Depois de o seu Partido Popular para a Reconstrução e Democracia (PPRD) ter lançado, há semanas, uma campanha com a cara de Kabila anunciando-o como o seu "candidato 100%", agora surgiu aquilo que é já considerado como a plataforma que assegura a incontornável candidatura de Kabila, excepto se a RDC voltar a ser afogada em violência, como aconteceu em 2017.

A plataforma recém-criada Frente Comum para o Congo (FCC), denominada como "grande coligação eleitoral", que deverá substituir a anterior Maioria Presidencial (MP) que Kabila usou como moldura para as suas candidaturas anteriores, apontou Joseph Kabila como figura titular da campanha que está subjacente à sua criação.

Apesar de Kabila ainda não ter dito de viva voz que é candidato, e face ao facto de a Constituição ser peremptória no impedimento de um 3º mandato consecutivo, o seu partido, o PPRD, já tirou as dúvidas ao garantir que não existe outro candidato senão ele.

O PPRD de Kabila é o partido que suporta financeiramente a milionária campanha eleitoral em curso para reeleger o ainda Chefe de Estado para o ilegal 3º mandato que se avizinha, por meio de ameaças dos seus porta-vozes de "ir até ao limite" contra todos aqueles que se opuserem e intrometerem nos assuntos internos da RDC.

Lambert Mende, ministro de Kabila para a Comunicação e seu porta-voz, ameaçou, na semana passada, directamente, o Ruanda e Angola com a ambígua frase "até ao limite" na resposta depois de João Lourenço e Paul Kagame terem, em Paris, França, feito apelos e aconselhado Joseph Kabila a cumprir o acordo que assinou a 31 de Dezembro de 2016, com a oposição, com intermediação dos bispos católicos da RDC, para abandonar o poder assim que fossem realizadas eleições.

Nesse acordo, de São Silvestre, assinado depois de um adiamento das eleições e num ambiente de terror nas ruas de Kinshasa e das principais cidades do país, com dezenas de milhares a protestar contra Kabila e a exigir eleições, com centenas de mortos e milhares de feridos pelo caminho, o Presidente assumia a condição de não ser candidato e de organizar eleições em 2017.

Isso não aconteceu e Kabila reagendou a ida às urnas para 23 de Dezembro deste ano, 2018, sem nunca garantir que não é candidato, deixando apenas os seus mais próximos dizerem que a Constituição não será violada. Os interesses em jogo são muitos, com milhões em jogo nos muitos negócios que ele ea sua família têmnas principais empresas do país.

Mas, ao mesmo tempo, põe em marcha uma gigantesca operação de promoção da sua candidatura, com outdoors e programas de rádio nas comunidades mais remotas, sendo, agora, a escassos seis meses das eleições - se a data for cumprida -, a máscara caiu e é já claro que Kabila está a preparar a sua recandidatura com vigor e empenho.

O mundo, estupefacto, tenta reagir...

Este facto, que ainda não é oficial e deverá receber uma forte crítica internacional, depois de Angola, Ruanda e a França terem surgido como o trio da linha da frente no aconselhamento a Kabila para que não avance, porque, como clarificou João Lourenço, de nada vale realizar eleições "se a comunidade internacional as não reconhecer".

Alias, Lourenço, Kagame e Macron ganharam o estatuto de principais adversários de Kabila no exterior do país, como se depreende da resposta que Lambert Mende, o seu porta-voz principal no Governo, que os nomeou de forma directa ao avisar para não se meterem com a RDC. Pelo Meio vieram avisos de que o Congo tem um Exército poderoso e capaz de responder a quem quer que seja.

No entanto, como lembrou o Presidente angolano, tanto ele como Kagame falam na qualidade de amigos do Congo e lideres de organismos importantes em África, João Lourenço do Órgão para a Cooperação Política, Defesa e Segurança da SADC, e o Presidente do Ruanda como líder actual da União Africana, pugnando apenas pela transição pacífica do poder no Congo, claramente o país que mais melindres gera em todo o continente como potencial foco de desestabilização continental.

Com mais de 90 milhões de habitantes, um historial de violência permanente, onde nenhuma transição de poder ocorreu sem sangue a rodos, uma localização geográfica de grande melindre - faz fronteira com nove países - e com recordes em número de guerrilhas activas, de origem externa, a FDLR (Ruanda) e ADF (Uganda) ou interna, como o sangrento M23 ou os estranhos Kamwina Nsapu, para além de dezenas de outras milícias, com sucessivos massacres... que a mais cara e vasta missão de paz da ONU, a MONUSCO, não consegue travar, a RDC é a grande dor de cabeça da comunidade internacional, dentro e fora de África.

Na União Africana a preocupação é evidente, como as movimentações do seu actual Presidente, Paula Kagame, e na ONU, onde o próprio Secretário-Geral já o deixou claro nas diversas referências ao problema na RDC, o demonstram.

E, mesmo face a isto tudo, a que se juntam apelos dos EUA, do Reino Unido e da União Europeia... para que deixe o poder e afaste a possibilidade de a RDC voltar a mergulhar no caos, Joseph Kabila não desarma.

A reacção, no entanto, da oposição, não se fez esperar, com a UDPS, o principal partido da oposição, liderado por Félix Tshisekedi, filho do histórico Etienne, a acusar Kabila de estar claramente a prepar um esquema para se manter no poder, prometendo voltar a organizar manifestações para exigir a sua saída.

Também a igreja católica já veio a público criticar fortemente Kabila por este trilhar claro do caminho para a recandidatura, sublinhando que o acordo de São Silvestre, que os bispos mediaram, deve ser cumprido para salvar o Congo de um período que pode ser de insuportável violência.

Recorde-se que as últimas manifestações que geraram dezenas de mortos em Kinshasa foram organizadas por movimentos católicos próximo da igreja congolesa.

Também a generalidade das ONG a operar na RDC, que são mais de 200, estão a movimentar-se para exigir que Kabila interrompa esta caminha rumo ao que entendem poder ser o terror a espalhar-se pelas ruas das cidades e vilas do país num abrir e fechar de olhos.

Como se contorna a Constituição sem lhe mexer?

É certo que Joseph Kabila está a dar mostras de querer mesmo avançar, contra o acordo que assinou, contra a ONU e a União Africana, e contra o seu próprio povo, largamente indisposto com ele, que manteve e aprofundou a perpétua pobreza extrema do país, apesar de ser um dos mais ricos do mundo em recursos naturais.

Mas como vai Kabila contornar a Constituição? E evitar a repetição do caos que ocorre sempre que existem eleições com transição de poder? Ou fazer esquecer que em quase 60 anos de independência, nunca houve uma mudança de rosto no poder sem estar alicerçada em violência extrema, com milhares de mortos por arrasto? Ou ainda ultrapassar a carta da União Africana, que não deixa espaço de manobra para a conquista ou manutenção de poder à margem da Constituição de cada um dos seus membros?

À excepção da primeira pergunta, todas as outras são respondidas com um cenário único: fazer com que o seu nome seja o único capaz de emergir do caos para estabilizar a RDC depois de um previsível período de violência.

Mas a primeira é aquela que contém a eventual resposta mais importante: a questão das imposições e limites constitucionais à sua recandidatura.

Kabila pode estar a desenhar um plano que lhe permita esgrimir argumentos no sentido de que não está a incumprir com o disposto na Constituição, o que passa por alegar que o período em que manteve o poder interinamente, graças ao acordo de São Silvestre, nos últimos dois anos, é o suficiente para que a sua candidatura no próximo 23 de Dezembro não seja considerada sucessiva.

E é nisso que parecem acreditar também os seus homens no PPRD, como o disse, sem detalhes, o secretário permanente do partido, Emmanuel Ramazani Shadari, quando, numa recente mensagem radiofónica, afirmou: Estamos com Kabila, Continuamos com Kabila e continuaremos com Kabila".

A tudo isto, surge encimada a garantia dada há meses pelo seu ministro Lambert Mende de que não seria candidato, porque não lho permite a Constituição. Agora, questionado pelos jornalistas sobre essa garantia, respondeu no mesmo tom: "Não estamos a prever mudar a Constituição!".

O que não será necessário se a opção for argumentar com este tempo de poder interino como separador do impedimento constitucional baseado na proibição de um 3º mandato... consecutivo.

Mas existem outras "tecnicalidades" que podem ser aduzidas, como relatam os media congoleses: o facto de ter havido uma mudança constitucional entre 2006 e 2011, levando o Tribunal Constitucional, para onde entraram pelo menos dois aliados de Kabila como juízes, a considerar a não aplicabilidade dessa alínea constitucional porque o ainda Chefe de Estado foi eleito em 2001 e a alteração sucedeu durante os seus dois mandatos.

Ou ainda a convocação de um turbo-referendo que pode ser condicionado ou manipulado de forma a dar a resposta pretendida: a sua recandidatura e o inevitável lançamento da República Democrática do Congo num novo banho de sangue, como temem os Presidentes João Lourenço, que lidera o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança, da SADC, e Paul Kagame, que é o actual líder da União Africana e Presidente do Ruanda.

Mas Kabila não vai estar sozinho na corrida.