Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o Daesh não está "morto". Aliás, nada perto disso. Face às estratégias adoptadas pelo Ocidente e aos condicionamentos, guerras internas e recentes acontecimentos, o Daesh mudou de estratégia. Mas a mentalidade, as ambições e os mecanismos para a transmissão da mensagem continuam lá, bem presentes na organização terrorista.

Ora, não é novo que a África Austral é um destino apetecível para o auto-proclamado Estado lslâmico, por motivos óbvios: falta de políticas de segurança eficientes (incapacidade para exercer violência legítima e controlar as suas fronteiras fazem parte desse reportório), economias e sociedades favoráveis a ideias alternativas e radicalizadas (devido ao fracasso do presente) e presença de costumes e tradições, em algumas partes deste vasto território, ligadas ao islamismo. Desta forma, escolhe-se um território frágil, incuti-se mensagens radicalizadas num grupo de jovens frequentadores de mesquitas (muitos deles já pertencentes a grupos extremistas locais) e tem-se uma organização hierárquica com uma estratégia clara: unir o Califado sob os princípios da sharia, espalhando o terror. Foi isto que aconteceu em Moçambique, com uma continuidade de há vários meses para cá.

Desalojados, mortos e feridos; pobreza, insegurança e violência; falta de acções e incapacidade, dificuldade em fazer chegar a ajuda humanitária necessária e pouca atenção dada no panorama internacional. Estas são algumas palavras e expressões que melhor caracterizam a situação vivida na zona norte de Moçambique, sobretudo em Cabo Delgado (que tem a maior taxa de iliteracia de Moçambique, uma elevada taxa de desemprego jovem, e onde o tráfico de droga e armas fazem parte do quotidiano da região) - território massacrado sucessivamente, quer por organizações extremistas locais, quer, recentemente, pelo elevadíssimo número de militantes do Daesh.

Só para termos noção do que aqui se trata, faço um breve resumo dos acontecimentos em Cabo Delgado: destruição de três postos da polícia em Mocímboa da Praia (outubro 2017); ataques nas aldeias de Mitumbate, Makulo e em Mocímboa da Praia (dezembro 2017); ataques no distrito de Palma - dez pessoas morreram, algumas decapitadas -, com o governo a aprovar a Lei de Combate ao Terrorismo (primeiro semestre de 2018); massacre quase semanal: dezenas de aldeias incendiadas, inúmeras pessoas mortas e centenas gravemente feridas (segundo semestre de 2018); 2019... nada mudou, com o grupo terrorista cada vez mais intenso e coeso nos seus ataques (com mais elementos, muitos deles vindos da Tanzânia e da Somália), espalhando o caos, destruindo património e matando pessoas.

O reforço não chega e os que lá se encontram pouco ou nada podem fazer de melhor. Não basta a adoção de medidas nacionais adequadas para o combate ao fenómeno. O governo moçambicano tem que requerer algo mais, tem que ligar todos os dispositivos e instrumentos internacionais de que Moçambique é parte e pedir todo o apoio e meios necessários junto da comunidade internacional, com especial reforço na relação com a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, em português), visto que é um problema que afeta mais países e, se não for devidamente contido, tornar-se-á terror para toda a região africana. A situação em Moçambique há muito que está fora de controlo, forçando aqueles que conseguem sobreviver aos ataques a fugir para outros locais, deixando tudo para trás.

Moçambique é, neste momento, um estado completamente fragilizado, exposto e totalmente incapaz. Moçambique precisa de ajuda rápida e eficaz.