Orgulho-me, enquanto estudante em Lisboa, de ter participado em várias reuniões e acções promovidas por um grupo de estudantes das colónias portuguesas que discutiam, na clandestinidade, a necessidade de se moverem actividades, visando o fim das guerras e a autodeterminação e independência das colónias. A situação em Lisboa estava a tornar-se cada dia mais complicada, greves de estudantes e outros. As polícias, política e a de "choque" tentavam evitar as concentrações de estudantes. Como resultado, perdi o ano e regressei imediatamente a Luanda, pois as minhas economias estavam esgotadas.

Em Luanda, a partir de 1973, como aluno do Instituto Industrial, comecei a participar em reuniões, nas quais se discutia a situação política de Angola.

Tive o privilégio de oferecer vários livros sobre política e sobre a perseguição a elementos do MPLA, nomeadamente: "Em defesa de Joaquim Pinto de Andrade", livros que trouxera de Lisboa, em bagagem não acompanhada, devidamente camuflados por causa da PIDE.

A guerra colonial estava esgotada, não era solução, e a independência seria inevitável a curto-prazo.

Desse modo, a Revolução de Abril, levada a cabo pelas forças armadas portuguesas, não foi surpresa.

O meu ideal e sonho seria uma Angola independente.

Orgulho-me de ter colado nas paredes de Luanda, em 1974, com um grupo de alunos do Instituto Industrial, e ainda com medo da PIDE, os primeiros cartazes do MPLA.

"MPLA - legítimo representante do povo angolano".

A revolução de Abril coincide com a conclusão do meu curso de Engenharia e consequente estágio profissional no centro emissor da RTPA, localizado no Miramar. Estágio conseguido na sequência de uma conversa com o escritor Luandino Vieira, director da Rádio Televisão Popular de Angola, na altura.

Entretanto, o MPLA, a FNLA e a UNITA começam a desenvolver a sua actividade em Luanda e noutras províncias, visando ganhar terreno e integrar um governo de transição, na sequência dos Acordos de Alvor de 1975. A data da independência tinha sido marcada para 11 de Novembro.

Em Outubro de 1975, grande insegurança e carência alimentar começou a instalar-se na cidade de Luanda e noutras, acrescida da retirada dos colonos e outros europeus. Acresce a invasão das tropas sul-africanas para apoio à UNITA, em Agosto de 1975.

Esta situação provocou o caos, e a insegurança fez que familiares meus, oriundos de Benguela, fugissem num barco russo até Luanda e daí para Lisboa, na ponte aérea posta à disposição por várias países, para a saída dos colonos e dos seus familiares.

Apanhado por esta situação, sozinho em Luanda, e sobretudo muito triste por perseguições e assassinatos provocados por alguns elementos radicais do meu partido, que eliminaram e fizeram desaparecer camaradas meus amigos, resolvi partir por questões de segurança.

O meu sonho de ver uma Angola finalmente justa para com os seus filhos ficou adiado.

Chegado a Portugal, com apenas um curso de Engenharia no bolso, procurei, imediatamente, trabalho. Não era fácil, havia muita instabilidade e pouco trabalho. Pensei que no ensino técnico podia ter alguma possibilidade e, nesse sentido, escrevi a várias escolas industriais de Portugal.

Poucos dias depois, recebo um telegrama da Escola Industrial e Comercial do Funchal a disponibilizarem um horário. Foi a sorte grande. Acabado de chegar de Angola, tinha arranjado colocação como professor no Funchal, capital da ilha da Madeira.

A Ilha da Madeira pertence ao arquipélago da Madeira e é uma região autónoma portuguesa. Está localizada no meio do Sul do Atlântico Norte, terra maravilhosa em termos humanos, paisagísticos, culturais e de coordenadas africanas.

Dista cerca de 700 quilómetros a Oeste da costa africana e a 450 das Ilhas Canárias.

Terra de emigrantes e que sabe muito bem receber os imigrantes.

Deste modo, sinto-me em África, sinto-me em casa. E já lá vão 45 anos, como professor do ensino técnico e universitário e engenheiro, com uma passagem de dois anos pela República Federal Alemã, para uma especialização em Energias Renováveis.

Com 38 anos ao serviço das energias renováveis, orgulho-me de ter sido pioneiro e contribuído para o estudo e implementação dos primeiros parques eólicos de Portugal, bem como as primeiras instalações fotovoltaicas em locais isolados para abastecimento de electricidade.

Malanje, onde nasci e vivi durante cerca de 19 anos, e Luanda, onde estudei Engenharia e onde comecei a trabalhar, estão dentro de mim, não esqueço Angola.

Terra quente, apaixonante com um magnífico e genuíno povo multicultural, que eu tenho o privilégio de conhecer de Norte a Sul , de Cabinda ao Cunene.

Com o fim da guerra e a paz alcançada em 2002, na sequência da morte de Jonas Savimbi, os objectivos de progresso com mais e melhor água, electricidade, habitação, cuidados primários de saúde, escola para todos e mais trabalho não foram atingidos por problemas de diversa ordem.

O egoísmo dos homens (alguns dos quais meus colegas no IIL de Luanda) desviou para fora do País e, sem escrúpulos, os milhões e milhões do petróleo e de outras riquezas nacionais.

Mas, como não há partos sem dor, também não nascem países sem convulsões e dificuldades. Faz parte da história do nascimento das nações.

Contudo, a maioria dos filhos de Angola, filhos dos colonos, aqueles que não têm resquícios coloniais, que tiveram de abandonar o País devido à instabilidade provocada pela descolonização e guerra posterior, o seu sonho é ver o País crescer e resolver os graves problemas que ainda existem.

Tudo o que diz respeito a Angola mexe connosco.

Os avanços e retrocessos do País;

As vitórias e as derrotas no desporto nacional e internacional;

O sucesso de muitos angolanos fora do País, nas mais diversas áreas;

Os problemas dos angolanos que vivem na Europa sem condições de habitação, e outras, mas que se servem deles pela qualidade do seu trabalho e baixo salário;

Os bolseiros angolanos que vivem com dificuldades.

A nossa comunidade na Madeira dispõe da Casa de Angola - Associação, que foi criada em 2011, sendo actualmente dirigida por Fátima Chulata, e somos pelo menos 200 pessoas.

A criação desta associação deveu-se ao empenho do Consulado Geral de Angola em Lisboa.

Sabemos que no País continuam por resolver problemas básicos, também sabemos que não é fácil resolver o problema de milhões de pessoas que, após a guerra, foram viver para Luanda, onde outros já viviam, milhares com falta de condições.

É preciso muito planeamento, tempo, dinheiro e a colaboração das pessoas.

Acresce que grandes metrópoles europeias e americanas com séculos de independência ainda têm graves problemas básicos, nomeadamente: falta de água, electricidade, saneamento básico, habitação, saúde, transportes, entre outros. Os imigrantes vivem, na maioria dos casos, nos subúrbios das grandes cidades e sem condições mínimas.

Mas temos esperança de que Angola vai resolver os seus problemas. É preciso aproveitar a juventude das universidades e institutos e descongestionar os grandes centros, através da realização de projectos nas diversas províncias.

É preciso criar condições para a população voltar à agricultura, às suas terras de origem.

Em meu entender, a situação de Cabinda podia ser resolvida com a atribuição de um estatuto especial à província, do tipo região autónoma de Cabinda com Governo e Parlamento regional. Solução encontrada por Portugal e Espanha para as suas regiões insulares, e que tem resultado com grande sucesso.

Agora como "Kota reformado", o grande sonho é querer ver Angola no bom caminho, como uma grande potência africana.

Tem potencial humano e riquezas suficientes para se tornar um dos melhores países. É preciso deixar o Governo governar, dar tempo e ajudar também.

As redes sociais, que são importantes para criticar, podem e devem ser úteis também para ajudar a resolver muitos problemas.

E para terminar como filho da terra, malanjino, residente na Ilha da Madeira, a maior alegria que podia ter era ser-me atribuída a nacionalidade angolana.

Tenho esperança de que o Presidente, quando Angola completar 50 anos de independência, num gesto de solidariedade, proponha à Assembleia Nacional uma excepção à Lei da Nacionalidade, visando atribuir a nacionalidade angolana a alguns filhos do País que, por questões várias, foram obrigados a abandonar a sua terra e que, fora dela, em várias partes, prestigiam a sua terra natal com o seu trabalho e dedicação nesta era da globalização.

*Engenheiro mecânico