Angola tem nos últimos decénios sido atingida por importantes surtos epidémicos: nos anos 70-80 do século passado o Sarampo, com epidemiologia e clínica similares ao SC-19, desequilibrava as urgências pediátricas e matou milhares de crianças; idêntica destabilização teve a cólera, que em 1987 e 88 foi tratada nos hospitais centrais; em Março e Abril de 1999 tivemos, no Hospital Pediátrico David Bernardino, quase 500 das 1000 crianças paralisadas pelo vírus da Pólio em Luanda, e mais dezenas de casos foram identificadas em Benguela; em 2003 houve o surto da doença de Marburg no Uíge, e a preparação para uma eventual propagação a Luanda; em 2015 e 16 foram as Arboviroses, o Dengue e, sobretudo, a Febre-Amarela a obrigarem, com a assistência da OMS, a adoptar estratégias de definição de casos e de diagnóstico e controlo das doenças.
Não parece que a massa crítica de clínicos, sanitaristas e técnicos que esta experiência criou nos Hospitais Públicos, no Hospital Militar e na Faculdade de Medicina tenha pesado muito no momento presente, de tal forma a memória institucional e a falta de continuidade na gestão da esfera pública são sacrificados à omnipotência do presente.
A estratégia seguida foi a adoptada em todo o Mundo, mas enfermou à partida pela preocupação de colocar a quarentena dos suspeitos e o internamento dos eventualmente doentes o mais longe possível, literalmente, "no mato", a muitos quilómetros da capital, e em dependências até ali abandonadas (só mais tarde se realizou que o que não falta em Luanda são casas vazias e hotéis sem hóspedes...). Esta medida era logisticamente desaconselhável e humanamente cruel, e conduziu aos episódios conhecidos de selectividade (pessoal e política) dos que iam para uma quarentena insegura e desconfortável e consequente rebelião e transgressão por muitos dos "quarentenáveis". Portanto criando, como criou, sérios problemas à vigilância da doença.
Era também medicamente errado pretender que o Hospital da Barra do Kwanza (construído e completamente equipado por uma firma chinesa, mas nunca usado e abandonado há alguns anos) pudesse eficientemente tratar uma doença potencialmente mortal. As declarações feitas pela Ministra que os ventiladores seriam aí instalados é uma afirmação gratuita e puramente política. Segundo creio, não há sequer em nenhum hospital público angolano condições para prestação de cuidados intensivos e ventilação para além de situações esporádicas (não é por acaso que os doentes assistidos o foram nas duas maiores clínicas privadas de Luanda). Não tenho visto que, para além dos tão apregoados ventiladores, que todavia são necessários em apenas 1-2% dos doentes, se esteja a preparar nos ditos hospitais enfermarias de isolamento que serão necessárias para 20% dos casos. Também, visivelmente, não são os 150 médicos Cubanos, chegados para actuar, segundo a Ministra, nos 140 Municípios do País (e que vão custar 750.000 dólares mensais ao erário), os formadores para as equipas de médicos intensivistas de que tanto carecemos.
(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, esta semana com acesso gratuito em http://leitor.novavaga.co.ao/)