Os chefes militares das Forças de Segurança de Israel (IDF, em inglês) desdobraram-se em declarações públicas durante a noite e a manhã deste Domingo, explicando o que vai acontecer depois da ocupação de dezenas de localidades e assentamentos israelitas nas proximidades de Gaza pelas Brigadas de Al-Qasam, o braço armado do Hamas, com centenas de mortos e feridos, além de um número indefinido mas seguramente mais de duas centenas de reféns feitos entre civis e militares israelitas, garantindo como facto consumado a limpeza de "todos os homens armados" no território palestino.

No entanto, a resposta israelita não demorou a ter a sua primeira etapa, com a aviação a destruir dezenas de edifícios em Gaza considerados como albergue de militantes do Hamas e áreas oficiais desta organização partidária islâmica e nacionalista que governa o território desde 2007, assim como os primeiros combates casa a casa entre o Tsahal e as Brigadas Al-Qasam nos assentamentos mais distantes da fronteira com Gaza.

Depois de refeitos da surpresa, os comandantes israelitas reagruparam as suas unidades, começando a enviar largos comboios de veículos blindados, incluindo carros de combate pesados, os famosos Merkava, e direcção à fronteira de Gaza oriundos de todo o país, para dar início a um ataque de larga envergadura sobre aquele território de 365 kms2, com mais de 2,3 milhões de habitantes, entalado entre o Mar Mediterrâneo, o Egipto e Israel.

Antes, porém, foi dada ordem de evacuação das populações israelitas das localidades mais próximas da fronteira com a Faixa de Gaza, onde mais facilmente as Brigadas Al-Qasam fazem chegar os seus inovadores drones, que começaram agora a ser usados na região como armas, copiando a guerra na Ucrânia, e onde ficou provado que podem fazer chegar os roquetes ligeiros através da tida como quase inviolável "cupula de ferro" por um processo igualmente inovador de saturação da capacidade de resposta da defesa antiaérea.

Com uma das mais densas concentrações populacionais do mundo, há mesmo quem assegure ser a mais alta, superando os 6.000 habitantes por km2, qualquer entrada em força das IDF neste território é garantido que morrem largas centenas de pessoas, como, de resto, assim sempre sucedeu nas várias ocasiões ao longo das últimas décadas.

E, desta feita, quando se conjugam os elementos de uma tempestade perfeita, esse risco é exponencialmente maior, porque os milicianos do Hamas conseguiram surpreender tudo e todos, desde os serviços secretos ocidentais, especialmente os norte-americanos, como a CIA, provavelmente empenhados em manter o foco na Ucrânia e na envolvência do conflito que ali se trava com a Rússia, a poderosa intelligentsia israelita, como a Mossad, tudo num coquetel onde o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, que tem feito toda a sua carreira a garantir a segurança dos israelitas face à ameaça palestina e radical islâmica, foi enxovalhado por um grupo pobremente armado e, até aqui, mal organizado, como são as Brigadas Al-Qasam que, agora, revelaram uma inesperada capacidade organizativa.

Se Netanyhau está obrigado a responder com punho de ferro se quiser limpar a face desta exposição de fragilidades que ninguém esperava - basta ter em conta que o Hamas capturou centenas de militares e dezenas de carros de combate pesados em diversos aquartelamentos durante a noite sem ter sido dado o alarme geral antecipadamente -, do outro lado, face ao sucesso desta operação dos homens da Al-Qasam, o risco do envolvimento doutros grupos radicais jihadistas, desde logo a Jihad Islâmica, palestina, mas também o temível Hezbollah, sedeado no Líbano mas apoiado pelo Irão, que já derrotaram a IDF no passado, são um garante de alastramento da intensidade deste guerra.

"Estamos em guerra", veio logo após se saber do ataque inicial, gritar a plenos pulmões um atrapalhado Netanyhau, que estava tão surpreso como o resto do mundo após tão audaz ofensiva palestina.

E se Israel está em guerra com a Palestina, o risco de envolvimento de países vizinhos, como, por exemplo, o Irão, o arqui-inimigo de Israel no Médio Oriente, mas também com os antigos inimigos Síria, Egipto, Arábia Saudita, que, apesar de um longo processo de lenta aproximação e diluição da fricção com Tel Aviv, podem, face a uma eventual mortandade em Gaza provocada pelas IDF, não conseguir travar os seus povos sedentos de ir em socorro dos "irmãos" palestinianos.

Recorde-se que a Palestina - que anseia por ver reconhecido o seu direito a constituir-se como Estado -, além de Gaza, conta ainda com os territórios da Cisjordânia e Jerusalém Oriental, tendo, ao longo dos últimos 70 anos, perdido, contra resoluções aprovadas por esmagadoras maiorias na Assembleia-Geral na ONU contra, embora com os vetos e votos ao lado de Tel Aviv, permanentes, dos Estados Unidos, mais de 70 por cento do seu território inicial para o Estado de Israel, que nunca parou de criar os chamados kibutz ou mesmo localidades infra-estruturadas na terras tradicionalmente palestinas.

Apesar de o Governo israelita estar a ser persuadido pela ONU e pelas grandes potências internacionais, para restringir a sua resposta contra o Hamas ao essencial, evitando levar o Médio Oriente para uma situação de catástrofe militar que pode ser imparável no curto prazo se envolver outros actores regionais, dificilmente essa limitação do uso da força terá lugar, porque sem uma vitória inequívoca sobre o Hamas, Benjamin Netanyhau não consegue limpa a face da humilhação a que foi sujeito.

Há ainda, como estão a sublinhar vários analistas militares e especialistas em geoestratégia, provavelmente esta guerra israelo-palestina - ou israelo-árabe -, uma das várias que já ocorreram desde 1948, ano da fundação do Estado de Israel, está a acontecer num contexto global único e, por isso, impossível de antecipar as consequências, seja porque as grandes potências que, normalmente se intrometem nestes conflitos regionalizados, estão actualmente com a atenção máxima na guerra da Ucrânia, a Rússia como uma das partes em conflito, e os EUA na condição de apoiante decisivo de Kiev no esforço de guerra contra Moscovo.

Mas o mais importante poderá ser, como já está a ser admitido como certo, o apoio na organização e armamento das Brigadas Al-Qasam por parte do Irão, o que eleva o grau de dificuldade para as IDF, além de que a possibilidade de entrada na atrição com Tel Aviv do Hezbollah eleva a questão para patamares de consequências ilimitadas, e ainda porque os homens do Hamas contam agora com centenas de de carros de combate pesados tomados ao Exército israelita, peças de artilharia, munições aos milhares e há quem avance que até helicópteros israelitas foram levados para Gaza.

Com este poder de fogo aumentado, seja por via do apoio de Teerão, seja com as armas tiradas às forças israelitas, uma entrada em força das IDF em Gaza vai conduzir a um elevado número de baixas entre os soldados israelitas, entre os civis palestinos mas também entre as centenas de civis israelitas feitos reféns pelas Brigadas Al-Qasam durante os raides de Sábado em dezenas de aldeias e cidades israelitas nas últimas 24 horas.

Há ainda outro problema que não pode ser antecipado nas suas eventuais consequências, que é o que pode acontecer fora das fronteiras em brasa do Médio Oriente, até porque já há notícias de turistas israelitas mortos, como é o caso do Egipto, ao que tudo indica, no rasto do que está a suceder em Gaza.

Os EUA já prometeram "todo o apoio a Israel" para se defender deste "ataque terrorista", o que não surpreende porque desde a sua fundação que Washington ignora a Carta das Nações Unidas sobre a proibição de ocupar territórios pela força, como Israel tem feito vigorosamente, embora essa mesma Carta da ONU esteja a ser usada pelos norte-americanos para acusar Moscovo de crime contra as leis internacionais ao invadir territórios ucranianos e como justificação para "apoiar até onde for preciso" as forças de Kiev no seu esforço de guerra contra a Federação Russa.

Uma das consequências mais temidas desta nova guerra entre Israel e a Pelestina é que o bom momento diplomático de Tel Aviv com o mundo árabe, desde logo com o quase restabelecimento das relações com os sauditas, com Marrocos, o reforço destas com o Egipto, etc, pode acabar por colapsar, porque muito dificilmente estes países islâmicos terão como contrariar a impetuosidade pró-palestina dos seus povos.

Recorde-se que a justificação para a operação desencadeada no Sábado pelo Hamas é responder aos constantes "roubos" de territórios palestinos por Israel, às permantes incursões armadas do Tsahal sobre as localidades palestinas, a criação desenfreada de novos Kibutz, o impedimento aos povos locais de usufruto das suas terras para cultivar alimentos ou pastorear os seus animais por alegadas razões de segurança israelitas, etc.

Até ao momento, perto das 12:30, hora de Luanda, estão oficialmente confirmadas mais de 500 mortes entre civis e militares israelitas e mais de 2.000 feridos, centenas foram feitos reféns, enquanto entre os palestinianos, o número de mortes estimado, ainda sem confirmação oficial, é de mais de 400 entre os militantes do Hamas e centenas de feridos e mortos entre civis.