Depois de por três vezes terem usado o poder de veto sobre exigências de cessar-fogo humanitário em Gaza, alegando o direito israelita a defender-se, mesmo depois de terem morto 30 mil civis, agora fazem-no para proteger Telavive de forma ainda mais inexplicável.

A votação no Conselho de Segurança teve lugar na quinta-feira, 29, já noite dentro pela hora de Luanda, tendo o órgão superior das Nações Unidas reunido de urgência depois de se conhecer o massacre de mais de uma centena de pessoas no norte de Gaza que esperavam alimentos.

Quando largas centenas de pessoas estavam à espera de camiões com ajuda humanitária, num contexto em que a fome e a doença já matam quase tanto como as balas, sob observação de unidades de forças especiais israelitas, estas dispararam intensamente sobre as pessoas.

Pelo chão ficaram pelo menos 112 corpos, incluindo mulheres e crianças, sem que, segundo testemunhas no local relataram aos media palestinianos no terreno, tenha sido percebida qualquer razão que justificasse o massacre.

Israel, como sempre faz, nega que tenha sido responsável pela morte de tanta gente, aludindo antes a alguns disparos feitos pelos seus militares presentes que estavam sob forte pressão dos palestinianos, tendo usado as armas para os dispersar.

O Governo de Telavive dmite que foram mortos nessa manobra de dispersão dez civis palestinianos e os outros 102 (até agora, porque há dezenas de feridos graves), argumentam, morreram atropelados pelos camiões de ajuda humanitária.

Face a esta situação, e na necessidade de justificar novamente o porquê de estarem a defender aquilo que até para os mais próximos aliados europeus de israelitas e norte-americanos é injustificável, como disse, entre outros, o Governo francês, Washington avançou a necessidade de mais informação.

O pedido da condenação imediata de Israel que foi colocado pelo representante árabe no Conselho de Segurança, a Argélia, obteve, segundo o representante palestiniano, Riyad Mansour, a aprovação 14 dos 15 membros deste órgão vital das Nações Unidas, sendo os EUA a excepção mas que garante a recusa devido ao direito de veto.

O Conselho de Segurança da ONU é composto por 15 elementos, sendo que, destes, cinco têm assento permanente - EUA, Rússia, China, França e Reino Unido - e 10 são eleitos por períodos de dois anos.

Com o actual xadrez internacional, onde russos e chineses se batem com os aliados ocidentais por uma ova ordem mundial baseada na cooperação que substitua a baseada em regras norte-americanas impostas após a II Guerra Mundial, este órgão da ONU tem sido totalmente inútil, como o Secretário-Geral António Guterres já disse sem meios-termos.

Mas se este veto garante uma imunidade permanente de Israel, mesmo perante as atrocidades em curso em Gaza há cinco meses, onde já foram mortos mais de 30 mil civis palestinianos e quase 100 mil ficaram feridos, muitos destes estropiados para a vida, já não é uma fire wall eficaz para a condenação quase geral do resto da Humanidade.

Alias, o julgamento no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) de Israel por genocídio, sob acusação formal da África do Sul, já deu sinais de que uma condenação, contra a qual os EUA não podem gerar obstrução viável, está muito próxima, deixando Washington e Telavive expostos perante o resto do mundo, dos quais cada vez mais países se afastam no âmbito deste tema.

Tal como nas outras vezes onde os EUA protegerem o seu principal aliado no Médio Oriente, desta feita a argumentação usada para o justificar foi, segundo o representante de Washington, que "as partes estão a trabalham uma linguagem comum para uma declaração".

O embaixador Robert Wood adiantou, citado pelas agências, que "o problema é que não estão disponíveis todos os factos para criar uma condenação sólida"

No entanto, e perante a incredulidade geral com os argumentos aduzidos no Conselho de Segurança, a Casa Branca veio depois admitir que a morte das mais de 100 pessoas, civis palestinianos, "é tremendamente alarmante".

E o Presidente Joe Biden disse aos jornalistas que este episódio pode complicar as negociações para um cessar-fogo em Gaza, com o seu porta-voz, Marrhew Miller a admitir que os EUA "estão a procurar com urgência por informações adicionais".

Face às imagens de terror que começaram imediatamente a sair do território de Gaza, onde este massacre teve lugar, o chefe das Nações Unidas, o português António Guterres, disse estar "profundamente chocado" e exigiu "investigações céleres e independentes".

Também o Presidente francês, Emmanuel Macron, disse ser "terrível" o que pode ver em Gaza e o Governo chinês usou a mesma expressão para se referir ao sentimento gerado por aqueles imagens mas condenou "com firmeza" o sucedido, tendo em todas as reacções sido exigido um rápido cessar-fogo.

Desde 07 de Outubro do ano passado, há cerca de cinco meses, quando o Hamas protagonizou um assalto violento ao sul de Israel, deixando um rasto de morte e destruição, 1.200 mortos e 2 mil feridos, que Israel está a bombardear por terra mar e ar a Faixa de Gaza.

Gaza é um território com apenas 365 kms2, 40 kms de comprimento e 10 de largura, entalado entre o Egipto, o Mar Mediterrâneo e Israel, onde vivem 2,3 milhões de pessoas, na maior densidade populacional do mundo - 6.500 pessoas por km2 -, e sem a mínima possibilidade de sobreviver sem ajuda humanitária internacional permanente.

Nestes cinco meses, os israelitas já mataram 30 mil pessoas, deixaram 100 mil feridas, muitas delas deficientes para sempre, sendo que mais de 75% são mulheres e, a maioria, crianças, destruíram mais de 75% dos edifícios, 1,2 milhões de pessoas vivem em tendas e ao ar livre, escasseiam os alimentos, água e medicamentos...

Tudo, para, como o primeiro-ministro do Governo mais radical, politica e religiosamente da história de Israel, Benjamin Netanyhau, anunciou no início desta guerra, conseguir três objectivos: destruir o Hamas para sempre, libertar os reféns e garantir que Gaza nunca mais será uma ameaça para Israel.

Nenhum destes objectivos foi conseguido, apesar da destruição de quase 80% do território, que está reduzido a escombros, porque, como ironizava esta semana o famoso apresentador norte-americano The Daily Show, Jon Stewart, "não é possível destruir uma ideia com bombas".

Stewart disse ainda ser incompreensível que em Israel quem está a tomar estas decisões não perceba que destruir um "país" só garante mais agudo e duradouro ódio, o que é precisamente o contrário da ausência de ameaça hoje e no futuro.