De todo o mundo chovem sobre Israel pedidos ininterruptos de clemência para com as vítimas inocentes dos seus bombardeamentos sobre Gaza, onde sobressai um horroroso recorde de crianças mortas, mais de 6.000 em um mês, segundo números oficiais, "seguramente muitos milhares", diz António Guterres, seja qual for a fonte para esta desumana realidade, mas em Telavive, a tudo isto se resiste, até ao facto de os Estados Unidos, o aliado de referência, estar agora a insistir como nunca nas pausas humanitárias para atenuar o terror dos números em Gaza.

No mundo, Israel conta com alguns apoios sem condições, dos EUA, devido ao lobby judeu no seu tecido político e económico, no Reino Unido e na França, por razões históricas que conduziram a criação do Estado hebreu, em 1948, e na Alemanha, devido à má consciência histórica ligada ao Holocausto, durante a II Guerra Mundial, mas nem estes "melhores amigos" são ouvidos em Telavive pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e pelo seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, o falcão de guerra de asas e garras de maior envergadura.

De tal modo que o chefe das Nações Unidas, numa entrevista à CNN International, quando questionado sobre uma data meramente indicativa para o fim deste conflito entre Israel e os palestinianos em Gaza, apenas respondeu não ter "qualquer ideia" para esse momento, sublinhando, porém, que este é o momento de "transformar um problema numa oportunidade" que seria fazer avançar a ideia que remonta à década de 1990, nos Acordos de Oslo, de uma palestina, dois Estados.

Porque, como disse Guterres, sublinhando o cáustico agravamento da situação humanitária em Gaza, a situação é de tal modo que o que se passou na Síria, no Afeganistão ou no Iémen, em cujos conflitos o mundo se horrorizou com a morte de tantas crianças, nestes três locais, o máximo de mortes atingido foi de 600 num mês, quando em Gaza já são "largos milhares" no mesmo espaço temporal, o que devia conduzir a uma exigência humana de parar esta guerra de imediato.

Hospitais não são alvos... ou são?

Até porque, se nada for feito, esta cifra trágica vai aumentar de forma ilimitada porque, dos 36 hospitais existentes neste exíguo território, com 365 kms2 e mais de 2,3 milhões de habitantes dispersos por uma faixa de terra entalada entre o Mar Mediterrâneo, o Egipto e Israel, incluindo o maior deles todos, e aquele com mais valências fulcrais, o Hospital Al-Shifa, depois de funcionar já devido aos bombardeamentos das Forças de Defesa de Israel (IDF), acontecendo o mesmo com a maior parte dos centros de distribuição de ajuda da ONU e do Crescente Vermelho (Cruz Vermelha).

Algumas da críticas mais sonoras à estratégia israelita resulta dos ataques a hospitais, que a lei internacional protege em caso de conflitos como este, mas que Telavive justifica com a garantia, ainda por provar, de que é sob ou dentro destas infra-estruturas que o Hamas mantém os seus paióis e armazena combustível ou outros bens de guerra.

Nada parece travar a decisão do Governo israelita de erradicar para sempre o "terrorismo em Gaza", como tem enfatizado Netanyhau, chamando permanentemente a atenção para o ataque do braço armado do Hamas, as Brigadas Al Qassam, no dia 07 de Outubro, no sul de Israel, onde deixaram um rasto de 1200 mortos - Telavive reviu em baixa os números avançados inicialmente, que era de 1400 mortos -, como justificação para esta ofensiva por terra, mar e ar das IDF, cuja máquina de guerra avança inexoravelmente sobre uma Faixa de Gaza moribunda e uma população sem ter para onde fugir ou onde se esconder.

E mesmo as, mesmo que ténues, chamadas de atenção mais ruidosas, como fez o Presidente francês, Emmanuel Macron, numa entrevista à BBC, rapidamente são explicadas ou retiradas tal é o receio de dar indícios de um mínimo anti-semitismo, como fica claro nas suas desculpas e explicações dadas depois do puxão de orelhas que lhe deu Benjamin Netanyahu quando ouviu o francês dizer que a Israel não tem nem razão nem legitimidade para tamanha reacção sobre Gaza, acusando o Chefe de Estado gaulês de ter produzido um "erro moral" ao pedir às IDF que parassem de bombardear civis e que um cessar-fogo humanitário é a única solução.

A nada o Governo israelita parece dar ouvidos, e, sempre que os seus "amigos" vão um pouco mais longe nos pedidos de cessação dos bombardeamentos sobre civis, como fez Macron, rapidamente Telavive muda as baterias verbais para essa direcção obtendo um silenciamento imediato, como fez Macron que, logo que recebeu as críticas de Netanyahu, correu para o telefone ligou ao primeiro-ministro israelita, explicando-lhe, segundo os media franceses, que não tinha a intenção de acusar as IDF de propositadamente atacar civis inocentes.

No mesmo enlace, Macron reiterou que a França apoia o direito à autodefesa de Israel e garantiu que Paris vai continuar a ser um parceiro sólido de Israel na sua procura incessante de garantir a segurança do seu povo, naquilo que é uma reformulação totalmente contrária ao que tinha dito antes, ao canal britânico, onde chegou mesmo a acusar os israelitas de bombardearem os corredores por onde civis palestinianos procuravam deixar a zona de guerra mais intensa, admoestado Telavive ao exigir que se "pare de matar crianças".

Mas não foi apenas Macron que elevou o tom das críticas a Israel, também o secretário de Estado norte-americano, o chefe da diplomacia de Washington, Antpny Blinken, veio, de novo, a público, dizer que "já morreram demasiados palestinianos civis" na retaliação israelita aos ataques de 07 de Outubro, afirmando a urgência de aumentar a duração das pausas humanitárias.

Apesar de ser no universo árabe do Médio Oriente, ou muçulmano, além fronteiras desta complexa região, que os protestos de rua mais se fazem ouvir, a posição dos governos, excepção feita à Turquia e ao Irão, de onde sobressaem os protestos mais ruidosos contra os ataques indiscriminados sobre Gaza, pouco ou nada incomoda Telavive devido à pressão que os EUA sobre eles exerce ou pela "real politik" gerada pelas recentes aproximações diplomáticas a Israel por parte de vários países, como a Arábia Saudita, o Egipto, Marrocos, entre outros.

Números da morte

Os números da morte em Gaza são abissais e incomparáveis com qualquer outro conflito em muitas décadas, com mais de 11 mil mortos, oito mil crianças entre estes, sendo de clarificar que o número de menores mortos não é uma bizarria estatística, porque Gaza, além de ser a geografia mais densamente povoada em todo o mundo, com 6.500 pessoas por km2, ou 2,3 milhões em 365 kms2, está entre as mais jovens do planeta - mais de 65% tem menos de 24 anos e a idade média das mulheres é de 18 anos -, o que faz com que o número de bebés e crianças em cada bairro ou casa garante que qualquer bombardeamento provoca mortes nestas faixas etárias.

Mas não é apenas a questão da densidade populacional que conduz aos números trágicos deste conflito, é também o facto de os bombardeamentos ininterruptos de Israel deste 07 de Outubro não estarem a poupar toda a infra-estrutura de saúde no territórios, 20 dos 36 hospitais fora de serviço, centros de acolhimento e de ajuda da ONU atingidos diariamente - já morreram dezenas de funcionários das Nações Unidas -, e a falta de água potável, alimentos ou medicamentos, conduzem este cenário para uma tragédia crescente que ameaça fazer, em comparação, as situações na Síria ou no Iémen, parecer coisas de somenos.

Entretanto, no terreno, a cada dia que passa, mais pessoas do norte da Faixa de Gaza passam para a zona sul, alegadamente mais segura mas não menos bombardeada, e o Exército israelita avança casa a casa na sua invasão terrestre sobre a Cidade de Gaza, capital deste território, e onde se concentra o maior número de combatentes do Hamas, espalhados, pensa-se, por dezenas de quilómetros de corredores subterrâneos.

O número de mortos em bombardeamentos diminuiu no seu crescimento na última semana, porque, com a presença de militares das IDF no terreno, os ataques de artilharia e da aviação israelitas, têm de ser reduzidos para evitar erros fatais do "fogo amigo", mas têm crescido entre as forças israelitas, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e Netanyahu, têm admitido ao mesmo tempo que justificam o seu sacrifício com o bem maior da segurança futura de Israel.

Não há números oficiais sobre o número de mortos entre os combatentes do Hamas ou das IDF, mas os media internacionais referem serem avultados, havendo alguns indícios de um crescente incómodo com essa cifra em Telavive, como se depreende pela reacção ríspida do Governo israelita às imagens difundidas nos media por jornalistas integrados em iniciativas militares das Brigadas Al Qassam, atingindo alvos das IDF em Gaza.