Mas como ele queria comer pão alemão em Luanda, sabendo até que não existe qualquer aproximação cultural ou gastronómica neste sentido? Era o mesmo que o Presidente João Lourenço estar num hotel em Berlim e exigir um bom caldo angolano ao mata-bicho, funge ou mufete ao almoço, ou chá de Caxinde com bombó frito ao jantar. Depois da polémica com a COP 30 no Brasil, e a resposta do Presidente Lula, os próprios alemães já perceberam que têm um chanceler propenso a gaffes e ao embaraço político, um político que ignora a ética diplomática, mas que não o faz por ignorância, talvez por um certo ego, soberba ou sentimento de superioridade. Nada disso é inocente, nem dito ao acaso. É claro que os alemães, que são um povo educado, culto, respeitado e respeitador, não podem viver na permanente expectativa de qual será a próxima gaffe ou embaraço que o seu chanceler lhes vai arranjar cada vez que viaja para o exterior, ou até sentirem necessidade de não lhe deixarem sair. Que saudades temos e que falta faz a diplomacia, elevação, elegância e distinção de Angela Merkel! Uma governante que sempre tratou Angola e os angolanos com humildade, carinho e respeito. Ele tem o direito à livre expressão de sentimentos, mas preciso que perceba que exerce funções de Estado e, nesta condição, deve pautar por alguma contenção, equilíbrio e ponderação.
É claro que os angolanos têm o direito à indignação, uma vez que o acolheram tão bem e esperavam que também falasse um pouco de Luanda que viu, nem que fosse até para falar do sol e calor que aqui encontrou (que muita falta faz nesta altura por Berlim). Fui convidado a visitar a Alemanha, aceitei com muito agrado. Será a minha primeira visita ao país, mas, certamente, terei a responsabilidade de escrever no Novo Jornal a história de uma nação que inspira e acolhe muitos angolanos. Cidadãos que se sentem bem acolhidos, incluídos e integrados. Cidadãos que a Alemanha deu novas oportunidades e sentido de vida, que respeitam as leis, a cultura e o espírito de convivência.
Caro Chanceler Friedrich Merz, sou da geração que em Angola viu a queda do Muro de Berlim, que vibrou efusivamente com a reunificação da Alemanha. Sou da geração que em Angola ouviu e aprendeu a traduzir o "Wind of Changes" dos Scorpions, saiba que aqui, em Angola, também festejámos quando a Alemanha ganhou o Mundial de 1990 na Itália, que não tendo pão alemão nos hotéis e supermercados, os angolanos têm muito respeito e admiração por Franz Beckenbauer, Gerrard Muller, Karl- Heinz Rummenigge, Lothar Matthaus, Ruddi Voller, Jurgen Klismann e Pierre Littbarski.
Existe em Angola muito conhecimento pela história da Alemanha e de suas figuras, e merece a devida reciprocidade. Sobre o pão, é curioso dizer que houve um período, em Angola, que o pão era transportado para os depósitos de abastecimento popular por viaturas alemãs da marca IFA (modelo Robur). Portanto, a nossa história com a Alemanha e com o pão vem de longe.
Mas o pão pode ser somente uma metáfora para criticar a própria estrutura do poder em Angola, o chanceler é inteligente e pode ter deixado uma mensagem no ar: como falar de prosperidade num país que carece do mínimo básico? Um país que, mesmo num hotel de luxo, não consegue oferecer "um pedaço de pão decente"?
O trágico é que hoje começa a deixar de existir o pão verdadeiramente angolano, uma vez que existe um monopólio dominado por estrangeiros que controlam a importação de trigo e as padarias que existem pelo País. A crítica do chanceler não será tanto ao "pão nosso que estais no Sana", que já provei e reconheço a sua qualidade, mas, sim, a todo um sistema que, apesar de todo o luxo e aparato, não se conseguiu dar pão de qualidade. Da próxima, ele que traga na mala o pão alemão ou então que lhe seja oferecida a nossa mandioca, bombó frito, ginguba e batata - doce. Que, da próxima vez, o chanceler alemão visite Calulo, Kwanza-Sul, para conhecer alemães e seus descendentes que, mesmo comendo "o pão que o Diabo amassou", têm estado ao longo de décadas a ajudar Angola a desenvolver ou então a procurar conhecer a história da Madame Berman e do bairro que ergueu em Luanda, que ainda hoje tem o seu nome e respeito dos angolanos.

