Feitas as contas, tudo isso não passou de uma estratégia muito bem gerida por aqueles que entendiam nesta visão estratégica da bajulação um meio para se juntarem ao poleiro, onde só se chegava se a divisa fosse à partida pronunciada. Também graças a esta cultura de bajulação o país desandou e as consequências, apesar de estarem evidentes, são incalculáveis. E os protagonistas desta façanha andam todos por aí, como seres impolutos.

Quando foi da cultura de bajulação que atingiu a figura do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, soavam epítetos que roçavam a qualidades que o associavam à natureza quase divinal e é escusado dizer-se que todos os seus cultores ganhavam com tudo isso. E nunca foi a sociedade angolana a somar avanços por esta "ideia genial" que ajudou a alavancar uns ditos visionários.

A cultura da bajulação não é nem nunca foi um maná que alimentasse os apetites de todos numa proporção extensiva e equitativamente bem distribuída. A cultura da bajulação alimentava sobretudo aqueles que detêm as garras mais aguçadas e com os dentes pontiagudos com sede de poder e que olham para o exercício do Poder Político e de um qualquer cargo público como um meio que lhes permitia atingir determinado fim através de palavras elogiosas que visavam iludir (?) o elogiado.

Na verdade, não foi só a cultura da corrupção e, por conseguinte, do enriquecimento ilícito que feriu de morte a sociedade angolana, a cultura da bajulação foi também sectária, porque aqueles que não podiam fazer ou que não puderam fazer ficaram ostracizados ou marginalizados por não bajularem o Chefe ou os chefes!

Entretanto, paralelamente à cultura da bajulação existiu e continua a existir um discurso tão enganador quanto o da bajulação; o discurso da autovitimização ou o da dissimulação. Este discurso foi nos últimos meses accionado pelo próprio titular do Poder Político, quando se referiu à existência de figuras angolanas no exterior que quiseram/quiserem semear o caos no país... (na verdade, o Presidente da República referia-se aos filhos, sobretudo às filhas, do ex-Presidente da República)...

A mesma natureza do discurso foi também ouvida por alguns titulares de cargos governativos na mesma tónica e, por último, de forma recorrente pelo comandante-geral da Polícia Nacional, que voltou nos últimos dias a referir-se, de forma infeliz, diga-se, à mesma enunciação. Com o agravante de atribuir a responsabilidade do aumento da onda de criminalidade em Luanda e no país - sobretudo aquela registada entre Novembro e Dezembro de 2019 - a estas mesmas figuras angolanas (sem rostos e sem nomes) a que o Presidente da República fez alusão.

Ora, este é precisamente o tipo de discurso que deveria merecer o repúdio e o escárnio colectivo de todos angolanos, por ser um incoerente e inconsequente! Claro está que não é de todo um discurso o qual podemos associar de maneira imediata à cultura da bajulação de que vimos falando, não, mas é um tipo de discurso que sugere algo mais grave e visa "mandar recados" simpáticos sobretudo ao titular do Poder Executivo. Como que a dizer: "Estamos consigo, senhor Presidente".

Ao afirmar de modo categórico que o facto se deveu a figuras angolanas no exterior, sem mencioná-las nominalmente, o senhor comandante-geral da Polícia Nacional voltou a prestar um mau serviço ao país, uma vez que não consegue sequer fazer prova de que estas figuras existem de facto! E se elas existem - sendo elas as filhas do ex-Presidente da República -, é mais grave ainda porque, nas circunstâncias em que é feito o discurso, acaba por ser uma intervenção de natureza política, que nada acrescenta a uma força que deveria ser, no mínimo, apolítica.

E mais: na sua condição, discursos que possam acarretar alguma leviandade não só tornam vulgar a sua imagem como a da instituição que representa. E mais grave: emparelhar o discurso da Polícia Nacional ao do titular do Poder Político - que o fez sem apresentar uma única prova, insinuando que estas pessoas pretendem desestabilizar o país - não dá a ideia de um alinhamento que foge aos ditames da marca republicana do papel da Polícia Nacional?