"Diego Armando Maradona morreu nesta quarta-feira, 25, vítima de uma paragem cardiorrespiratória, aos 60 anos. E depois de um período de contenção de emoções, foi o momento de recordar o histórico Mundial de Futebol do México, em 1986, o primeiro que a nossa TPA transmitiu e no qual ele foi dono e senhor.

São poucos os que atingem o patamar da eternidade, e Maradona já era eterno mesmo antes de ter partido. Ganhou por talento e mérito próprio o direito à imortalidade. O seu futebol era uma mistura de opostos: tinha suavidade e também rapidez de explosão. Fintou como se não houvesse amanhã, os seus dribles carregavam a leveza e pureza de um daqueles bons tangos de Carlos Gardel. Era sublimação da arte o toque enamorado à bola.

Espalhou magia e alegria nos relvados. E mais do que admirá-lo, devemos-lhe hoje gratidão pelo extraordinário prazer que era vê-lo jogar. Não me lembro de ter visto jogar alguém tão perfeito, tão sublime no relacionamento com a bola. Maradona foi talento puro e não substância ilícita que nos ensine a ser craques. Era de outra galáxia dentro dos relvados, mas fora dos relvados também era um ser imperfeito. Vícios privados acabaram por prejudicar talentos públicos. Em campo fintou tudo e todos, mas fora deles não teve a mesma destreza e não fintou a droga ou o álcool.

Era o exemplo de superação e de materialização de sonhos. O rapaz humilde de um bairro pobre da Argentina que um dia sonhou ser campeão do mundo de futebol. Tinha apenas 17 anos quando viu a sua Argentina vencer o Mundial de 1978 (faria 18 anos três meses depois). O técnico Cesar Menotti, com uma equipa com craques consagrados como Passarella, Gallego e Tarantini, decidiu-se a deixar de fora o génio que despontava para o mundo. O Mundial de Espanha 82 acabaria por ser a estreia de Maradona nos grandes palcos do futebol mundial, mas colectivamente acabou não sendo uma boa experiência, pois, na altura, ocorria a Guerra das Malvinas, um confronto entre a sua Argentina e a Inglaterra. Em 1986, com uma selecção bastante limitada (e que quase não se classificou para o Campeonato do Mundo), Maradona foi o verdadeiro líder e estrela da companhia.

A vitória contra a Inglaterra nos quartos-de-finais teve grande impacto não apenas no campo desportivo. Não foi apenas a eliminação de um adversário numa competição, para os argentinos, Maradona acabava por devolver-lhes a honra arrancada quatro anos no conflito das Malvinas. Aquela jogada em que ainda antes do meio-campo acaba "a varrer" seis jogadores da armada britânica e só termina com a bola no fundo das redes (naquele que viria depois a ser considerado o melhor golo em fases finais de um Mundial) aos 55 minutos de jogo, foi o sublimar da arte, da hegemonia desportiva e puro talento.

A tensão entre as equipas e a intensidade das jogadas tinham sido alimentadas quatro minutos, isso aos 51 minutos de jogo, por um "golpe divino", aquele que Maradona viria a afirmar ser um golo feito com "a mão de Deus". Num só jogo e num espaço de quatro minutos fazer um feito inédito: marcar o golo mais polémico e o golo mais bonito da história dos mundiais.

No Mundial da Itália, em 1990, Maradona carrega a sua Argentina até à final (em que perde na final para a Alemanha por 1-0, com golo de Andreas Brehme, num penalty). Em 1994, nos EUA e já com 34 anos, ainda com algum génio e arte, Maradona acabaria por cair nas malhas do doping e afastado da competição (o jogador alegou que era a medicação que fazia para emagrecer).

Foi até hoje o melhor jogador que vi jogar. Antes dele houve dois grandes jogadores que já não vi jogar, mas que cheguei a conhecer e a entrevistar: Pelé e Eusébio! Mas Maradona não tinha a obsessão em ser o melhor e nem o fazia para o ser, tinha a sua arte, engenho e talento e era suficiente. Não tinha uma vida regrada, uma disciplina ou cuidados com a imagem como se vê nos jogadores de hoje. Para ele, bastava uma bola de futebol e fazia a alegria de todos. Mais do que um jogador, ele era um líder, um irmão, um companheiro nos relvados. O Presidente argentino, Alberto Fernández, decretou três dias de luto nacional pela morte do astro.

Outro aspecto curioso é que Maradona morreu precisamente no mesmo dia em que morreu o antigo Presidente e líder da revolução cubana, Fidel Castro, num dia 25 de Novembro. Fidel morreu a 25 de Novembro de 2016 e o seu amigo Maradona morre precisamente quatro anos depois. Até na morte houve cumplicidade entre duas grandes figuras da história mundial. Maradona atingiu a imortalidade ainda em vida e deixa-nos as memórias dos dribles, da arte, das jogadas, dos golos e do discurso polémico. E falando em polémica, o episódio da gloriosa "Mão de Deus" vai ficar para sempre na história. Finalmente, agora vai descansar e terá descanso. Até um dia, El Pibe!