O desabafo, confidenciado a um amigo íntimo na véspera de morrer, pertence ao General João de Matos, o intrépido Chefe do Estado Maior das FAA, que desempenhou um papel chave na preservação da unidade territorial e no restabelecimento da paz definitiva para o nosso país.

Com visionária apreensão, João de Matos, então amargurado depois de ter sido atirado compulsivamente para a reforma, tinha razão, mas, ao despedir-se, esquecera-se de incluir, no lote das nossas desgraças, o nosso mais importante e valioso activo, sem o qual não teríamos nem as Forças Armadas que tivemos, nem a Sonangol teria atingido os patamares que atingiu e nem a UNITEL teria sido alavancada para níveis tão altos: a educação e o ensino.

A destruição da nossa principal fonte do saber e do conhecimento, presenciada pelos mais altos poderes públicos com a mais descarada leviandade e cumplicidade, acabou por ser fatal na construção de consciências deformadas e na instalação, aos poucos, de uma República dominada pela imbecilidade política e pelo gangsterismo financeiro.

Mas, nem sempre foi assim. Imortalizados os sagrados valores de um hino idealizado ao "preço" de uma jarra de água e de uns cafés, tudo, na componente do ensino e da educação, começou por ser feito com desinteressado e patriótico voluntarismo.

Tudo era feito imune ao contágio das pandemias que hoje corroem aqueles valores à custa do desembolso, pelo Estado, de milhões destinados a enfartar galácticos proprietários das fabriquetas dos "hinos" dos novos tempos...

Tudo era assumido como o "Grande Desafio" encarnado por um dos maiores poetas da nossa história - António Jacinto - feito primeiro Ministro da Educação e Cultura do país.

Tudo era feito com base numa utopia que se manteve ingénua, mesmo quando, impulsionados pelo trovão populista da revolução, assistimos à "primeira grande depressão" ideológico-cultural que, perante o desencadeamento da purga contra "todos os vestígios do colonialismo português", varreu o país nos primeiros anos da Independência.

Mesmo quando, em 1978, sob a liderança de um dos políticos mais lúcidos do nosso tempo e porventura o melhor Ministro da Educação que Angola já teve - Ambrósio Lukoki - coadjuvado pelo escritor Pepetela - que definiu "o professor como combatente da linha da frente", se proclamou o fim da longa e profícua "comissão de serviço" do sistema de ensino colonial com a extinção formal das escolas comerciais e industriais em Angola.

Mas, mesmo nessa saga, com o país desfalcado de recursos qualificados, as autoridades, preocupadas em continuar a preservar o rigor, não deixaram de contratar em Portugal um contingente de professores para assegurar o ensino de qualidade da língua portuguesa e de outras disciplinas nucleares, ao mesmo tempo que o Makarenko e o Instituto Karl Marx se erguiam como um notável laboratório de futuros engenheiros e economistas.

E do exílio, do antigo Zaíre - onde, ao contrário das nossas autoridades, Mobutu fizera um grande investimento na transformação da Universidade de Lumumbashi numa réplica da Universidade belga de Louvain - juntaram-se quadros portadores de reconhecida valia técnica como o grande matemático N"Fulupinda Landú Victor, o economista Luvumbu Sebastião ou o pedagogo N"Singui Barros.

À medida, porém, que a riqueza mineral extraída dos poços de petróleo atingia níveis inimagináveis e a maionese da corrupção escorregava pelas goelas adentro do poder, começámos a assistir a lenta degradação do edifício educacional e ao triunfo da prostituição dos valores éticos e morais na nossa sociedade.

Nesta toada nunca mais ninguém nos apanhou. Tudo indicava que, em 2002, elegendo a educação, a saúde e o emprego como as nossas prioridades, sabíamos ao que íamos.

Mas, se pensávamos que sabíamos, ao excluirmos o conhecimento da nossa pauta, rapidamente deixámos de saber ao que chegaríamos e passámos a ter um país sem educação, sem saúde e sem emprego.

E, ao destroçarmos a seriedade e os alicerces de uma verdadeira política de Estado no sector da educação e ensino, não percebemos que, aos poucos, deixávamos de viver num país real e passávamos a comportar-nos como cidadãos imaginários.

Nunca, na verdade, soubemos saborear os frutos das sementes do saber lançadas à terra nos primeiros anos da Independência. E se no princípio tudo parecia estar a ser (mal) feito por desconhecimento ou por simples incapacidade, depois acabamos por perceber que, afinal, estava em marcha um deliberado plano de desbaratamento da nossa maior riqueza: o seu capital humano.

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