Quando a pandemia chegou ao país (em Março), o Presidente da República, João Lourenço, criou, imediatamente, uma pequena comissão interministerial a que ele próprio presidia, coadjuvado pela ministra da Saúde. Semanas depois, face às repercussões que o impacto da doença rapidamente passou a assumir e a alguns incidentes de coordenação - o mais emblemático foi o episódio dos voos do dia 18 de Março, em que foi "forçada" a mandar os passageiros para casa em vez da planeada quarentena institucional com as consequências dali advientes - alargou a comissão, incluindo quase todos os ministérios. Passou a coordenação operacional para o ministro de Estado e Chefe da Casa da Segurança, coadjuvado pela ministra de Estado para a Área Social, assumindo ele a coordenação estratégica. É assim que a resposta à pandemia está estruturada actualmente a nível da mais alta estrutura do País.

Angola, tal como todos os outros países, foi apanhada totalmente de surpresa pelas características e repercussões da pandemia. Ninguém, nos cenários mais pessimistas, imaginava que, em menos de seis meses, a economia, a sociedade e a vida do dia-a-dia das pessoas seriam tão drasticamente afectados e de forma tão radical. Dali que, e como diz um amigo e professor, surge a necessidade de "mudar a roda com o carro em andamento". Ou por outras palavras, ir adequando as estratégias de resposta e estruturas que as implementam ao mesmo tempo que se vai recolhendo mais informações sobre o impacto da pandemia.

No caso de Angola e pelo que já se pode observar nestes seis meses, tudo ficou "de patas para o ar", principalmente os planos e os programas de governação que o partido no poder apresentou e fez sufragar nas urnas em 2017. Há, portanto, a necessidade de repensar esses planos e adequá-los à nova realidade (de Covid e pós-Covid). Há que apresentar essas novas propostas aos eleitores, de alguma forma a obter a sua aprovação e partir para o novo rumo que as circunstâncias agora impõem.

Esse exercício exige o engajamento de toda a estrutura de liderança política do País. É grande demais para ser implementado por uma comissão interministerial. Tem que passar a ser o eixo da nova governação, rumo às eleições de 2022. Mais: tem que ser assumido como a (nova) bandeira política do partido governante.

As mudanças que foram feitas até agora, incluindo o encolhimento do aparelho de Estado, ocorreram de uma forma pontual, reagindo caso a caso aos estímulos da nova situação. Isso agora revela-se insuficiente e inadequado. Urge agora repensar o País à luz do (pouco) que se sabe deste «novo normal»; realinhar as metas e estratégias de governação e só depois definir as mudanças que se impõem. Atrevo-me a dizer que se torna necessário rever a proposta de desenvolvimento económico e social apresentada aos eleitores e tornar a dialogar com eles para sancionar eventual nova proposta. Aliás, é o que quase todos os países estão a fazer: uma espécie de revisão de meio mandato e a busca de legitimidade para fazer diferente das propostas de governação pré-Covid.

Postas as coisas assim, facilmente se entenderá que os ajustes da agenda governativa impostos pelo contexto pandémico têm de ser protagonizados pelo Executivo enquanto um todo. Mais: têm que constituir um processo prioritário liderado pessoalmente pelo Presidente da República.

Num processo desses, torna-se crucial que os cidadãos eleitores não se sintam excluídos. Esse é um perigo real, porquanto os grandes défices na comunicação institucional do Executivo são por demais conhecidos - e, hoje por hoje, sentidos. Na medida em que os eleitores esperam a consecução do programa sufragado em 2017, havendo outro, há que submetê-lo à sua aprovação também, senão estes (e a oposição) poderão sempre dizer que o partido governante não cumpriu com as suas promessas. E nestas coisas, não vale alegar que toda a gente sabe o porquê dos não-cumprimentos. Se não forem comunicados, nem negociados, nem discutidos, para os eleitores é como se fosse nada.

Dali que, para além da concepção de um programa revisto de governação, haveria também a necessidade de socializá-lo com os eleitores. E nesse quesito, há um actor que tem sido negligenciado nos (poucos) diálogos sociais que vão acontecendo: a família.

Um dos benefícios do confinamento tem sido o reatamento da interacção e diálogo intrafamiliar. Isso quer dizer que o eixo dos processos de influência social, económica e política que antes era detido pelos media, escola, igreja, círculo de amigos, etc., retornou ao espaço familiar. Os seus membros passam mais tempo juntos, conversam, influenciam-se mais entre si e tomam mais decisões conjuntas. E tudo indica que isso vai continuar por tempo indeterminado - e ainda bem! Esse processo é estimulado pelo facto de a pandemia impactar particularmente na vida colectiva da família: a alta dos preços, escassez dos produtos, limitações de movimentos, etc. Dali que as opções políticas dos indivíduos serão, sobremaneira, influenciadas pela forma como a sua família percebe e acolhe os programas de governação propostos. Parece, portanto, lógico inferir que o sucesso de qualquer comunicação, institucional ou mesmo política passará agora incontornavelmente por esse canal. Isso aplica-se por maioria de razão a um programa renovado em função da resposta à pandemia actual.

Em resumo: para que venha o mais rápido possível o pós-Covid que todos almejamos, parece preciso que o Executivo assuma um «novo normal» e, com ele, um novo programa e estratégia de governação, adaptados a estes novos e desafiantes tempos. Que, sob a liderança pessoal do Presidente da República, o Executivo faça disso o fio condutor da (nova) governação! Que o proponha aos cidadãos para (re)adquirir a legitimidade democrática que uma mudança tão profunda aconselha e faça disso a fonte de mobilização de toda a sociedade para sair deste "aperto" que já se agiganta como um dos maiores da nossa história de país independente! Para que o pós-Covid venha mais rápido...