Mas destapámos também quarentenas sociais e económicas. E pelo meio viríamos a destapar, dois anos depois da Independência, a quarentona política que haveria de causar a maior tragédia intrapartidária em Angola.

Que, iniciada a 27 de Maio de 1977, se transformaria, durante catorze anos consecutivos, na mais longa e negra quarentena da nossa história: o recolher obrigatório.

Há quarenta e cinco anos, e durante os anos que se lhe seguiram até chegarmos aos dias de hoje, chegara a hora e a vez das quarentenas de gente pobre, honesta, simples, gente honrada.

Quarenta e cinco anos depois, chegou agora a hora e a vez da quarentena dos ricos. Chegou a hora e a vez de os vermos embutidos com o mesmo espírito de solidariedade que, nos primeiros anos da Independência, animou a sua ascensão social.

Chegou a hora e a vez de os vermos colocados na vanguarda de um combate que representa, porventura, o maior desafio que, alguma vez, recaiu sobre os ombros dos angolanos:

O tsunâmi sanitário e a pandemia financeira.

Chegou a hora e a vez de os vermos destapar, neste momento dramático, a sua couraça moral, integridade patriótica e tempero cívico para se colocarem do único lado válido da história: a vida de milhões de angolanos.

Quarenta e cinco anos depois, sujeitos a uma quarentena sem vistos de entrada em parte alguma do mundo para ninguém, chegou a hora e a vez de, pela primeira vez na nossa história, sermos iguais dentro das nossas fronteiras.

Como quando, provenientes das mesmas origens, às zero horas de 11 de Novembro de 1975 estávamos imbuídos dos mesmos propósitos.

Como quando aqueles que, fazendo hoje parte do clube dos ricos, há quarenta e cinco anos, decidiram, voluntariamente, despejar a sua aspiração patriótica para se enfileirarem na linha da frente da luta contra as desigualdades sociais e raciais.

Como quando, nos meses subsequentes à Independência, julgávamos que, dominados por ficcional convicção, continuávamos a pensar que poderíamos vir a ser iguais.

Como quando, vergados pela utopia, sonhávamos que seria possível tê-los a liderar a construção de um mundo novo sem exigir quaisquer contrapartidas que não fossem a maior dignidade humana, a justiça social e a equidade financeira.

E quarenta e cinco anos depois, tudo, afinal, não passou de um sonho. Que, agora, destapada a opacidade em que estiveram embrulhadas algumas das nossas mais luminosas fortunas, está a transformar-se num verdadeiro pesadelo.

Um pesadelo que a todos desafia. Um pesadelo que hoje não deixa ninguém dormir em paz. Um pesadelo que já está a fazer mudar a roda do tempo, travando os ponteiros do relógio.

Um pesadelo que, ao desafiar a nossa capacidade de ultrapassar dificuldades e não de gerir facilidades, já está a transformar, de forma inexorável, o nosso destino.

Que nos está a colocar, como nunca antes na história, entre a vida e a morte. Que nos está a demonstrar que, com ele, a partir de agora, nada mais será como dantes.

Mas, para que a "peste" não se instale e dissemine por aqui, como assinala o escritor Gonçalo M. Tavares, "é preciso salvar" o país do tsunâmi sanitário e da pandemia financeira "nos pequenos intervalos" das nossas vidas.

"Intervalos" que convoca agora gente com dinheiro para expor a sua riqueza de forma higiénica, colocando a mão na consciência para reflectir pela primeira vez sobre o que o país fez por ela.

"Intervalos" que a convoca agora para interiorizar o pensamento de John Kennedy. É chegada, por isso, a hora e a vez de gente afortunada começar a fazer o que, neste momento crítico, toda a gente espera que faça pelo país.

É chegada a hora e a vez de essa gente tomar consciência de que, de repente, se desfez, também nela, a ilusão da eterna imunidade sanitária perante o alastramento de um maldito vírus que nos está a tornar a todos iguais perante a vida e a morte.

É chegada a hora e a vez de gente endinheirada consciencializar de que o momento a privou do prazer de continuar a drenar as ostensivas orgias financeiras com que, através da exibição de faustosas festas e casamentos, desfila(va) de forma saloia a sua riqueza.

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)