Um dos pressupostos fundamentais para este recomeço inevitável de termos, com visões diferentes como é natural, um projecto para o país, que nos permita recuperar tão depressa quanto possível esta última década e meia que foi autenticamente deitada fora, é ter a noção de que o fundamental não é o capital, ou o lucro, sequer a liberdade reduzida a valores mercantis, mas a pessoa, a vida, em suma, a liberdade na sua definição mais profunda. Tudo o resto serão sempre meros instrumentos para escolher se queremos o aprofundamento dessa liberdade, enquanto consciência da necessidade, ou se queremos que os instrumentos económicos terminem em condição de supremacia sobre o poder político. As razões sócio-culturais, que fundamentam os objectivos teóricos defendidos, têm de obrigar a economia a estar submetida às condicionantes políticas decididas por quem detém este poder de representatividade.

Os excessos do liberalismo, defendido até à exaustão sob vários mantos e que vêm, sem dúvida, contribuindo decisivamente para o atraso civilizacional que vivemos em todo o mundo, ao ponto até de pôr em risco o equilíbrio do planeta para as próximas gerações, centram-se numa lógia diabólica: da prática neo-liberal surgiriam "espontaneamente" as soluções para os problemas que, desde que Reagan e Tatcher, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, conseguiram desarticular os mecanismos de controlo e supervisão dos mercados, destruindo política, cultural e socialmente décadas de certo equilíbrio, fruto dos resultados da 2ª Guerra Mundial.

Estes dois criminosos - apoiados por aqueles que levaram hoje o mundo a uma situação de um neo-capitalismo sem barreiras, que não obedece nem a leis nem a qualquer espécie de controlo, fugindo a qualquer alçada legal, jurídica, estatal ou à escala global - conseguiram que estejam a desaparecer do "mapa" a melhoria do nível de vida das populações, o desenvolvimento, o emprego, o respeito pelas normas legais do trabalho e a conservação do ambiente.

Chegados a estas duas primeiras décadas do século XXI, é fácil verificar que os problemas que vivemos são exactamente o inverso do que foram sendo apontados pelos defensores de uma doutrina que não é mais do que a imposição de um sistema fascista, encapotado de pseudo-democracias. Não são em vão, como há anos é denunciado por jornalistas corajosos e incorruptíveis, as reuniões do Clube Bilderberg ou as reuniões do G 5 ou do G 7. É nessas reuniões que, funcionários da alta finança internacional travestidos de políticos, sejam eles alemães, franceses, luxemburgueses, portugueses ou norte-americanos, recebem indicações precisas dos mais ricos do mundo com vista a desequilibrar os sistemas e pô-los ao serviço.

Isso fica bem claro quando acabamos por saber que Trump, Barroso ou Macron, ou estão ao serviço da mais alta finança mundial, como é o caso do primeiro, ou saem de instituições como o Goldman Sachs para assumir funções políticas, ou mal terminam estas são a correr chamados para integrar funções ao mais alto nível de fundos abutres e de instituições apátridas que vivem de capitais às vezes até inexistentes.

Como nos ensina Maurice Allais, "uma economia de mercado só pode funcionar correctamente num quadro institucional, político e ético que lhe garanta a estabilidade e a regulação".

O unanimismo, a falta de debate, a incapacidade de escutar o(s) outro(s) - e nós somos um exemplo claro dos resultados desastrosos desse tipo de política, estando hoje a pagar um preço desmesurado por isso - estão a levar a Humanidade a um ponto sem retorno. Que resultará numa ainda maior degradação das condições de vida das populações, e num aumento de riqueza de meia dúzia de verdadeiros bandidos que concentram hoje, uma maior riqueza do que mais de dois terços dos trabalhadores de todo o mundo.

Não teremos outra saída que não seja aprofundar o diálogo, falar, sentar, discutir, debater. Temos quadros suficientes, dentro e fora do país, para contribuírem decisivamente para que Angola siga um caminho próprio, autónomo, racional e baseado na lógica de que a definição das políticas económicas devem ter, como primeiro objectivo, a criação de condições dignas e civilizadas à esmagadora maioria das populações: água, electricidade, saneamento básico, acesso a boas escolas e a um ensino sério e competente em primeiro lugar.

Tantos anos de luta não podem desaparecer, em nome de meia dúzia de indivíduos que, sem nunca terem trabalhado na vida, concentram em si fortunas incalculáveis, sem que prestem contas ao estado, à sociedade e à justiça.