem lojas que roubam clientes aos lojistas nacionais, que são criminosos fugidos dos seus países, etc, são outras das razões para os cíclicos episódios de violência contra estrangeiros, numa demonstração clara de xenofobia.

Os casos mais salientes

Desde 1994, ano do fim do apartheid, que se repetem estes episódios. Um dos primeiros foi logo em Dezembro desse ano e Janeiro de 1995, quando, na Alexandra Township, em Joanesburgo, gangues de jovens armados destruíram casas e lojas de migrantes, com forte violência contra os indivíduos apenas por serem trabalhadores estrangeiros sem documentos.

Até 2008, quando emergiu uma das mais salientes expressões de violência xenófoba, em Joanesburgo, novamente em Alexandra Township, ocorreram dezenas de episódios com estas características, como os dois senegaleses e um moçambicanos atirados de um comboio acusados de espalharem a Sida, os sete mortos na Cidade do Cabo, entre muitos outros que vitimaram estrangeiros.

Mas em 2008, a 11 de Maio, ocorreu um dos piores exemplos de xenofobia, na mesma Alexandra Township, que foi o rastilho para que a violência se espalhasse por vários outros musseques sul-africanos, por várias semanas, deixando a província de Gauteng (Joanesburgo), chegando forte a Durban e Cidade do Cabo, ou áreas rurais do Limpopo, com os alvos preferenciais a serem moçambicanos e zimbabueanos, tendo ocorrido casos de verdadeiro horror, como pessoas queimadas vivas, num rasto que se alargou a mais de 300 lojas queimadas, centenas de feridos, casas demolidas e incineradas, com cerca de 60 mortos a encimar a lista da tragédia.

Desde então, pequenos incidentes, outros maiores, como o de 2015, no Kwazulu Natal, têm sido reportados pela imprensa sul-africana e as ONG publicam anualmente relatórios, que podem ser consultados online, com várias dezenas de casos, muitos deles esporádicos, mas igualmente letais.

Resposta do Governo de Ramaphosa

Depois de vários dias, que começaram na quinta-feira da semana passada, de ataques xenófobos na África do Sul contra cidadãos de países vizinhos, incentivados por palavras de políticos, como o Presidente Ramaphosa, em contexto eleitoral, os embaixadores da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), no fim de um encontro com a ministra das Relações Internacionais e o ministro da Polícia, fizeram questão de mostrar a sua forte indignação e preocupação pelo facto de estes incidentes parecerem cada vez mais uma rotina.

No encontro que reuniu em Durban, a cidade mais afectada pelos violentos ataques às comunidades estrangeiras, os embaixadores da SADC e a responsável pela diplomacia sul-africana, Lindiwe Sisulu, e o ministro da Polícia, Hamilton Cele, o embaixador da Zâmbia, Emmanuel Mwamba, manifestou, em nome do grupo de embaixadores, que inclui o angolano, a preocupação pelo facto de estes ataques parecerem cada vez mais "uma rotina".

"Preocupa-nos o facto de haver eleições a 08 de Maio - eleições gerais - e os estrangeiros estarem a ser acusados de serem os responsáveis pela falta de emprego, falta de habitação, de serviços e de oportunidades na África do Sul para os sul-africanos", disse o diplomata da Zâmbia, acrescentando que os políticos "têm de falar com responsabilidade" para não despoletarem estes ataques de raiva.

"Temos que pedir aos nossos líderes políticos que não falem de maneira descuidada, que falem com responsabilidade, porque os cidadãos estrangeiros, legalizados ou não, têm direitos humanos fundamentais", salientou o diplomata zambiano num recado directo ao Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, que foi quem incendiou a situação e despoletou esta sucessão de ataques de ódio que somaram dezenas de feridos e um número indefinido ainda de mortos.

Alguns analistas consideram que estas repetidas tentativas de atirar para cima dos estrangeiros as culpas pelo estado em clara degradação da economia sul-africana é a forma mais rápida, mas também a mais desastrosa, de os responsáveis pelo Governo do país lidarem com o facto de não estarem a conseguir estancar a gangrena económica que começou pouco depois da transição do regime racista do apartheid para a democracia que a África do Sul vive desde 1994 com o Congresso Nacional Africano (ANC) sempre no poder.

A ministra das Relações Internacionais, Lindiwe Sisulu foi a primeira a sair a público para tentar reparar os danos provocados pelas palavras de Ramaphosa, enfatizando as preocupações do Governo do ANC, partido histórico que dirige o país desde o fim do apartheid mas que tem vindo a perder fulgor eleitoral no país nos últimos actos eleitorais devido não só à corrupção mas essencialmente pela aparente incapacidade para resolver os problemas económicos da África do Sul e que tem nestas eleições de 08 de Maio um teste de extrema importância para o seu futuro.

"Reconhecemos (o Governo a que pertence) os sacrifícios de cidadãos de muitos países africanos que foram muito importantes para o fim do regime do apartheid", disse a ministra, procurando atenuar o ímpeto sanguinário contra as comunidades estrangeiras, com os ataques massivos contra moçambicanos e zimbabueanos há uns anos, que fizeram muitas dezenas de mortos.

Ramaphosa, de incendiário a bombeiro

A África do Sul está a viver mais um período de intensa conflitualidade social com raízes xenófobas que se traduz em múltiplos ataques contra cidadãos estrangeiros, especialmente nas regiões do Kwazulu-Natal e Limpopo, com o Presidente Cyril Ramaphosa a assumir um protagonismo dúbio nesta nova "guerra" social no país mais austral e mais rico do continente africano.

Em período eleitoral para as eleições de 08 de Maio, quando a África do Sul vai conhecer a nova composição do seu Parlamento, que vai determinar, segundo o sistema eleitoral local, o Presidente do país, e ainda os eleitos das assembleias regionais, Cyril Ramaphosa, num discurso proferido na passada semana, deitou achas para a fogueira do ódio xenófobo no país, despoletando mais uma vaga contra estrangeiros, especialmente dos países vizinhos.

Desta feita, Ramaphosa, que é tido como um político moderado e pouco dado a radicalismos de natureza racial ou xenófoba, atiçou os ânimos contra os pequenos comerciantes que se instalam nas townships - musseques sul-africanos -, na sua grande maioria estrangeiros oriundos dos países limítrofes ou ainda do Paquistão, Índia ou Bangladesh.

As palavras que levaram a chama ao rastilho social na África do Sul, transmitidas num canal de TV, a 20 de Março, e nas redes sociais, foram estas: "Todos chegam às nossas townships e montam negócios sem ter licenças e autorizações, mas vamos acabar com isso e quem estiver ilegal, tenha a origem que tiverem fica a saber que isso vai acabar".

Com registo de episódios de violência em vários pontos do país mas com destaque para a cidade de Durban, e com um registo de dezenas de feridos e vários mortos, que vão de três a mais de uma dezena, de acordo com várias fontes, carros e lojas de estrangeiros incendiadas, pessoas agredidas na rua sob a acusação de que estão a roubar os empregos aos sul-africanos, o Presidente Cyril Ramaphosa, depois de ter feito de incendiário veio a público na condição de bombeiro para tentar apagar o fogo social que o próprio ajudou a alastrar.

Mesmo que nas suas palavras não tenha recorrido ao termo estrangeiro, a verdade é que este tipo de situação não é nova na África do Sul, havendo, desde o fim do apartheid, em 1994, dezenas de períodos de grande tensão e violência xenófoba, coincidindo com o aprofundar da crise económica que o país vive, e que é cada vez mais intensa, sendo natural que as comunidades mais afectadas pelo desemprego tenha interpretado as suas palavras como uma espécie de autorização "oficial" para atacar estrangeiros.

Face ao resultado das suas palavras, Ramaphosa procurou corrigir o tiro dizendo que este tipo de incidentes "violam tudo aquilo pelo qual o povo sul-africano lutou durante muitas décadas", enfatizando a sua "firme condenação" dos episódios porque não é isso que define o povo da África do Sul.

Recorde-se que alguns dos episódios desta onda de violência foram filmados e os vídeos colocados nas redes sociais, nomeadamente de camiões e outros veículos comerciais a arder, ataques a pessoas indefesas, etc, o que gerou uma forte indignação internacional.

Malema junta-se a Ramaphosa na condenação dos ataques

Vários políticos saíram a público para juntarem as suas vozes contra os ataques dos últimos dias, entre estas as de Julius Malema ou de Nkosazana Dlamini-Zuma, uma antiga activista anti-apartheid actualmente ministra da Presidência e influente activista.

Malema criticou severamente os ataque aos "irmãos africanos" na África do Sul, porque "todos são africanos como os sul-afrcianos", afirmando mesmo, num discurso de campanha, que estes ataques são uma espécie de "ódio contra os próprios" autores dos ataques.

"Dizem que os estrangeiros estão a roubar os empregos mas mesmo que os expulsem a todos, vão continuar sem trabalho porque não existem empregos no país devido à recusa dos brancos em investirem", acusou Malema, aproveitando para regressar ao seu discurso de ódio contra a comunidade branca, que acusa de todos os males que o país enfrenta.

Nkosazana Dlamini-Zuma apelou no Twitter a todos os sul-africanos para deixarem em paz os migrantes.

"É um profundo desapontamento verificar que o nosso país está a ser palco de ataques contra estrangeiros. Estes ataques vão contra tudo aquilo em que acreditamos enquanto nação. Nós rejeitamos todos os tipos de xenofobia", disse a governante e antiga activista anti-apartheid.