Em período eleitoral para as eleições de 08 de Maio, quando a África do Sul vai conhecer a nova composição do seu Parlamento, que vai determinar, segundo o sistema eleitoral local, o Presidente do país, e ainda os eleitos das assembleias regionais, Cyril Ramaphosa, num discurso proferido na passada semana, deitou achas para a fogueira do ódio xenófobo no país, despoletando mais uma vaga contra estrangeiros, especialmente dos países vizinhos.

Desta feita, Ramaphosa, que é tido como um político moderado e pouco dado a radicalismos de natureza racial ou xenófoba, atiçou os ânimos contra os pequenos comerciantes que se instalam nas townships - musseques sul-africanos -, na sua grande maioria estrangeiros oriundos dos países limítrofes ou ainda do Paquistão, Índia ou Bangladesh.

As palavras que levaram a chama ao rastilho social na África do Sul, transmitidas num canal de TV, a 20 de Março, e nas redes sociais, foram estas: "Todos chegam às nossas townships e montam negócios sem ter licenças e autorizações, mas vamos acabar com isso e quem estiver ilegal, tenha a origem que tiverem fica a saber que isso vai acabar".

Com registo de episódios de violência em vários pontos do país mas com destaque para a cidade de Durban, e com um registo de dezenas de feridos e vários mortos, que vão de três a mais de uma dezena, de acordo com várias fontes, carros e lojas de estrangeiros incendiadas, pessoas agredidas na rua sob a acusação de que estão a roubar os empregos aos sul-africanos, o Presidente Cyril Ramaphosa, depois de ter feito de incendiário veio a público na condição de bombeiro para tentar apagar o fogo social que o próprio ajudou a alastrar.

Mesmo que nas suas palavras não tenha recorrido ao termo estrangeiro, a verdade é que este tipo de situação não é nova na África do Sul, havendo, desde o fim do apartheid, em 1994, dezenas de períodos de grande tensão e violência xenófoba, coincidindo com o aprofundar da crise económica que o país vive, e que é cada vez mais intensa, sendo natural que as comunidades mais afectadas pelo desemprego tenha interpretado as suas palavras como uma espécie de autorização "oficial" para atacar estrangeiros.

Face ao resultado das suas palavras, Ramaphosa procurou corrigir o tiro dizendo que este tipo de incidentes "violam tudo aquilo pelo qual o povo sul-africano lutou durante muitas décadas", enfatizando a sua "firme condenação" dos episódios porque não é isso que define o povo da África do Sul.

Entretanto, num esforço suplementar para atacar o problema, a ministra das Relações Internacionais e Cooperação, Lindiwe Sisulu, agendou para hoje uma reunião com os embaixadores da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, da Índia, do Paquistão e do Bangladesh, por serem as comunidades mais atingidas, com quem pretende discutir a onda de violência xenófoba, contando também com o ministro da Polícia, Bhekokwakhe "Bheki" Hamilton Cele.

Lindiwe Sisulu foi a primeira a sair a público para tentar reparar os danos provocados pelas palavras de Ramaphosa, enfatizando as preocupações do Governo do ANC, partido histórico que dirige o país desde o fim do apartheid mas que tem vindo a perder fulgor eleitoral no país nos últimos actos eleitorais devido não só à corrupção mas essencialmente pela aparente incapacidade para resolver os problemas económicos da África do Sul e que tem nestas eleições de 08 de Maio um teste de extrema importância para o seu futuro.

"Reconhecemos (o Governo a que pertence) os sacrifícios de cidadãos de muitos países africanos que foram muito importantes para o fim do regime do apartheid", disse a ministra, procurando atenuar o ímpeto sanguinário contra as comunidades estrangeiras, com os ataques massivos contra moçambicanos e zimbabueanos há uns anos, que fizeram muitas dezenas de mortos.

Recorde-se que alguns dos episódios desta onda de violência foram filmados e os vídeos colocados nas redes sociais, nomeadamente de camiões e outros veículos comerciais a arder, ataques a pessoas indefesas, etc, o que gerou uma forte indignação internacional.