A FOME tem influenciado tremendamente a história da Humanidade. A FOME em África tem sido criminosamente ignorada por todos os governos e Angola não é excepção. A FOME é o escândalo do século XXI. De acordo com Martin Caparrós, jornalista e escritor argentino, no seu livro A FOME, "de 5 em 5 segundos uma criança com menos de 10 anos morre num planeta que transborda de riquezas e que no seu estado actual, a agricultura poderia alimentar sem problema 12 mil milhões de pessoas, isto é, quase o dobro da população mundial existente".

Está provado que a FOME em África resulta da falta de políticas inclusivas por parte de governos que são insensíveis à multiplicação da pobreza. Aliado a esta indiferença temos a corrupção, a falta de transparência e uma gestão económica danosa e alinhada a interesses privados. Temos que contrariar isto definitivamente ou África não terá o futuro que merece.

Um dos dramas da pobreza é que associado à FOME emerge a doença. A Tuberculose, a Anemia, a Sub-nutrição infantil e a mais invisível, mas não menos dolorosa, a diminuição da capacidade cognitiva quando a criança é submetida a fome moderada ou severa nos primeiros cinco anos de vida e este facto é irreversível na vida adulta e condiciona quer a habilidade lógica, quer a aprendizagem eficiente.

O OGE de 2019 volta a tratar a Agricultura como parente pobre fixando a sua dotação no patamar do 1% o que mais uma vez prova que para quem tem comida nos frigoríficos a FOME dos outros não é uma prioridade. Esta miopia política é o principal obstáculo da criação de condições que garantam a sustentabilidade alimentar.

1 em cada 10 crianças africanas morre antes dos 5 anos e isto é 15 vezes superior à média dos países ricos. Não obstante este ser um dado público não tem sido suficiente para que a questão da sustentabilidade alimentar encontre soluções e se vejam os benefícios e se reduzam os números desta vergonha.

Chegar à FOME ZERO em Angola deve ser um imperativo nacional. Um país sem desnutridos seria uma tremenda vitória. E esta vitória nunca será conseguida através da melhoria da beneficência. Terá que ser por direito próprio por via do trabalho ou não será sustentável. A protecção dos direitos civis e humanos está directamente relacionada com o nível económico e social de uma sociedade. Em Angola a Igualdade de comer todos os dias é ainda um sonho.

Urge por isso colocar em prática planos que mitiguem o impacto das alterações climáticas, do êxodo rural, do abate florestal indiscriminado, da pesca industrial descontrolada, da escassez de infraestruturas promovendo programas agrícolas simples e eficazes que permitam a aniquilação da importação massiva e inaceitável como acontece ainda hoje.

De recordar que em Angola, cuja a taxa de desemprego é épica e camuflada pelo sector informal, a agricultura familiar foi responsável, em 2017/18, por 92% da área cultivada no país e apenas 8% foi cultivado por empresas agrícolas, de acordo com o Ministério da Agricultura e Florestas. No entanto foi nestes 8% que incidiu o maior investimento público.

A FOME na infância, traduzida de forma poética por desnutrição infantil porque choca menos, foi avaliada em 2018 pelo Programa Nacional de Nutrição como sendo uma situação de emergência atingindo crianças dos 6 meses aos 5 anos. Em 2017 a FOME matou 804 crianças menores de 5 anos, de acordo com o Boletim Epidemiológico Nacional, e foi classificada como sendo a sétima causa de mortalidade infantil.

É por isso urgente que o Executivo encare a FOME como um factor de constrangimento múltiplo, como um indicador vergonhoso de mortalidade e morbilidade infantil e aprofunde o diálogo entre o sector público, organizações da especialidade e a Academia para que possam contribuir com sapiência e honestidade para a promoção de políticas públicas que sejam capazes de pensar na resolução da FOME em todas as dimensões.

Mais uma vez concordo com Peter Drucker quando defendeu que "não há países sub-desenvolvidos. Há países sub-administrados". Não baste sermos o primeiro produtor de petróleo do continente africano. É, sobretudo, importante que sejamos um país que foi capaz de garantir sustentabilidade alimentar e tenhamos em conta que a nossa gestão nunca será avaliada como sendo eficiente e justa enquanto morrerem crianças de FOME.

O meu desejo é que o Executivo encontre mecanismos para que as crianças angolanas tenham três refeições por dia, todos os dias. Um povo com FOME perde a Humanidade, a Dignidade e todos os seus Direitos Humanos.