Inicialmente, Midas regozijou-se com o seu novo poder. No entanto, rapidamente percebeu a natureza destrutiva do dom: ao transformar em ouro os alimentos, as bebidas e até a sua própria filha, Midas confrontou-se com o vazio e a esterilidade de uma riqueza que não podia ser verdadeiramente usufruída. Suplicou então a Dionísio que o libertasse do dom, e foi-lhe ordenado que se lavasse nas águas do rio Pactolo, cujas margens, segundo a lenda, ficaram então repletas de ouro. A história de Midas oferece um paralelismo eloquente com a realidade de países como Angola, detentores de vastos recursos naturais - em particular, o petróleo - mas cuja gestão tem sido marcada por uma utilização pouco eficiente dessa riqueza.

Ora vejamos,
Para além da arrecadação directa de receitas fiscais - que continua a constituir o principal mecanismo de financiamento da despesa pública -, podem identificar-se três canais adicionais através dos quais o sector petrolífero influencia a economia: o mercado de trabalho, o mercado de bens e serviços e, por fim, o mercado monetário e cambial. A formulação de uma política económica eficaz e estruturalmente transformadora exige a activação e optimização destes canais, de forma integrada e estratégica, por forma a maximizar os ganhos nacionais e promover o bem-estar colectivo. Exemplos ilustrativos de tal abordagem podem ser encontrados em países como a Noruega ou nos Estados do Golfo, como o Qatar, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos - denominador comum? A ambição de transformar a renda petrolífera em capital produtivo e sustentável.
Em Angola, a realidade revela-se bastante distinta. A receita petrolífera continua a ser a principal fonte de financiamento do Orçamento Geral do Estado (OGE), mesmo quando o peso do sector no Produto Interno Bruto (PIB) tem vindo a reduzir progressivamente. Em 2017, a receita proveniente do petróleo representava 53% das receitas totais do OGE. Contudo, sob a governação do Presidente João Lourenço, este indicador fiscal tem seguido uma trajectória paradoxal e preocupante: em vez de diminuir, como seria de esperar num cenário de diversificação económica, o seu peso agravou-se, fixando-se, em 2024, nos 79%. Pasme-se: quanto mais se fala de reforma e diversificação, maior é a dependência do petróleo.
Importa, neste contexto, centrar a análise na qualidade da despesa pública como canal de transmissão efectivo dos benefícios da exploração petrolífera para a população. A retórica oficial tende a valorizar o pagamento de salários à função pública e a atribuição de prestações sociais. No entanto, a aplicação dos recursos em bens e serviços, bem como o financiamento do investimento público - sobretudo no domínio das infraestruturas - tem sido alvo de crescente contestação, e com razão. Os benefícios económicos destas rubricas orçamentais têm sido sistematicamente comprometidos por um conjunto de disfunções crónicas: planeamento deficiente, sobrefaturação escandalosa, má qualidade das obras públicas e, em muitos casos, a apropriação indevida de recursos através de esquemas rentistas de natureza claramente delituosa.
No mercado de trabalho, o sector petrolífero tem enfrentado desafios estruturais significativos no domínio da geração de emprego, especialmente no que respeita à criação de oportunidades para mão de obra nacional qualificada. Apesar de continuar a representar um pilar fundamental da economia angolana - contribuindo com cerca de 28,6 por cento para o PIB em 2024 - o sector petrolífero permanece estruturalmente pouco intensivo em mão-de-obra. A sua contribuição para o emprego formal é marginal, estimando-se que represente apenas 0,5 por cento do total de postos de trabalho. Esta realidade reflecte uma oportunidade desperdiçada de maior inserção de quadros angolanos qualificados, especialmente num contexto em que existem investimentos em formação técnica e universitária em áreas-chave como engenharia, geociências e tecnologias industriais.
No mercado de bens e serviços, constata-se uma falência significativa das políticas públicas destinadas a promover a participação efectiva das empresas nacionais na cadeia de valor da produção e exportação de petróleo bruto. Um dos indicadores mais reveladores desta limitação é a reduzida participação da Sonangol na produção nacional, que em 2023 foi de apenas 2,05 por cento. Os blocos operados directamente pela Sonangol produziram, em média, 22,7 mil barris de petróleo por dia. Esta realidade evidencia uma forte dependência das multinacionais estrangeiras para garantir a produção de petróleo, o que levanta sérias preocupações em matéria de segurança estratégica e soberania energética. Para efeitos comparativos, é pertinente referir o caso da Líbia, onde, apesar da instabilidade política e dos conflitos armados persistentes, a empresa nacional é responsável por mais de 80 por cento da produção de petróleo e gás. A disparidade não poderia ser mais gritante.
Este quadro, já de si alarmante, agrava-se com o declínio da participação das empresas privadas nacionais no segmento da prestação de serviços ao sector petrolífero, particularmente no período pós-guerra, que, em tempos, se apresentou como promissor. Embora estas empresas ainda operem, em muitos casos, com um modelo rentista e fortemente dependente da subcontratação de serviços ao exterior, o seu papel é incontornável para a dinamização do conteúdo local - um dos pilares proclamados, embora raramente respeitado, das políticas públicas do Executivo. Entretanto, num gesto de zelo tecnocrático, a equipa económica (EE) do Executivo decidiu abraçar, com fervor quase religioso, uma estratégia de desdolarização imposta (ou generosamente "aconselhada") pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Resultado? Muitas dessas empresas nacionais enfrentam agora um processo acelerado de asfixia financeira e cambial, conduzindo-as, sem grande cerimónia, à falência.
O cumprimento escrupuloso do regime cambial por parte das empresas nacionais tem-se revelado um verdadeiro entrave à sua sobrevivência. Estas são obrigadas a receber em kwanzas pelos serviços prestados às petrolíferas estrangeiras, mas enfrentam sérias dificuldades para aceder às divisas necessárias ao pagamento de fornecedores no exterior, que são, em muitos casos, essenciais à manutenção das operações contratualizadas. Isto porque, como se sabe, o mercado cambial nacional continua a padecer de uma crónica escassez de divisas. Mais grave ainda é a flagrante assimetria no tratamento cambial entre as empresas nacionais e estrangeiros: enquanto as empresas angolanas são compelidas a cumprir rigorosamente todas as disposições do regime cambial do sector, as estrangeiras gozam, ao que parece, de um estatuto de excepção oficioso - ignorando disposições legais com uma complacência institucional desconcertante. A lógica subjacente parece ser a seguinte: exigir rigor aos fracos e tolerar flexibilidades aos fortes.
Chegados a este ponto, impõe-se uma análise séria - ainda que inevitavelmente crítica - sobre o vector de transmissão do sector petrolífero no funcionamento dos mercados monetário e cambial em Angola. Os dados disponíveis não deixam margem para dúvidas quanto ao contributo expressivo deste sector para a balança de pagamentos. Entre 2017 e 2023, as exportações ascenderam, em média, a 34,2 mil milhões de dólares norte-americanos, ao passo que as importações se fixaram nos 14,3 mil milhões de dólares. O saldo da conta corrente, mesmo após contabilizadas as operações com rendimentos primários e transferências correntes, revela um excedente médio robusto de 6,1 mil milhões de dólares. Paralelamente, a conta de capital e financeira manteve igualmente um saldo positivo, na ordem dos 4,1 mil milhões de dólares, impulsionado essencialmente pelo investimento estrangeiro directo no sector petrolífero e pela mobilização de financiamento externo.
Perante este quadro do sector externo aparentemente favorável - e sublinhe-se o "aparentemente" - seria expectável que a moeda nacional reflectisse alguma estabilidade. No entanto, contra todas as regras da lógica económica convencional, o Kwanza registou, entre 2017 e 2023, uma desvalorização acumulada de impressionantes 399,7%. A questão impõe-se: como é possível conciliar um desempenho externo tão positivo com uma moeda que se comporta como se o país estivesse em colapso cambial permanente? A resposta, como tantas vezes acontece, não reside na ausência de recursos, mas na forma como estes são - ou não são - integrados na economia real. Os montantes assinalados na balança de pagamentos não circulam no mercado monetário nacional. E porquê? Porque o Executivo decidiu prosseguir com uma estratégia de desdolarização que, embora teoricamente louvável, fracassou redondamente no plano da implementação. As empresas petrolíferas estrangeiras, numa demonstração de resiliência normativa (ou seria de desprezo institucional?), continuam a operar fora dos circuitos financeiros nacionais, ignorando em larga medida a legislação em vigor.
Pasme-se, portanto, com a singularidade de um país que exibe saldos externos consistentes, atrai volumes consideráveis de investimento directo estrangeiro no sector petrolífero e, ainda assim, não consegue evitar que a sua moeda nacional se torne um activo tóxico aos olhos dos próprios agentes económicos. É, pois, caso para dizer que, em Angola, a moeda nacional é a primeira vítima de um sistema económico que ostenta bons resultados nos relatórios internacionais, mas que não consegue convertê-los em estabilidade interna. Um paradoxo? Talvez. Uma oportunidade perdida? Sem dúvida. Um falhanço estratégico com implicações profundas na soberania monetária e cambial? Inquestionavelmente.
Tal como Midas acabou por implorar a Dionísio para reverter o seu "dom", há hoje uma urgência em reavaliar o modelo económico angolano. O petróleo, por si só, não é garantia de prosperidade. Sem instituições sólidas, visão estratégica e investimento em capital humano e infraestruturas, a riqueza natural transforma-se numa armadilha: uma abundância que paralisa, em vez de libertar. O mito de Midas serve, portanto, como uma metáfora poderosa para o paradoxo da abundância mal aproveitada. Este mito lembra-nos que a riqueza, quando mal gerida, pode ser tão desastrosa quanto a escassez. Para Angola, o desafio está em romper com o comodismo do rentismo e usar os seus recursos como alavanca para uma transformação económica verdadeira - antes que a bênção se torne, definitivamente, maldição.
Vale recordar a afirmação de Jeffrey Sachs, economista norte-americano e especialista em desenvolvimento económico da Columbia University: "A maldição dos recursos não se deve aos recursos em si, mas às instituições que os gerem."


*Professor Auxiliar de Economia e Investigador Business and Economic School - ISG

Bibliografia
• INE-Folha de Informação Rápida, Contas Trimestrais IV Trimestre 2024. INE, 2025.