O "cemitério" de Gaza estende-se por uma faixa de 40 kms por nove kms de largura e se até há bem pouco tempo eram apenas as bombas israelitas que enviavam os corpos para as tumbas, hoje uma excruciante fome e as doenças oportunistas disputam essa liderança.

Alguns analistas admitem que o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, que vários países consideram ser um criminoso de guerra e líder de um genocídio em curso e em directo nas tvs internacionais, concluiu que a fome mata mais e é mais barata que a metralha da guerra.

Há muito que o Secretário-Geral das Nações Unidos, António Guterres, que foi quem primeiro percebeu a tragédia que estava a ser preparada por Isarel, avisou que os camiões que estão a entrar em Gaza "são uma gota de ajuda humanitária num vasto oceano de necessidades".

Camiões cheios de... fome

Com efeito, as extensas filas de camiões travados pelos checkpoints dentro de Gaza, entre o sul do norte, e nas fronteiras com o Egipto, pelas forças israelitas, demonstram que se trata de impedir que a ajuda chegue às populações mais desesperadas que estão na Cidade de Gaza.

Apesar de a Jordânia, primeiro, e em maior quantidade, e depois os EUA, com alguns milhares de rações de combate, enviadas por avião, nem de perto nem de longe resolveram o problema da fome extrema que já afecta mais de 1,2 milhões de pessoas.

E os navios de organizações humanitárias internacionais que descarregam toneladas de alimentos, não são mais que uma gota de ajuda no oceano de desespero que é Gaza devido à invasão militar israelita que já fez mais de 32 mil mortos, a maior parte crianças e mulheres.

As Forças de Defesa de Israel (IDF), com mais de 300 mil militares, milhares de tanques e apoio da sofisticada aviação fornecida pelos EUA, e da marinha de guerra, que flagelam o território ininterruptamente há mais de cinco meses, iniciaram esta guerra a 07 de Outubro de 2023.

As IDF foram enviadas para Gaza numa resposta totalmente assimétrica depois de os combatentes do Hamas terem realizado um ousado e estranho - porque driblou a mais sofisticada intelligentsia do mundo e as fronteiras mais vigiadas do Médio Oriente - ataque ao sul de Israel.

O estranho ataque do Hamas

Nesse ataque, as brigadas Al Qassem, o braço armado do Hamas, e a Jihad Islâmica deixaram um rasto de destruição, matando mais de mil israelitas, maioritariamente civis, sem que a Mossad, a secreta externa, o Shin Bet, a secreta interna, e a AMAN, a inteligência militar, todas no topo das mais conceituadas do mundo nas suas especialidades, tivessem percebido.

E esse facto não passou desapercebido à oposição interna nem aos analistas internacionais, laçando dúvidas sobre o contexto em que este ataque palestiniano ao sul de Israel aconteceu, questionando um eventual concluiu entre Netanyhau e as "suas" forças de segurança para se libertar do sufoco das manifestações populares e dos graves processos judiciais por corrupção.

Todos os seus aliados, incluindo os mais próximos, como os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido, além da União Europeia, exigem que o Governo israelita trave a mortandade de civis em Gaza.

Mas Benjamin Netanyhau garante que vai manter a pressão militar sobre Gaza até conseguir os seus objectivos traçados logo a 07 de Outubro de 2023, que são aniquilar totalmente o Hamas, garantir que o território não volta a ser ameaça para Israel e libertar todos os reféns.

Nenhum destes objectivos foi conseguido, mesmo com quase seis meses de guerra, uma mortandade de civis em tão pouco tempo, coisa que não se via há largas décadas, com destaque para as 15 mil crianças entre os 32 mil mortos.

Fechar os olhos do mundo em Gaza

Entre os mortos em Gaza, estão mais de 130 jornalistas, uma grande parte abatidos deliberadamente pelos soldados de Israel, e centenas de funcionários de organizações humanitárias, naquele que já é um trágico recorde histórico para tão pouco tempo.

E é neste cenário dantesco que começam a emergir os dados mais arrepiantes desta guerra, que é a acumulação de mortos não por balas e bombas mas por fome e doenças que são resultado do impedimento por Israel da entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

A situação mais grave de fome e doenças oportunistas, como as diarreicas e infecciosas, ocorre no Norte de Gaza, onde está a capital do território, a Cidade de Gaza, habitada por mais de 1,2 milhões de pessoas, uma grande parte já deslocada para sul empurrada pelas forças israelitas.

É na Cidade de Gaza e seus subúrbios que estão os mais degradados campos improvisados de assentamento de famílias que viram as suas casas destruídas pelas bombas israelitas - mais de 75% dos edifícios do território estão em escombros - e onde a fome e as doenças mais matam.

Dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza, o que dá, face aos seus 365 kms2, mais de 5.000 habitantes por km2, uma das mais densas concentrações populacionais do mundo, perto de 1,5 milhões foram obrigados a sair em direcção ao sul pelas IDF.

Falas promessas de segurança

Nesse êxodo, Israel prometeu que o sul seria um local seguro, especialmente as cidades de Khan Yunis e Rafa, esta mesmo junto à fronteira com o Egipto...

Só que, depois de destruírem Khan Yunis, as IDF estão agora a marchar sobre Rafa, onde a sua entrada, que dizem ser justificada por ali se acoitarem milhares de combatentes do Hamas, significará a morte de milhares de civis.

E é precisamente a entrada em Rafa que desperta novos receios de que este conflito em Gaza se espalhe para o vasto e complexo barril de pólvora que é o Médio Oriente, com a iminente entrada em cena de novos actores, como o Hezbollah, no norte de Israel e sul do Líbano.

Além disso, a gigantesca concentração de civis na cidade de Rafa e a iminente morte de milhares destes, em caso de entrada das IDF, que são, na sua maioria crianças, mulheres e idosos que ali chegaram do norte do território, está a gerar uma convulsão popular no Egipto.

Isto, porque a denominada "rua árabe", o povo árabe, mas também islâmico, no caso do Irão, não está sintonizada com os governos nesses países, que procuram evitar um confronto com Israel, exigindo, ruidosamente, acção determinada para impedir a continuação do genocídio.

Guerra em Gaza chega à campanha nos EUA

Protestos esses que já são igualmente uma dor de cabeça para o Presidente dos EUA, Joe Biden, que tem visto as suas acções de campanha para as Presidenciais de Novembro próximo interrompidas por activistas pró-palestinianos.

Essa a razão pela qual Washington está a pressionar como nunca Telavive para que Netanyahu aceite reformular o mapa da guerra e abra novos corredores mentais em Israel para aceitar um acordo de cessar-fogo com o Hamas, cujas negociações estão de novo a acontecer no Qatar.

A questão é de tal modo incómoda para Joe Biden que o seu secretário de Estado, responsável pela diplomacia, Antony Blinken, disse agora que todos os 2,3 milhões de habitantes de Gaza estão ameaçados pela fome, repetindo a frase da ONU, "severa insegurança alimenar".

O homem que no início da invasão israelita a Gaza foi a Telavive dizer que mais que um governante norte-americano e maior aliado de Israel, estava ali para garantir todo o apoio a Netanyhau como judeu, diz agora que "está é a primeira vez que uma população inteira é oficialmente classificada como estando a viver uma grave insegurança alimentar".

Isto, numa altura em que Biden voltou a conversar longamente ao telefone com Benjamin Netanyhau, na segunda-feira, 18, faltando agora perceber se, como das outras ocasiões, o primeiro-ministro israelita também vai ignorar por completo o seu maior aliado.

Entretanto, Antony Blinken volta esta semana ao Médio Oriente para encontros com governantes na Arábia Saudita e no Egipto com o cessar-fogo e a ajuda humanitária a Gaza como pontos únicos da agenda.

O genocídio à vista de todos

Até que algo aconteça que permita acabar com o "genocídio" em Gaza, crime de que Israel está a ser acusado no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Haia, são as organizações da ONU e ONG"s internacionais que procuram salvar o maior número possível de vidas.

Essas organizações, de onde se destacam o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), ou a espanhola World Central KItchen, que inventou a rota marítima para ajudar, procuram contor as barreiras criminosas montadas por Israel à entrada de alimentos e medicamentos em Gaza.

As forças israelitas estão a apertar de tal modo a malha nas fronteiras que nem Philippe Lazzarini, o chefe da Agência da ONU para os Refugiados da Palestina (UNRWA), que garante a ajuda alimentar a milhões de famílias, consegue entrar no território.

A fome em Gaza, ao contrário das imagens excruciantes de meninos de barriga inchada a morrer à fome no continente africano, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, geradas por secas extremas, está a ser provocada estrategicamente por um Governo de forma a aniquilar um povo, como diz a África do Sul na acusação que deu entrada no TIJ.