Tal facto deveu-se, primeiro, porque importava, a quem promovia este esvaziamento de competências do sector público, que prestadores de serviços externos viessem em socorro do sector público. O número de processos sobre peculato justificam esta tese, porque os contratos nunca seriam obviamente "entregues" a outsiders); segundo, porque a manutenção destas empresas prestadoras de serviço dependia da inoperância "comprovada" da administração pública. Que o diga a dívida pública!

Referimo-nos a uma dada altura em que o minimamente exigível passou a ser uma carta dispensável e bastante reles para desmerecer a atenção política que se impunha nessa altura, quando o problema estava apenas na sua génese. Aliás, é fruto desta responsabilidade política que muitos desses protagonistas encontraram respaldo para levar a cabo uma série de manobras que culminariam numa selvajaria que levou o sector público aos níveis de insustentabilidade operacional.

Dizia-se que o exemplo vinha de cima, e o que vem de cima fazia e faz facilmente lei. De tal sorte que foi perante esse estado de coisas em que se perdeu de vista a necessidade de um balizamento por cima de um conjunto de matérias, sobretudo atinentes à esfera pública, onde uma geração de oportunistas, com alguma legitimação - não legitimidade ­- política, veio a tornar-se mais tarde em "justiceira da competência".

Em consequência disso, quadros com experiência e com capacidade técnica comprovada do sector público passaram a ser os potenciais alvos a abater, porque, por um lado, faziam sombra aos intentos dessa geração de oportunistas ou porque, por outro, importava desencorajá-los ou inibi-los, deixando-os sob ameaça de represálias, caso afrontassem os seus superiores hierárquicos.

Foi assim que o sector público passou a ser uma espécie de "mamadeira" de um conjunto de empresas, muitas das quais detidas por figuras com ligações aos titulares dos cargos públicos, e, outros casos ainda mais graves, como, por exemplo, no Kwando Kubango - aliás relatado por este jornal -, em que o titular da empresa é precisamente um dos governantes da província.

Nota assinalável é que muitos destes casos ocorreram numa fase em que já vigorava a Lei da Probidade. O que demonstra uma clara despreocupação com as consequências legais destes actos de gestão danosa. Daí que não é de estranhar que quando são tornados públicos uma série de descasos envolvendo a administração de instituições públicas se sinta uma certa indiferença, como se as consequências não nos atingisse a todos nós enquanto país.

Exige-se uma mudança de paradigma a nível da gestão política, mas há um bicho papão ainda pior: o cuidado que se deveria ter com a administração pública e não se tem. É preciso que se exija de qualquer servidor público níveis de excelência na administração da coisa pública. Não é possível que haja um conformismo por parte da administração desse sector, como até então se tem verificado. E mais: o sector público não tem demonstrado até aqui ter ao seu lado os melhores quadros do mercado. E isto não é porque os quadros não querem.

Na verdade, os quadros que prestam hoje um trabalho de excelência no sector privado - claro que as excepções existem e muitas - tiveram como ponto de partida alguma empresa pública cujo titular não foi capaz de potenciar a capacidade deste quadro, porque, por um lado, via nele uma ameaça, mesmo quando a confiança política era o melhor "activo" que qualquer um deles poderia ter para chegar ao topo da empresa.

Por mais mudanças que ocorram a nível das decisões políticas, há uma mudança necessária e que se reveste de um carácter urgente e inadiável: a valorização dos quadros angolanos do sector público. Isso implicaria que a nível desse sector não tivessem que lá estar a decidir os políticos, porque está mais do que provado que a experiência anterior esteve muitos furos abaixo. E uma das consequências mais sérias foi ver uma romaria para a porta de saída de muitos bons quadros para o sector privado. Por aqui, nunca vamos lá!