Num artigo publicado no conceituado Le Monde Diplomatique de Março de 2020, Sonia Shah chamava a atenção para a relação existente entre a propagação de doenças e de epidemias em animais e plantas com o modo de produção intensiva de bens agrícolas e pecuários, dada a necessidade de cada vez mais terras, o que, por sua vez, exige a destruição de mais e mais florestas ou outros recursos naturais. Inúmeros fazedores de opinião tiveram o mesmo tipo de abordagem, pondo em causa o modo como se produz e como se consome, e como o desejo de uma vida confortável, ou de luxo, para uma parte da população do planeta põe em risco a vida de toda a humanidade. Na realidade isso não é novidade. A tensão existente entre modelos produtivistas e ecológicos surgiu há muitas décadas no mundo moderno. Infelizmente, entre nós, como em muitas outras áreas temáticas, esse debate não existe porque campeia a ignorância. O que "bate" é a produção em larga escala, é a irresistível atracção pelo grandioso, ainda que a dimensão dessa escala por vezes seja ridícula, como tantas vezes acontece ao vermos ou lermos os nossos media. Uma produção de algumas toneladas que permite alimentar meia dúzia de famílias durante um ano é facilmente promovida a "produção de larga escala". Quem se atreve a pôr em causa essa forma de pensar é de imediato rotulado, no mínimo, de "atrasado" ou de inimigo do progresso. Daí o meu alerta para esses meios de comunicação social. Não elevem demasiado a fasquia das expectativas dos cidadãos. Os inimigos da produção nacional, os lóbis da importação. Estão a sorrir, esperando o momento certo para esgrimirem os seus desonestos argumentos, para continuarem a importar bens como fuba e laranja, como acontece neste momento, num momento que todas as divisas são poucas para enfrentar a pandemia e suas consequências e ao arrepio do que ouvimos recentemente do Ministro da Indústria e Comércio.

Muitos outros artigos têm aparecido a questionar o que será o mundo durante ou depois desta situação de excepção. O que poderá demorar anos. Um dos articulistas mais esclarecidos dos que me foram dados a ler chama-se António Costa Silva e é angolano. Nascido no Bié, foi um daqueles que, por divergências políticas, penou na cadeia durante anos logo após a independência, acabou o curso de engenharia na Universidade Agostinho Neto, trabalhou na Sonangol e, como tantos outros, abandonou o País tornando-se, anos mais tarde, um dos mais brilhantes especialistas em petróleos a nível mundial. Vale a pena ler as suas considerações sobre o mundo que nos espera. Se tivesse ficado em Angola, como outros companheiros de percurso ficaram, hoje seria um "velho esquecido" como tantos que andam por aqui e poderiam ser úteis nos mais diversos domínios, mas que a falta de visão, os complexos recalcados e a partidocracia votam ao abandono, como se ser idoso e experiente fosse um pecado ou um atestado de incapacidade.

Falo sobre isso porque entendo que continuamos a não aprender as lições da história. A vida em Angola é doentiamente dominada pelo MPLA, que acha ter o direito de propriedade absoluta sobre o País. Numa das redes sociais um militante do MPLA e da luta de libertação que teve um percurso curioso após a independência, de oposição ao mesmo MPLA que o levou à cadeia e depois ao exílio e à militância activa contra o regime angolano, tendo regressado depois da guerra civil e passado a defender o mesmo regime de modo exacerbado, esse militante, dizia, teve a ousadia de criticar quem teve bolsas de estudo ou gozou de qualquer "benefício" do Estado angolano - como um simples bom emprego - por de algum modo se opor ao partido no poder, como se o MPLA fosse o dono de Angola. Teve a resposta merecida de muitos internautas. Esse tipo de pensamento não deve ser visto como um mero desvio de comportamento. Num debate televisivo vimos recentemente uma atitude similar da parte de um dirigente desse partido. Trata-se, pois, de um hábito instalado, que, numa altura como esta se revela absolutamente nefasto e muito pouco inteligente. A persistir nesse caminho, e tendo em conta que o combate à corrupção parece ter abrandado, permitindo que práticas antigas regressem - ou talvez nunca tenham desaparecido como escreve o jornalista Dani Costa no seu último artigo, significativamente designado "Cabritos à solta" (O País, 11-5-20), a propósito de desvios e de sobrefacturações demasiado visíveis para não serem detectados -, o MPLA não mostra capacidade para enfrentar os novos desafios e está a fazer a tal caminhada para uma derrota estratégica, como alertei há alguns anos. Quem avisa amigo é, assim reza um velho ditado.

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)