O Kuwait foi o país do Médio Oriente que os norte-americanos escolheram para estacionarem mais uns milhares de soldados - entre 3.500 e 5.000, dependendo das fontes - após o reacendimento da crise com o Irão, o que já se temia poder vir a acontecer há algumas semanas, desde que o processo de destituição de Donald Trump, - "impeachment - passou na câmara dos Representantes, estando apenas dependente da aprovação final do Senado.

Mas o Kuwait já não é novo nestas andanças. Tem sido um dos "porta-aviões" dos EUA no Médio Oriente sempre que os ânimos faíscam naquela complexa geografia onde a teia de interesses estratégicos por causa do petróleo - a região produz mais de 20% do crude consumido em todo o mundo - se mistura com os complexos jogos de guerra da indústria bélica Made in USA e o melindroso universo religioso que opõe judeus ao Islão de xiitas e sunitas e estes entre si.

Foi assim nas duas invasões do Iraque - 1991 e 2003 - perpetradas pelos EUA e agora, quando a Casa Branca volta a lançar botas para o terreno daquela volátil região, é outra vez o Kuwait que acolhe os militares norte-americanos aos milhares que Trump garante que ali estão "para evitar uma guerra e não para começar uma". Foi assim, pelo menos, que o inquilino da Casa Branca justificou a ordem para matar Qassem Suleimani.

Nas redes sociais é mesmo possível acompanhar as movimentações de dezenas de aviões de transporte militar norte-americanos que se dirigem para a região oriundos de países europeus como o Reino Unido logo após a morte do comandante das forças Quds, a unidade de elite dos Guardas da Revolução do Irão, general Qassem Suleimani, que era, ao mesmo tempo, um dos mais respeitados lideres militares naquela parte do mundo e um putativo candidato a Presidente do Irão nas próximas eleições, o que levo já alguns analistas a admitir que a sua morte não gerou apenas forte consternação no Irão, pode ter igualmente gerado algum "alívio" nos muitos e complexos corredores da política em Teerão.

Recorde-se que esta situação é particularmente melindrosa porquanto tanto o Irão como o Iraque ou a Síria serem três países de maioria xiita, aliados regionais e com os EUA a serem vistos como o "grande satã", tendo ainda de contar com dezenas de milícias locais e regionais dispondo de milhares de homens armados, como é o caso das Forças de Mobilização Popular, que actuam no Iraque apoiadas pelo Irão e dirigidas por Abu Mahdi al-Muhandis por outro general importante e igualmente assassinado com Qassem Suleimani, ou ainda os temidos guerreiros do Hezbollah libanês e sírio, entre outros.

E o deslocamento de milhares de soldados extra para o Médio Oriente, onde os EUA já dispõem de várias dezenas de milhares de tropas estacionadas em dezenas de bases em torno do Irão e do Iraque é visto pelos analistas como um claro receio de que a resposta iraniana surja rapidamente e em força.

Mais: este envio de tropas choca claramente com as garantias dadas por TRump desde que chegou ao poder, afirmado repetidamente que iria retirar as forças estacionadas na região devolvendo-as a casa depois de anos de guerras falhadas e encetadas pelos seus antecessores.

Pior: Antes destes, entre 3.500 e 5.000 militares enviados nas últimas horas, os EUA já tinham deslocado mais cerca de 15 mil para a área após o reacendimento da tensão com o Irão que resultou como episódio-símbolo o abate de um drone espião dos EUA pelo Irão sobre o Estreito de Ormuz.

O que não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma escalada perigosa e um aumento exponencial do risco de uma guerra aberta entre as duas potências militares. Outr sinal importante nesse sentido foi a ordem imediata veiculada pela rede diplomática norte-americana para que todos os cidadãos dos EUA deveriam sair do Iraque o mais rápido possível.

Isto, apesar de Donald Trump, como tem sido recordado nas redes sociais nas últimas horas, ter feito um vídeo antes de ser Presidente onde acusa o seu antecessor, Barack Obama, quando este era candidato à sua reeleição, de estar a preparar uma guerra com o Irão com o único objectivo de conseguir fazer-se reeleger.

Agora, Trump garante que a ideia com estas mortes e com estes movimentos é "evitar uma guerra e não dar início a uma", porque, foi acrescentando, tal como o seu secretário de Estado, Mike Pompeo, Soleimani estaria a preparar uma série de ataques a pessoas e interesses norte-americanos na região.

E, como está permanentemente em cima da mesa, existe ainda o problema do programa nuclear iraniano, cujos avanços e recuos têm feito exasperar muitas chancelarias europeias, chinesa e russa, depois de os EUA terem saído do acordo de 2015, que o estancou por tempo indefinido.

Com este acto, dificilmente Teerão deixará de ver na sua concretização uma possibilidade de resposta, porque, tal como sucedeu com a Coreia do Norte, que deixou de ser um alvo dos EUA quando se percebeu que dispunha de um importante arsenal atómico, também o Irão teria outro peso negocial se dispusesse deste tipo de armamento.

Tanto Israel como os EUA já deixaram claro que nunca deixarão o Irão concluir o seu programa nuclear.