No segmento mais rico, a população é mais saudável, tem expectativa de vida mais alta e acesso muito maior à educação. Dispõe também de uma variedade de recursos e opções na vida para poder lidar melhor com os desafios da Covid-19, porque possui maiores possibilidades de trabalhar sem sair da sua residência, privilégios que as pessoas mais pobres nem sequer podem sonhar.

Se por qualquer motivo se virem forçadas a sair de casa, as pessoas mais ricas podem circular pelas ruas em viaturas particulares, sabem que há fortes probabilidades de as forças de defesa e segurança não as prender ou assediar de maneira arbitrária. Senão, sempre podem optar por ficar nas suas residências, desfrutar das boas condições de habitabilidade, tais como electricidade, água corrente, etc., o que para um número grande dos seus concidadãos que vivem do sector informal tem sido, de certo modo, mais difícil, ou mesmo impossível.

O interessante é que tudo isto não é suficiente para se evitar o risco de contágio pela pandemia da Covid-19 e muito menos serve para proteger a nossa economia. Como dizia um amigo, neste caso, face ao contexto marcado pela ameaça da Covid-19, ricos e pobres, todos contamos com as instituições do Estado no que toca à prestação de serviços de assistência médica e medicamentosa, educação e saúde, protecção e manutenção da lei e da ordem. Pois, sabemos que, se o pior acontecer, o sector privado poderá não ser mais uma alternativa viável para quem tem dinheiro, tal como está a acontecer em outras paragens.

A grande diferença em termos de desigualdade entre nós são evidentes para todos e todas, existem muitas pessoas que vivem em zonas mais pobres do país sem acesso, sequer, à televisão, rádio, jornal ou à internet. Essa realidade repleta de discrepâncias, explica, de certo modo, a resistência de algumas pessoas em acatarem a recomendação segundo a qual devemos ficar todos em casa, já que algumas pessoas terão mais dificuldades em cumpri-las, visto que não tiveram a possibilidade de experimentar as oportunidades e padrões de vida mais dignas como outros seus concidadãos.

Agora, em tempos marcados pela Covid-19, fica bem claro o facto de que tal desigualdade não tem consequências apenas para a vida dos indivíduos mais pobres; daí causar também medos e receios das imensas consequências e riscos de contaminação a todas as pessoas, incluindo as mais ricas. Compreender as razões por que tais diferenças existem e o que as causas podem não ser vistas por algumas pessoas como algo urgente nesta fase, mas chegar a esse entendimento, ainda que não seja um fim em si, ajuda-nos a encontrar os caminhos que nos levarão a salvar vidas humanas e recuperar a nossa economia.

Reconhecer as desigualdades pode ser um de entre os primeiros passos que temos de encetar, no sentido de gerar ideias concretas acerca de como vamos lidar com os dois grandes desafios do momento, que, a meu ver, são: salvar o maior número de vidas humanas e recuperar a nossa economia. Como é regra, o sector da economia, que abrange a produção e circulação de bens, mercadoria e a prestação de serviços não financeiros, tais como comércio, transporte, e outros, ficaram muito afectados, quer pela queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, quer pelas medidas de contenção social impostas pela necessidade de travar ou reduzir ao máximo a circulação da Covid-19 entre nós.

Isto significa, em termos práticos, que há pessoas cuja renda familiar mensal ou diária se deve, em grande medida, a actividades consideradas não essenciais e, portanto, obrigadas a encerrar para o bem de todos nós. Estas ficarão sem saber como se vão sustentar, caso não sejam funcionários públicos ou trabalhem por conta de outrem que tenha condições de assumir o compromisso de continuar a pagar tais salários. Nestas condições, tenho dúvidas se muitas destas poderão ter condições de se prevenirem, de modo a evitar o contágio, permanecer em casa, de forma a evitar a circulação comunitária do vírus ou trabalhar a partir de casa, em prol da recuperação da nossa economia...