Piçarra receberá uma medalha das mãos dos embaixadores dos dois países em Janeiro de 2021. Começou a sua carreira ainda nos anos 80, faz parte de uma geração de jovens que na década de 90 revolucionou a banda desenhada em Angola e, como cartoonista, criou a personagem "Mankiko, o imbumbável".
A liberdade de expressão e a de opinião são uma das grandes conquistas da nossa ainda jovem democracia. O cartoon de Sérgio Piçarra representa uma das mais nobres, elevadas e inteligentes expressões da liberdade. É um importante barómetro para a afirmação da democracia e uma forma de romper as barreiras da intolerância. Através do humor, da sátira e do sarcasmo, consegue levar-nos para interessantes reflexões e a interpretar realidades que nos pareciam muito complexas. Apesar das múltiplas barreiras, pressões e incompreensões, o seu cartoon é a arte em estado livre. É, muitas vezes, inconveniente e politicamente incorrecto (ninguém disse que tinha de ser diferente), gosta de baralhar palavras e de trocar significados. Se tivesse sabor, o seu cartoon seria agridoce, pois é amado e odiado; sabe usar toda a liberdade de que dispõe.
Ao longo do seu percurso e deste brilhante processo criativo, Piçarra, além de Mankiko e a companheira Fatita, foi trazendo para o nosso seio outras figuras como o Bajulino e o seu Chefe, no âmbito do cumprimento de umas ditas Ordens Superiores. Sendo um profissional atento e bem informado, criou duas figuras que acrescentam bastante valor e sentido crítico ao seu trabalho: a menina Esperança e o seu irmão mais novo, o Futuro. Trata-se de duas crianças que, como crianças que são, gostam de perguntar os porquês, a tocar onde não devem e a confirmar aquilo que já prevíamos.
Estas duas personagens revelam a esperança do cartoonista num futuro de abertura, liberdade e tolerância em Angola. Esta Pátria e alguns dos seus filhos que lhe vêem negado reconhecimento num trabalho que tem feito com grande espírito de sacrifício, zelo, empenho e dedicação. Este reconhecimento que vem de fora deve servir de recado para os de dentro, é uma lição de como devemos ser tolerantes com quem tem a arte como forma de ser e de estar na vida. Este tipo de reconhecimento feito pelos "de fora" revela muito como nós, os cá "de dentro", com os nossos complexos e barreiras, vamos matando sonhos e adiando carreiras.
Que estes recados de fora sejam a chapada de luva branca para reflectir sobre a forma como devemos promover a qualidade, a excelência e a competência! Que estes recados de fora consigam trazer abertura de mentes e de espíritos, que nos leve, sobretudo, a procurar entender melhor e a respeitar mais o trabalho deste grande artista angolano! Estes recados de fora vieram revelar algo mais grave: estamos todos em dívida com o Sérgio Piçarra. Sim! Em dívida porque levámos tempo para perceber o alcance do seu trabalho. Estamos em dívida porque fizemos resistência em percebê-lo. Estamos em dívida porque ainda aguardamos "ordens superiores" para lhe abrir espaços na nossa comunicação social. E também estamos todos gratos por todas as semanas Sérgio Piçarra ocupar a última página deste jornal com trabalho de qualidade, com o melhor do que há em termos de cartoon em Angola. Estamos gratos porque nos consegue criar esperança de que ainda há futuro para nós. Estamos gratos porque o seu cartoon é arte pura e a mais sublime expressão da liberdade. Grato por contribuíres para que o Novo Jornal seja cada vez mais um espaço de afirmação do bom Jornalismo. Estamos gratos e felizes por ti, Sérgio. Estamos gratos por ter-te como amigo, colega e colaborador.
"É homenageado pelo seu engajamento pessoal e pelo trabalho que contribui para a promoção da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e do Estado de Direito em Angola", assim diz a nota de imprensa. O recado está dado, veio de fora, mas nós fazemos a festa cá dentro, começando já no nosso Novo Jornal e companheiro Expansão.