Com um longo rasto de morte e destruição em apenas 48 horas, mais de 700 israelitas e 400 palestinianos mortos, ao que se somam milhares de feridos de ambos os lados, esta "guerra" pode vir a ser das mais devastadoras das muitas que foram travadas entre as forças de Israel e os grupos armados que foram crescendo desde a criação do Estado de Israel, em 1948.

Isso mesmo foi prometido pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyhau logo na manhã de Sábado (ver links em baixo nesta página), quando as Brigadas Al-Qasam, usando "buldozers" derrubaram os muros erguidos na fronteira com a Faixa de Gaza, e avançaram em várias frentes por terra, mar e pelo ar, através de "trikes", aparelhos de asa delta com motor, grupos em moto-quatro e em embarcações rápidas através das quais chegaram a Ashqelon, a mais de 40 kms de distância da Faixa de Gaza, na costa Mediterrânica.

Sendo factual que as Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês) meterem de imediato os seus aviões de guerra no ar, F16 e F35, através dos quais lançaram a primeira vaga de punição pela ousada operação preparada e organizada pelo Hamas com a destruição de edifícios em Gaza tidos como pertencentes ao Hamas, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, veio a terreiro dizer de imediato, uma vasta operação de retaliação, que vai livrar Israel das Brigadas de Al-Qasam de uma vez por todos, já está a ser preparada.

Se tal se vier a confirmar, o que só pode ser travado se os esforços de mediação actuais, onde a Rússia parece estar em melhor posição para o efeito, pela forma como consegue historicamente falar com Tel Aviv e com o Hamas - há analistas que sublinham a relação de proximidade com o Irão como importante -, então o Médio Oriente pode estar a horas do início de uma tempestade perfeita para a mais devastadora de todas as suas guerras.

Isto, porque se o Tsahal, o Exército israelita, avançar mesmo para o interior de Gaza, território com 360 kms e 2,3 milhões de habitantes, com milhares de ruas labirínticas com a maior densidade populacional do mundo, quase 6.000 habitantes por km2, o número de mortos será incalculável, o que fará acelerar aquilo que muitos julgam ser o maior pesadelo da actualidade: a entrada na guerra do Hezbollah, a mais poderosa e organizada facção armada do Médio Oriente, apoiada às claras pelo Irão, além da Jihad Islâmica.

O que faria com que o Irão fosse transportado para o meio deste conflito de imediato, porque dificilmente Israel deixaria de ter Teerão na mira do seu poderoso arsenal. Além disso, os EUA, já enviaram para aquela zona do Mediterrâneo o seu mais poderoso porta-aviões, o USS Gerald Ford, com 5.500 militares a bordo, acompanhado de vários destroyers e fragatas, e vieram a público demonstrar o seu apoio inequívoco a Tel Aviv, bem como a disponibilidade para fornecer todo o armamento que for preciso para derrotar os "terroristas".

Um ódio incandescente há centenas de anos

Sendo Jerusalém a cidade mais importante para as denominadas três religiões do "Livro", o islão, o judaísmo e o cristianismo, esta região do mundo é, há séculos, palco de conflitos permanentes (ver links em baixo nesta página) entre estes três "universos", embora com longos intervalos de paz também, mas piorou com a criação do Estado de Israel, logo após o fim da II Guerra Mundial, tendo ocorrido desde 1948 cerca de uma dezena de conflitos de larga escala, com destaque para a Guerra Israelo-Árabe nesse mesmo ano, quando os países árabes tentaram impedir o surgimento deste novo país no Médio Oriente, e depois a famosa Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973).

Só no século XXI ocorreram cinco importantes conflitos, como a Segunda Intifada (2000), em 2014 e já em 2021, por exemplo, mas todos com o mesmo cenário em pano de fundo: a ocupação de territórios por parte de Israel, como é disso exemplo a criação ininterrupta de novos colonatos nos últimos anos na Cisjordânia, território entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo, que, com a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental perfazem a actual Palestina.

Apesar de as Nações Unidas não reconhecerem as actuais fronteiras auto-impostas por Israel, embora os Estados Unidos sejam a garantia de que essa realidade é inamovível devido ao seu direito de veto no Conselho de Segurança, com o qual têm impedido de facto o reconhecimento da Palestina como um Estado, mais de 130 países contestam esta conquista de terras pelos judeus aos palestinianos, com base na Carta das Nações Unidas, que é a grande ferramenta de defesa da causa palestina.

Para as forças políticas na Palestina, desde logo o Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007, mas também para a Autoridade Palestina, que é o Governo central dos territórios, este ataque das Braigadas Al-Qasam aos colonatos, aldeamentos e cidades do sul de Israel é considerado legítimo porque visa expulsar das suas terras os invasores.

Apesar de ser factual que o actual limite de Israel é resultado de ocupações sucessivas de terras ancestrais aos palestinos, tanto os EUA como a União Europeia ignoram essa realidade e, por sistema, sempre que eclodem conflitos entre israelitas e palestinianos, chegam-se à frente em defesa de Israel, sublinhando o seu direito a defenderem-se dos ataques terroristas dos grupos armados que existem nos territórios e que estão na lista norte-americana de organizações terroristas, como o Hamas, a Jihad Islâmica ou o Hezbollah, entre outros.

Com as questões históricas e de soberania claras, há encruzilhadas neste conflito que são mais difíceis de entender, como é o caso do ódio visceral que se agigante entre os dois povos, cujas demonstrações são evidentes, seja quando o Tsahal invade as cidades palestinas ou bombardeia áreas densamente urbanas onde é impossível evitar a morte de civis, ou quando, como sucedeu no Sábado, os elementos das Brigadas Al Qasam surpreenderam milhares de jovens indefesos, muitos de outras nacionalidades, que estavam num festival de música moderna no sul de Israel, matando perto de 300 a sangue frio, alguns estrangeiros, tendo levado condigo dezenas como reféns.

O que esperar nos próximos dias?

Esta é a pergunta do milhão de dólares, porque se é quase 100% seguro que haverá uma resposta devastadora de Israel, cujas IDF superam de forma avassaladora a capacidade miliar dos grupos armados palestinos, sendo um dos exércitos mais poderosos do mundo, há questões com as quais vão ter de lidar e que surgem neste conflito como novidades para as quais podem não estar tão bem preparados quanto isso.

Em primeiro lugar, as Brigadas Al-Qasam já avisaram que os mais de 200 reféns feitos nas últimas horas entre civis e militares durante as incursões nos territórios israelitas, foram espalhados pela Faixa de Gaza - um território que se estende na costa ao longo de 60 kms com pouco mais 10 kms de profundida na sua área mais larga, e cerca de sete na mais estreita -, o que cria um problema para os eventuais bombardeamentos porque este podem atingir cidadãos israelitas.

Em segundo, numa malha urbana densamente povoada, e como tudo o indica ser o caso, quando as forças de defesa têm tempo para preparar a chegada do invasor, o leque de armadilhas e alçapões possíveis de criar é tão abrangente quanto as ruas e becos por onde o Tsahal tem de entrar se quiser apanhar todos os elementos das Brigadas Al Qasam.

E em terceiro, tal como se viu durante a incursão da madrugada de Sábado, as unidades de combate do Hamas estão agora equipadas com um número ilimitado de drones que servem para exercer uma vigilância apertada sobre as forças atacantes e para uso como munições na forma de "kamikaze", o que obriga as IDF a uma preparação não só mais afinada de uma operação terrestre em Gaza, como o envolvimento de mais meios.

Além desta situação que tem tudo para envolver Israel num caos incontrolável, como se nota já nos milhares de cidadãos nacionais e estrangeiros que estão a fugir do país, a suspensão dos voos para Tel Aviv pelas companhias internacionais e os voos da natureza militar para retirar pessoas que estão sem conseguir abandonar a região, as IDF podem ter ainda que enfrentar uma expansão geográfica desta guerra.

E isso pode começar com a muito provável entrada em cena do Hezbollah, organização militar apoiada pelo Irão com sede no Líbano, que é claramente o "exército" que Israel mais teme, até porque em 2006 este grupo, o mais poderoso do Médio Oriente sem contar com os Exércitos regulares, derrotou o Tsahal naquela que ficou para a história como a Guerra Israel-Hezbollah quando as forças israelitas invadiam o sul do país vizinho.

Porém, e provavelmente a contar com estas dificuldades acrescidas, até porque a lição da guerra na Ucrânia está a ser bem estudada pelas partes no que toca, por exemplo, ao uso de drones em situação de guerra, os Estados Unidos da América já avisaram que estão com Israel sem quaisquer condições prévias e enviaram a poderosa 6ª frota naval para as costas de Israel, que, além do poder de fogo do porta-aviões Gerald Ford e dos contratorpedeiros que o acompanham, conta com o apoio de aviões (Awacs) e drones espiões sofisticados.

Como vai agora, perante a quase inevitável escalada desta guerra, reagir o mundo árabe, é a grande questão em aberto. Por várias razões mas a mais importante é que os grandes países árabes e com os mais importantes exércitos da região, a Arábia Saudita, o Egipto, ou o Irão, que não é árabe mas está situado no vasto Médio Oriente e está sob suspeita de ter ajudado na organização desta ousada e inesperada acção do Hamas, ou a Turquia, fora desta geografia mais escaldante mas com um papel histórico relevante há décadas devido às ligações religiosas a este 3º centro mais importante do universo islâmico, dificilmente poderão ficar à margem dos acontecimentos.

Se o Irão já veio dizer que apoia claramente o Hamas, negando, porém estar pode detrás desta conflito em aberto, sauditas, egípcios e turcos estão com avançados processos de normalização das relações diplomáticas com Israel e não têm interesse em se verem obrigados a tomar posição, embora a isso possam ser obrigados porque os seus povos vão exigir um posicionamento ao lado dos "irmãos" palestinianos, o que muito dificilmente poderão contornar.

Outra frente de "guerra" que Israel terá de enfrentar é o resto do mundo, onde todas as suas embaixadas nas regiões mais melindrosas, Médio Oriente é África do Norte, e nalguma regiões asiáticas, passam a ser, como sempre sucede, alvos, bem como os seus cidadãos, que, nestas alturas, sabem exactamente comi se comportar, expondo-se o menos possível, excepto quando são apanhados de surpresa, como sucedeu com dois turistas que foram mortos no Egipto quando faziam, no Sábado de manhã, uma visita a locais de interesse histórico.

Para já, sabe-se que as IDF convocaram mais de 100 mil reservistas para este momento de grande risco para o país, a sua bem oleada máquina de guerra está a concentrar meios para a ofensiva sobre Gaza, com reforços idos de todo o país para a frente de batalha, como o demonstram as imagens de comboios de carros de combate nas estradas do país, colunas militares e paragens de autocarros cheias de jovens com mochilas e armas ao ombro, porque todos as guardam em casa após cumprirem o serviço militar para estas ocasiões de emergência.

Para trás ficou, como se esperava, a possibilidade de a ONU surgir em palco com uma solução, porque a reunião de emergência do Conselho de Segurança, a pedido do Brasil, país que preside actualmente a este órgão das Nações Unidas, no Domingo, resultou em nada, porque entre os países com direito de veto, EUA, China, Rússia, França e Reino Unido, as posições sobre o eterno conflito Israel-palestino são tão dispares quanto o que separa os próprios contendores.

No entanto, a China e a Rússia já pediram urgência no reatar dos processo de negociação entre Palestina e Israel, sublinhando que este deve conter uma genuina vontade de resolver o problema e não servir para ganhar tempo ou para manobras de distracção.

Alias, alguns analistas apontam para coincidências nesta operação do Hamas que levantam questões graves, como seja o facto de o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, se ter "livrado" da crise interna que enfrentava, com milhões a protestar nas ruas contra a sua polémica reforma judicial, e dos problemas na Justiça em que estava emaranhado devido a suspeitas sérias de peculato e corrupção.

Há ainda questões que começam a ser levantadas pelo sentido de "oportunidade" deste novo conflito no Médio Oriente quando, na guerra da Ucrânia, a fadiga social da Europa e dos EUA da contenda começa a aconselhar encontrar soluções que permitam saídas airosas para ambas as partes, leia-se Washington e Moscovo.

E, como se não bastasse, a Administração Biden está a ser fustigada com suspeitas, que podem ser provadas, alegadamente, com imagens desta guerra, de que armas norte-americanas foram usadas na operação do Hamas, podendo ter origem na Ucrânia ou no Afeganistão.