Ora, o argumento do Executivo angolano é, no mínimo, capcioso e visa evitar qualquer dedução de leitura relativamente a uma eventual promiscuidade entre os poderes Político e Judicial; o que, a acontecer, em nada surpreenderia, uma vez que, no contexto político angolano, como consequência da opção monolítica da noção de Estado, vimos repetidas vezes o Poder Político a confundir-se com o Poder Judicial e nunca o contrário.

Que se trata de um processo com motivações políticas se soube logo à partida, quando João Lourenço se fez à mesa eleitoral como candidato à cabeça-de-lista do MPLA. Nessa altura, em que o combate à corrupção era assumidamente parte da agenda política de João Lourenço, não se colocou em causa se se tratava de um processo que viria a colidir com os melindres de natureza ético-legais, nem tampouco partidários; porque interessava afastar qualquer colagem à gestão anterior!

De tal sorte que, na altura, convinha que se apontasse as flechas para um fenómeno que há muito vinha corroendo a sociedade angolana, e principalmente de parte expressiva da sua classe política governante, que quase já nem se escondia, quer da tendência de ostentação dos bens adquiridos por via da gestão danosa do erário, bem como essa mesma parte expressiva da classe política governante não temia que, judicialmente, fosse visada, dada a cultura de impunidade reinante e o estatuto político de que gozava.

Por consequente, ao tornar-se candidato às eleições de 23 de Agosto de 2017, o Presidente angolano elegeu o combate à corrupção como uma das suas principais, senão mesmo a sua principal bandeira, chegando a admitir, numa das viagens efectuadas à França, estar-se perante uma "cruzada contra a corrupção". Logo, admitir que se trata de um processo político combater um mal que em Angola encontrou, sobretudo na acção política, legitimidade para a sua afirmação é o mínimo que se poderia esperar de quem governa o país. E pensamos mesmo que isso não deveria tirar o sono e/ou confranger, como parece ser o caso, quem deu início e quem diz estar a liderar esse processo; que foi sempre político, diga-se!

A corrupção em Angola - e quando falamos da corrupção falamos sobretudo daquela associada à gestão do património público - conheceu o seu apogeu com uma parte expressiva da classe política governante, que não teve qualquer registo de pudor em estar na política para se enriquecer. De tal modo que esta ideia de combatê-la só se tornou oficial quando, do ponto de vista também político, o então candidato a Presidente da República e hoje titular do Poder Executivo declarou aberta uma frente contra toda e qualquer prática que visasse o enriquecimento ilícito.

A questão que se levanta agora - e é este o problema que se está sobre a mesa - é se o combate à corrupção que se deu início tem usado os mecanismos unicamente legais ou se tem feito recurso a mecanismos políticos para alcançar objectivos estrategicamente definidos pelo titular do Poder Executivo, com o intuito de afastar antigos aliados do ex-Presidente da República e/ou combater uma elite política e económica que teve origem nos meandros do Poder Político e que amanhã poderá vir a constituir uma ameaça ao seu reinado.

A questão levantada não é fácil de responder, mas também a negação da tese de que o processo não é político mas, sim, judicial não colhe, porque a sua origem é necessariamente política. Contudo, não descuramos o facto de ser o Poder Judicial a ter que nos dizer se o tratamento que se está a dar ao processo é ou não político.

Porque uma coisa é a finalidade do processo em si (política) e outra é o tratamento que se dá ao mesmo (judicial). Neste sentido, só a Justiça nos poderá dizer se os mecanismos de combate à corrupção visam normalizar o quadro legal da gestão do país ou se estamos perante um exercício manipulador da Justiça para atingir fins políticos.